quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Uma única vida é pouco.

                              

Uma única vida é pouco. Para se fazer aquilo que se sabe e se pode e se quer e se deve fazer é preciso deixar muitas outras coisas para trás. Essa é a conclusão a que se chega logo no fim da adolescência. Quando os números deixam de ser números. Trinta, quarenta, cinquenta anos.

As gerações sucedem-se. Os degraus de uma escada rolante que desaparecem lá em cima enquanto subimos, subimos, olhamos para trás e ainda vemos o primeiro degrau, quase como quando tínhamos acabado de chegar e, no entanto, continuamos a subir e vemos já o fim.

Os nossos avós mortos, os nossos pais mortos, nós, os nossos filhos, os nossos netos. E, se existir um horizonte, podemos olhá-lo e perceber finalmente que estamos parados no tempo e que o tempo, nesse presente definitivo, está parado dentro de nós.


Eu olho para esse horizonte, arrependo-me e não me arrependo, tento compreender ou lembrar-me daquilo que quero mesmo. Depois, penso em tudo aquilo que posso fazer para que aconteça: os gestos e as palavras. Depois, hoje é um dia mais forte e, de repente, imenso. 

Depois, penso em tudo aquilo de que terei de desistir para alcançar o que quero: para ser o que desejo ser. Então, não fico triste. Aceito tudo aquilo que nunca fiz e que acredito que nunca terei vida suficiente para fazer. 

Num dia, avisado ou sem aviso, morrerei. Estas mãos serão nada. Este rosto será nada. Uma única vida é pouco. Aceito essa certeza sem que ninguém me pergunte se estou disposto a aceitá-la.

"na hora de pôr a mesa éramos cinco
 o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs

e eu, depois, a minha irmã mais velha
 casou-se, depois, a minha irmã mais nova

casou-se, depois o meu pai morreu, hoje
 na hora de pôr a mesa, somos cinco,

menos a minha irmã mais velha que está
 na casa dela, menos a minha irmã mais

nova que está na casa dela, menos o meu
 pai, menos a minha mãe viúva, cada um

deles é um lugar vazio nessa mesa onde
 como sozinho, mas irão estar sempre aqui

na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco,
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
 sempre cinco."


   José Luís Peixoto  in  Cemitério de Pianos.

Em todos os seus romances Família e Morte são temas sempre presentes.O autor de “Morreste-me”, “Nenhum Olhar”, “Uma Casa na Escuridão” e “Antídoto”, ambiciona tornar-se um escritor atemporal, interpretado através dos seus textos quantas vezes a vontade o quiser, e pelo pouco que nos é possível opinar, parece óbvio que irá conseguir.

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