"Não tardou muito para que Fernão Gaivota voltasse a pairar no céu, sozinho, esfomeado, feliz, aprendendo. Revoltava-o saber que uma gaivota era uma presa fácil, por voar muito devagar.
O tema era a velocidade. E depois de uma semana de prática, conseguira aprender mais sobre velocidade do que a gaivota viva mais rápida.
Aprendeu que encurtando as asas, como as asas do falcão, poderia atingir em mergulho a velocidade fantástica de trezentos e vinte quilómetros por hora.
Isto aconteceu numa manhã, logo a seguir ao nascer do sol, Fernão Gaivota atravessou o Bando da Alimentação que perseguia um barco de pesca; como uma bala, riscando o céu a trezentos e vinte quilómetros por hora, num tremendo rugido de vento e penas. A Gaivota da Fortuna sorriu-lhe desta vez e ninguém foi ferido.
Radiante, pensava no bando, "Ficarão loucos de alegria. Como vale a pena agora viver! Em vez da monótona labuta de procurar peixe junto dos barcos de pesca, temos uma razão para estar vivos! Podemos subtrair-nos à ignorância, podemos encontrar-nos como criaturas excelentes, inteligentes e hábeis. Podemos ser livres! Podemos aprender a voar!"
Ao voltar à noite para o bando, Fernão foi chamado ao centro. As palavras do mais velho foram pronunciadas no tom mais solene. Ser chamado ao centro só podia significar grande vergonha ou grande honra.
Fernão Gaivota - disse o mais velho -, é chamado ao centro por vergonha aos olhos das gaivotas suas semelhantes... pela sua desastrada irresponsabilidade por violar a dignidade e tradição da família das gaivotas... não se pode esquecer, que estamos neste mundo para comer e para nos mantermos vivos tanto quanto pudermos.
Uma gaivota nunca contesta o Conselho do Bando, mas a voz de Fernão ergueu-se gritando:
Quem é mais responsável do que uma gaivota que descobre e desenvolve um significado, um propósito mais elevado na vida? Passamos mil anos lutando por cabeças de peixe, mas agora temos uma razão para viver, para aprender, para descobrir, para sermos livres!
O bando mostrou-se impenetrável como a pedra. Fernão foi banido da sociedade das gaivotas, condenado para a vida solitária nos Penhascos Longínquos.
Fernão Gaivota passou o resto dos dias sozinho, mas voou muito além dos Penhascos Longínquos. A solidão não o entristecia. Entristecia-o que as outras gaivotas se tivessem recusado a acreditar na glória do vôo que as esperava. Recusaram -se a abrir os olhos e a ver."
Richard Bach
"A solidão não o entristecia. Entristecia-o que as outras gaivotas se tivessem recusado a acreditar na glória do voo que as esperava. Recusaram -se a abrir os olhos e a ver."
ResponderExcluirEstá tudo aí, Gizelda. Somos sociáveis por natureza, e quem ousar ir além do horizonte tem que ter a noção de que, para além da sua convicção, a solidão é companheira certa.
beijo :)
Que texto, Gizelda!
ResponderExcluirViveremos na dúvida do "será que devemos procurar ir mais além ou simplesmente acomodarmo-nos ao que existe, uma vez que temos a tendência para alterar o que a Natureza cria ou para seguir o que o ser humano estipula como tradição?" E compensará ficar sozinho por algo em que acreditamos? (por acaso até podia citar exemplos bem concretos...)
Gizelda, parece-me que estou a deixar pensamentos no ar... mas espero algum dia encontrar-lhes resposta.
A nossa condição como humanos não nos permite estar em constante modo de VER, e por isso muitas vezes só olhamos (que pena, pois há coisas que só nos passam pelos olhos uma vez!)
Aqui estive sim a VER até onde me levavam as minhas asas no rumo das suas palavras e como gostei deste voo! :)
Obrigada por induzir esta visão!
Beijinhos
Tem razão, AC...
ResponderExcluirO diferente sempre paga um preço alto pela ousadia.Nesse caso , é a solidão,porém uma solidão impregnada das certezas que só os corajosos conseguem adquirir.
beijos, querido.
Querida JB...
ResponderExcluirÉ característica de Richard Bach escrever de maneira simples e clara e dizer muito." Fernão Capelo Gaivota" é imperdível, porque como você diz,tem um outro texto entrelinhas.
Confesso que esses livros fazem parte do meu cotidiano.Pensar com eles , sobre eles, acaba fazendo com que eu pense em mim.
beijos, querida.
Richard Bach, o meu 'profeta' preferido. Lindo texto. Já tinha saudades de ler a escolha sempre certa das suas palavras.
ResponderExcluirUm beijinho :)
Acho que você não vai acreditar, mas quando postei esse texto pensei em você, Helga.
ResponderExcluirVocê me havia dito uma vez que apreciava muito Richard Bach e eu não me esqueci.
Fernão Capelo Gaivota é um clássico. E eu também estava com saudades de você