sábado, 2 de julho de 2011
É para você que escrevo - e não entende nada.
De onde vem essa iluminação que chamam de amor, e logo depois se contorce, se enleia, se turva toda e ofusca e apaga e acende feito um fio de contato defeituoso, sem nunca voltar àquela primeira iluminação? Espera, vamos conversar, sugeriu sem muito empenho. Tarde demais, porta fechada. Sozinho enfim, podia remexer em discos e livros para decidir sem nenhuma preocupação de harmonia-com-o-gosto-alheio que sempre preferira um Morrison a Manuel Bandeira. Sid Vicious a Puccini. A mosca a Uma janela para o amor, sempre uma vodca a um copo de leite: metal drástico. Era desses caras de barba por fazer que sempre escolherão o risco, o perigo, a insensatez, a insegurança, o precário, a maldição, a noite — a Fome maiúscula. Não a mesa posta e farta, com pratos e panelas a serem lavados na pia cheia de graxa — mas um hambúrguer qualquer para você que escrevo. Mas os escritores são muito cruéis, você me ama pelo que me mata com coca-cola no boteco da esquina, e a vida acontecendo em volta, escrota e nua.
Não muito confuso, assim confrontado com sua explícita incapacidade de lidar com. A palavra não vinha. Podia fazer mil coisas a seguir. Mas dentro de qualquer ação, dentes arreganhados, restaria aquela sua profunda incapacidade de lidar com. Um instante antes de bater outra, colocar uma velha Billie Holiday e sentar na máquina para escrever, ainda pensou: gosto tanto de você, baby. Só que os escritores são seres muito cruéis, estão sempre matando a vida à procura de histórias. Você me ama pelo que me mata. E se apunhalo é porque é para você, para você que escrevo — e não entende nada.
Caio Fernando Abreu in Anotações Insensatas
Quantas vezes escrevi pra alguém que não me entendeu, porque nunca lhe permiti ler!Ficou no ar o que poderia ter sido...e não foi.
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Pressinto que tenho de lhe deixar um enorme abraço do tamanho da nossa distância.
ResponderExcluirVoce sabe que admiro tudo que vem de voce, principalmente " Quantas V......poderia ter sido... e não foi" Giselda não sei me expressar mas voce fala por mim sempre, grande abraço.
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