sábado, 17 de julho de 2010


Meu querido...

Sem dúvida,é agradabilíssima surpresa: uma carta sua para mim. Em pleno século XXI, quando a fria tela do computador vem substituindo o papel com tanta agilidade, eis que surge sua letra tão facilmente reconhecível em um envelope de papel pardo.Isso foi de uma gentileza ímpar.

A primeira página já o entregou: impressionante como pode ser tão analítico aos dezoito anos. Inacreditavelmente contundente , quando crê que já sabe o que quer e o que é.Mas, num relance, li a sequência e percebi o desencanto absolutamente normal a todos aqueles que sonham . O sonho transformou-se em realidade e não é o que você esperava dele.

Não é difícil entender : sonhos são fantasias e realidade é o que temos, felizmente moldável ao que precisamos que seja. A paixão, querido,é uma chama efêmera...queima intensamente e termina. O que temos que cultivar é cumplicidade com o caminho profissional que escolhemos e amor por ele. Isso não surge do nada, é preciso construir. Demora,mas é gratificante.

Fazemos rascunhos de pequenas coisas durante a vida inteira, mas quando se trata de viver o “ nosso texto”, ele vai sendo escrito no livro definitivo. Não há como apagá-lo, mas, pode-se, sim, mudar o roteiro. Afinal , esse texto é nossa vida. Pode e deve mudá-lo sempre que ele lhe oprimir .

A vida não é feita só de retas perfeitas e mansos rios. Tem-se pelo caminho tortuosas curvas, quedas d’ água violentas, muita turbulência e , às vezes, calmaria. Tudo isso faz parte da incrível aventura que é viver, nem sempre como gostaríamos que fosse. Dói, dói mesmo, porém não há como evitar.

E que delícia você ter descoberto no livro uma companhia! Ainda é cedo, mas, um dia, você vai perceber quão importante e enriquecedor foi ter feito essa escolha.

Poderia escrever muito mais, mas você vai ter que descobrir sozinho a arte de conviver com alegrias e frustrações. No entanto,Guimarães Rosa é meu escolhido para terminar essa carta : “Tem horas em que, de repente, o mundo vira pequenininho. Mas noutro de repente ele se torna demais de grande outra vez. A gente deve de esperar o terceiro pensamento”. Reflita a respeito desse excerto.

Obrigada por haver dividido comigo um pedacinho da sua história.

Um beijo carinhoso. E não atropele a vida. Tudo virá no tempo certo.


Gizelda.

Em tempo: a jurista , embora diplomada, era a que devia ter sido e não foi. Agradeço todos os dias por Literatura ter sido meu terceiro pensamento.Só uma feliz mudança de roteiro...

PS : a missiva original foi enviada manuscrita ao destinatário,sem dúvida.

8 comentários:

  1. que lindo mamãe!!!!
    Estou refletindo o terceiro pensamento!!!!
    Creio que seja o equilíbrio...
    Te amo!!!
    Beijos
    Iacy

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  2. Gizelda,
    Disse-me, no post anterior, que tinha muitos turbilhões dentro de si. Ainda bem que os tem, minha amiga. São eles que fazem com que continue atenta, a procurar, sempre em busca do rumo certo; são eles que lhe permitem a visão que tem do mundo, valorizando aquilo que vale a pena; são eles que permitem que escreva uma carta assim, plena de sabedoria...
    Sinto-me muito grato por poder partilhar este espaço. Obrigado.

    Beijo

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  3. Tia Giza, deu aquela nostalgia da época em que eu trocava cartas com minha avó! Quão delicioso era o sentimento de encontrar e reconhecer uma letra perdida no bolo de correspondências!
    Penso que a tecnologia faz deste mundo algo de tão pequenino, enquanto um simples manuscrito o faz tão gigante! Será que vai existir um terceiro pensamento?!
    Beijo grande
    PS: O "trem bão" que é visitar um blog recheado de escritos com tanto carinho!

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  4. É isso mesmo, minha filha!
    O tão sonhado equilíbrio que a gente não percebe é o caminho para a felicidade.

    Quantos de nós chegamos a compreender e viver isso?

    Beijos. Também te amo.

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  5. AC...você é uma pessoa extremamente generosa. Não há sabedoria, só experiência. Gostaria de ter todas as repostas, mas as perguntas vivem em maior número dentro de mim.

    O textos não são ficção( nem o dele, nem a minha resposta).Esta só foi colocada aqui, porque poderia acalmar dezenas de jovens com os quais eu convivo e sofrem essas decepções: lutar por uma vaga em universidade e descobrir que o sonhado-e conseguido- não era o esperado.

    Nós, que já vivemos mais, sabemos que é apenas uma das primeiras frustrações, mas os jovens ficam devastados, sentem-se ludibriados.

    De qualquer maneira, continua sendo um privilégio sua presença aqui.
    Muito obrigada mesmo. Beijos.

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  6. Claro que existe "terceiro pensamento" ,Mau!

    ...quando você chegar nele, vai ter paz, e se isso não for a felicidade, estará muito perto dela.

    Beijos.

    Se você me escrever uma carta manuscrita, também vou respondê-la assim.Mais beijos.

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  7. Numa segunda leitura da carta, tia Giza, eu me lembrei de uma pequena expressão utilizada por aqui, que deve se encaixar ao que foi dito. Diga-me depois se fez algum sentido. Você disse que "A paixão (...) é uma chama efêmera", e também, "O sonho transformou-se em realidade, e não é o que você esperava dele". Dizemos como internos e como residentes que "com a vivência a gente desilude". Mas que de qualquer forma o que nos resta é o cultivar de um caminho que escolhemos por amor a ele, ou mesmo pelo amor ao caminhar!

    Peço desculpas pela forma superficial que fiz a minha primeira leitura, mas me contentei tanto com o "corresponder" por cartas e lembrei da época que eu assim o fazia, que me permiti ser desleixado! Hahaha...

    Grande beijo, tia Giza, saudades!

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  8. Querido Mau...( que de mau não tem nada, é um favo de mel!)

    Não há o que se desculpar. É isso mesmo, a vivência nos desilude. Por isso, não dá para mudar a vida, mas dá para mudar o roteiro dela, se for preciso, para ser mais feliz.

    Beijoooo.Que bom que vc vem passear aqui.

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