Contos Novos: Literatura e História
Em 1947, postumamente, foi publicado o livro Contos Novos de Mário de Andrade, destacando-se “Primeiro de Maio” e seu herói “35”: um pobre carregador de bagagens da Estação da Luz. A caminhada de “35” pelas ruas de São Paulo revelou o retrato da cidade na década de 30. Era o começo da ditadura do presidente Vargas e o início da modernização na capital paulista.
Com um estilo populista o governo Vargas foi marcado pela manipulação dos proletários e pela intermediação dos conflitos: capital e trabalho. Por ser um líder carismático,assumiu as reivindicações dos trabalhadores e as satisfez dentro de certas condições impostas pela burguesia nacional. Aproximou-se das “massas” como um “messias”, um salvador da pátria que veio libertar os trabalhadores da exploração capitalista.
Essa relação entre Vargas e os trabalhadores foi fortalecida, em virtude de se comemorar o dia do trabalho. O foco no trabalho e não no trabalhador ofuscava esse dia de luta, de protestos e motins. Isso, por um lado, permitiu ao Estado controlar os sindicatos e, por outro, desmobilizar a classe trabalhadora.
A narrativa “Primeiro de Maio” descreve um dia vivido por um personagem entusiasmado com o significado do feriado. O herói “35” não move as “massas”, é solidário, mas alienado, e de consciência confusa diante das informações veiculadas pelos jornais na Estação. Lia diferentes jornais, mas, não diferenciava as mensagens “oficiais” das revolucionárias, o que confundia ainda mais sua consciência a respeito do símbolo do dia 1º de Maio.
Logo pela manhã se arrumou com trajes da cor da bandeira nacional e partiu em busca de seus iguais, trabalhadores como ele, mas encontrou as ruas vazias. As manifestações estavam proibidas, embora os jornais divulgassem motins por toda São Paulo. Sem rumo, caminhou solitariamente, pois almejava “celebrar” seu dia. As horas passavam e nenhuma comemoração era avistada. Vai, então, ao centro e só encontrou policiais, depois se dirigiu ao Palácio das Indústrias e deparou-se com uma celebração oficial dos patrões, onde não é permitida a presença de trabalhadores.
O 1º de Maio acabou se resumindo em caminhadas e desencontros, frustrante para quem desejava comemorar. O ato de caminhar sem rumo trouxe à tona a situação dos trabalhadores no Estado Novo. O controle do Estado sobre os trabalhadores dificultava as ações políticas no grande feriado, que se originou em Chicago, 1886, em virtude de uma greve pela redução da jornada de trabalhado,que resultou num enfrentamento da polícia com os operários. Com a morte de inúmeros trabalhadores o movimento foi dissolvido.
Esse fato fugiu da memória do “35”, o mais importante, para ele, era celebrar.Não era conveniente aos capitalistas recordar os movimentos contrários aos seus interesses. Assim, o 1º de Maio foi um espetáculo para exaltar o trabalhador enquanto peça de engrenagem da nação. A cada instante, a cada passo, 35 refletia, ficou desconfiado, mas acabou se convencendo que o feriado não passava de uma ilusão. Era o despertar da consciência.
No final do dia “35” passou a entender sua própria situação. Todo o sentimento se transformou em frustração. O silêncio nas ruas e a caminhada o deixaram mais pobre em experiência. Sentiu-se inferior em relação ao mundo, pois não conseguiu se comunicar, dizer o que pensava; encontrava-se impotente diante do irrealizável, de sua ação quase inútil. Não conseguiu avistar o que desejava, nem mesmo os companheiros para celebrar.
Como o personagem kafkiano, Gregor Samsa, símbolo da fragilidade humana no mundo incomunicável, 35 sentiu-se humilhado e isolado dos seus iguais,atravessou a cidade em silêncio. O silêncio nas fábricas, nos bares, nos cafés representava uma diminuição do ritmo da produção capitalista.
Ao cair da tarde 35 tomou consciência de suas ações e percebeu que era ilusão alimentar a esperança de comemorar o feriado. De volta à Estação, 35 foi incapaz de comunicar sua experiência, pois era visível a mudança do seu próprio comportamento. Encontrou o 22 e o ajudou a carregar as malas de um passageiro, demonstrando disposição para colaborar com os companheiros no espaço de trabalho.
Paulo de Tarso Gonçalves
http://prezadomariodeandrade.com.br/contopt.pdf
De 1947 para 2011, o que mudou? Os tempos são outros...Será?
Quem é o trabalhador? O 35? O 2.527? O 3.097.005?
Uma " boiada" que caminha sem identidade, com sonhos submersos.
Um palanque conveniente aqui, um showzinho gratuito em praça pública ali ou a praia para escapar dos dois primeiros.
Essa é a " celebração" do dia do trabalho no Brasil,salve...salve.
Com perspicácia, talento e sensibilidade, Mário de Andrade expôs uma ferida social que continua aberta, doendo, sangrando...mesmo que " os tempos sejam outros".
Análise Crítica de “ Primeiro de Maio” in “ Contos Novos’-Mário de Andrade , 1947.
Os grifos são nossos.
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