«Há uma semana, a minha avó deu-me um abraço sem lágrimas no aeroporto de São Francisco e voltou a dizer-me que, se dava valor à vida, não entrasse em contacto com ninguém conhecido até termos a certeza de que os meus inimigos já não andavam à minha procura. A minha Nini é paranoica, como o são os habitantes da República Popular Independente de Berkeley, que se creem perseguidos pelo governo e pelos extraterrestres, mas no meu caso não estava a exagerar, pois todos os cuidados eram poucos. Deu-me um caderno de cem folhas para manter um diário da minha vida, como tinha feito dos oito aos quinze anos, quando o meu destino se entortou. Não te vai faltar tempo para te aborreceres, Maya. Aproveita para escreveres sobre as asneiras monumentais que fizeste, para ver se compreendes o seu devido peso, disse-me.
Há vários diários meus, selados com fita-adesiva industrial, que o meu avô costumava guardar fechados à chave no seu escritório e agora estão metidos numa caixa de sapatos debaixo da cama da minha avó. Este seria o meu caderno número 9. A minha Nini acredita que os cadernos me vão ser úteis um dia que faça psicanálise, porque encerram as chaves para desatar os nós da minha personalidade; no entanto, se os tivesse lido saberia que contêm um monte de fábulas capazes de desorientar o próprio Freud.
Por princípio, a minha avó desconfia dos profissionais que cobram à hora, já que os resultados rápidos não lhes são nada convenientes, mas abre uma exceção para os psiquiatras, porque um a salvou da depressão e das armadilhas da magia quando lhe deu na cabeça pôr-se a tentar comunicar com os mortos. Pus o caderno na minha mochila para não a ofender, sem nenhuma intenção de o vir a usar, mas a verdade é que aqui o tempo demora a passar e escrever é uma forma de ocupar as horas. Esta primeira semana no exílio foi longa para mim. Estou numa ilha quase invisível no mapa, em plena Idade Média. Acho difícil escrever sobre a minha vida, porque não sei quanto são recordações e quanto é produto da minha imaginação. A verdade pura pode ser entediante, por isso, sem mesmo me aperceber, mudo-a ou exagero-a, mas pretendo corrigir esta falha e mentir o menos possível no futuro».
Isabel Allende in " O caderno de Maya"
"Sou Maya Vidal, dezenove anos, sexo feminino, solteira, sem namorado por falta de oportunidade e não por esquisitice, nascida em Berkeley, Califórnia, com passaporte americano, temporariamente refugiada numa ilha no sul do mundo. Chamaram-me Maya porque a minha Nini adora a Índia e não ocorreu outro nome aos meus pais, embora tenham tido nove meses para pensar no assunto. Em hindi, Maya significa feitiço, ilusão, sonho, o que não tem nada a ver com o meu carácter. Átila teria sido mais apropriado, pois onde ponho o pé a erva não volta a crescer."
Um passado que a perseguia. Um futuro ainda por construir. E um caderno para escrever toda uma vida.
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