ADEUS
Já gastamos as palavras pela rua,
meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastamos tudo menos o silêncio. Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
gastamos as mãos à força de as apertarmos, gastamos o relógio e as pedras das
esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas
algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao
outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais
tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu
acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis. Mas
isso era no tempo dos segredos, no tempo em que o teu corpo era um aquário, no
tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os
meus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros.
Já gastamos
as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as
coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não
temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é
inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.
EUGÊNIO DE ANDRADE In
"Os Amantes sem Dinheiro"
...pedras das esquinas em esperas inúteis. Que enormidade é a tristeza que essas palavras traduzem.Escorrem como rios de sal e sangue na alma de quem já esperou em vão.
Copiei o texto em meu blog, Gizelda!
ResponderExcluirEstou passando por um momento de palavras gastas, e este post veio apenas para dar forma ao que estava gelatinoso!
Bjs
Fez bem em trazer o Eugénio, Gizelda, ele tem um jeito tão especial de lapidar as palavras.
ResponderExcluir(Estava com saudades do seu Desassossego)
Beijo :)
Conheço bem este texto.
ResponderExcluirFoi boa a sua escolha.
beijo