Há 45 anos , eu era assim...um repositório de sonhos e expectativas.22 tenros e inexperientes anos.
Em meu rosto, olhos e sorriso não conseguiam reproduzir a sensação de alegria de "ter chegado lá" ao receber um diploma de advogada. Era apenas uma, em um exército de jovens,sentindo-se onipotente.Essa foto guardada e as lembranças adormecidas foram restauradas por um email- convite: um reencontro 4 décadas e meia depois. Por que não?
Nesse sábado,com o coração aos pulos, a primeira impressão, um misto de surpresas, alegrias, ausências definitivas ( ...tão cedo!), tristezas e..sonhos ( ainda!).Não os mesmos, a vida incumbiu-se de mudá-los.A princípio o reconhecimento entre nós ,difícil na fisionomia e fácil no olhar, ou no som da risada. Ecos de um passado tão longínquo ao alcance das mãos...mas só ecos. Audíveis,mas intocáveis porque só a memória os tinha, ou fotos já envelhecidas em preto-e-branco..
E a inevitável pergunta silenciosa, não formulada: quantos de nós , realmente, teriam chegado lá? Alguns, dentre eles muitos dos mais brilhantes alunos, jamais exerceram a advocacia, outros acumularam cargos e aposentadorias e poucos ainda exercem a profissão.
Conclui o que já sabia:não me arrependo de haver cursado Direito, nem de uma coleção de diplomas (11) que complementaram meu curso, porque a leitura habitual, o sentido crítico aguçado, a amplidão cultural , enriqueceram minha vida e estenderam meu horizonte.Mas, definitivamente, nunca fui uma advogada, nem nos dois parcos anos em que exerci realmente a profissão. De toda a colheita, para os que ali estavam, os troféus exibidos foram filhos e netos, a família, enfim. O mais havia se esvaído em uma gama de sustos,tropeços, sucessos, quando algum houve.
Reencontrei pessoas de quem fui muito próxima e os laços se restabeleceram e perdi outras que, sob um novo olhar, não consegui resgatar.
Volto para casa no final da tarde com uma inquietação latente.Quero relatar a sensação que me vai na alma e as palavras - tão fáceis no cotidiano - não saem.Na verdade foi uma alegria - não felicidade- o reencontro.Mas a emoção que eu contava sentir não veio.Tenho dúvidas e indagações , não sobre os outros , mas sobre mim mesma e continuo sem resposta.
O que éramos naquela época? O que somos,hoje? Poderia ou deveria ter sido diferente?E eu, quem sou?
Não se vai ao passado impunemente , esperando reencontrar o que lá ficou guardado. O que vivemos é memória, saudade, ou qualquer outro sentimento, mas irrecuperável.
Os sonhos impulsionam a vida, mas esta se incumbe de mudá-los para que a gente consiga continuar...
Aos 22 anos eu saía da facudade de letras para ir lecionar sonhos nas salas de aula do meu país. Levava a alma tão cheia, que transbodava o entusiasmo pelos cadernos, livros e palavras com que enchia o ar de oxigénio impoluto. Moldei cabeças e ensinei a trepar às estrelas nas noites de estio e nas outras que parecem eternas de ternura. Assim galopei os anos.
ResponderExcluirNão sei quando aconteceu a descrença ou se aconteceu, mas hoje acontece ter medo do escuro e minha mãe não vem... Aposentei-me e aprendi que não faço falta a quase ninguém...Os alunos esses vêm e trazem as sementes que lhes dei. Recordam-me como foi que eu as soube plantar... Um dia falarão de mim com saudade e ternura, mas o vazio será mais poderoso que a palavra. Ou não? Falto quase deliberadamente a todos os encontros para não me decepcionar. O que passou passou. O que sou hoje são os retratos onde já nem me reconheço. Ouço a voz da minha mãe...depois meu pai... um dia eu vou...não posso faltar a esse encontro.
A realidade muda com o nosso olhar. Ao revistar o passado, as suas experiências com colegas de turma vieram à consciência como grandiosas embarcações naufragas vêm à tona. Ao vê-las, transcorridos muitos anos, outrora esquecidas ou mantidas a salvo do abrigo da memória, que não nos deixa morrer estando ainda vivos, você pode olhá-las de outro modo. Esse olhar que se projeta sobre a experiência vivida atual que atualiza experiências vividas num passado remoto é também um olhar reverso, pois que se volta sobre o observador. Esse olhar a abrange, confrontando-a com memória do passado, sempre interpretante e continuamente reinterpretada. A memória não é um container em que armazenamos os retalhos de nossas experiências vividas; é processo estruturante, ventre de significações e interpretações. Somos seres de mudança, a mudança é movimento que nos atravessa. A memória traz-nos os estágios desse processo, sempre revistos, reinterpretados no movimento da vida.
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