Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto
pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece
o significado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso
também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um
homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer…
Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem
os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim,
por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais
enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos
e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse
desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é
que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e esfregas
os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com
exatidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da
vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o
imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades,
tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem, nem o mal… e isso é
precisamente a velhice.
in AS
VELAS ARDEM ATÉ O FIM / Sandór Márai.
Desde sempre o homem se programa para tudo; estudar, viajar, amar , sorrir, passear, ser feliz.Entretanto, embora a gente ignore, há dois momentos dos quais se foge, como se fazendo isso, conseguíssemos escapar do previsível: a velhice e a morte.O que é envelhecer , senão uma fase do ciclo inevitável da vida? Só há uma possibilidade de escaparmos dessa realidade : morrer jovem . Isso é conformismo? Não. É aprendizado. Nâo se pode impedir o caminho do corpo, mas pode-se direcionar o caminho da alma.
Gizelda,
ResponderExcluirCreio que compreendo onde quer chegar com a nota final, mas tenho para mim que isso é inverter o rumo das coisas. Além disso, creio que ninguém, enquanto jovem, tem a sabedoria para suspender um acto do qual não se vislumbra um fim. Ou seja, é colocar um fim onde ainda ele se não desenha.
Torga dizia que toda a vida se lhe deparara um muro, mas que a dignidade estava em ousar transpo-lo, ousar sempre.
(Os seus posts são tão ricos de conteúdo que me deixam em permanente reflexão. E nesse estado continuarei com este)
Beijo :)
Querida Gizelda,
ResponderExcluirComo sempre,seu post fala da vida, porque falar da morte é falar da vida.Mas o ideal mesmo (e isso é impossível)seria que corpo e alma caminhassem em equilíbrio durante nossa existência e que morrer nunca fosse fruto de um processo doloroso e lento,mas assim como despertar de um sono profundo para o desconhecido.Porque, minha amiga,a "viagem" não termina neste porto.
"Se um dia hei de ser pó
cinza e mais nada,
que seja a minha noite
uma alvorada,
que eu saiba me perder
para me encontrar".
Florbela Espanca
Beijos
Malu