sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Como é alma de alguém que mata um ipê?



Embora todos desejem finais felizes para suas histórias, nem sempre eles acontecem.Alguns porque escapam do nosso controle, outros porque estão nas mãos e nas atitudes de outros , sem sensibilidade , sem respeito, sem amor,enfim..
...de qualquer maneira não importa o porquê,importa o que resultou.Assim, essa é uma história absolutamente real com um final bastante triste.

Em 03/10/2009 ,publiquei aqui o texto abaixo :

Hoje recebi um inusitado presente ( adiantado) pelo dia do professor. Um envelopinho pardo trazia bem guardada uma...sementinha de ipê amarelo!
Não me lembro de haver recebido antes algo tão simbólico e tão bonito.

Voltei no tempo para me lembrar de que sempre tive uma atração irresistível por cores brilhantes e vivas, mas o amarelo , ah...minha alma sempre foi amarela!

Há quase 20 anos atrás, ao construir minha primeira ( e única) casa, plantei dois ipês amarelos no gramado das calçadas e esperei ansiosamente que me trouxessem flores, as quais vieram só dez anos depois.

A partir de então, esperar as floradas em agosto/setembro tornou-se ritual.E rezar para que os pardais não bicassem todos os botões...

Quando as flores vinham, minha cozinha resplandecia de amarelo, dourada, iluminada, feliz.! Aliás, nem havia como ser diferente com todo aquele brilho ,ficávamos contaminados por aquela exuberância e beleza. Uma dádiva, sem dúvida.

Quanto tempo passei mergulhada em manhãs perfumadas e silenciosas repletas daquele encanto!

Mas, a beleza é transitória e qualquer ventinho derrubava uma multidão de flores que coalhavam o corredor e o gramado.E que pena vê-las escurecer...Ficava, no entanto, a certeza de que viria outro ano e os meus ipês se guardariam até lá.
E voltariam pra mim, lindos e majestosos...

Porém,a vida se processa em ciclos. A casa foi vendida há três anos atrás. As lembranças guardadas por ela ali permaneceram, tristes e /ou alegres como em qualquer história. Ao fechar a porta da casa pela última vez não olhei para os meus ipês, porque não saberia como me despedir deles. Abandoná-los parecia uma traição.E era.

Nesses anos, sempre que vi, em qualquer lugar , tais árvores floridas, pensei nas “ minhas” flores, encantando outros olhos , outras pessoas... E senti dor e ciúme. O coração pesado, de chumbo .Ainda sinto.

Hoje , a sementinha me trouxe uma mensagem . Será que eu conseguirei ouvi-la? Guimarães Rosa diz só as pessoas disponíveis conseguem receber “ recados da natureza” e entender a magia da vida.Não sei se merecerei tanto, mas espero conseguir ouvi-lo.

Minha alma tem certeza de que nessa semente há um recado para mim. Tomara que eu tenha sensibilidade suficiente para entendê-lo...e coragem para tomar atitudes.

Gizelda/ transbordando de amarelo.


Em 15/02/2010 tive o prazer de transcrever, também aqui,o excerto de uma belíssima crônica do Rubem Alves.

Amo os ipês. 
Plantei um ipê na rua, em frente do meu escritório. Já está com quase 2 metros de altura e já mostrou umas poucas flores amarelas. Mas, como toda árvore, como todo ser vivo, ele quer espaço. Os seus galhos crescem para os lados, para a rua, para a calçada. Mas a calçada é larga. É só desviar deles e desejar-lhes um bom dia. Pois, dias atrás, quatro dos seus galhos que se estendiam pela calçada amanheceram quebrados. Foi como se meus próprios braços tivessem sido quebrados. Fiquei pensando na alma da pessoa que fez aquilo. 

Que estranho prazer esse, de quebrar os galhos de uma árvore mansa! São sentimentos de um torturador. Alguém que tem prazer em quebrar galhos de uma árvore, sem necessidade, terá prazer também em fazer sofrer um animal ou uma pessoa. Ao sentimento inicial de raiva seguiu-se um outro de profunda piedade: que deserto horrível e seco deve ser a sua alma. Sua alma tem medo dos ipês porque nela só há desertos. Horrorizamo-nos com os criminosos. Milhares há que gostariam de juntar-se a eles. Se não o fazem é por falta de coragem. Contentam-se em quebrar galhos de ipês...

Rubem Alves.

Também amo ipês. Tanto que plantei dois, não apenas um, e esperei dez anos que eles dessem flores. Uma alegria que justificou a espera. Mas, a vida se incumbe de nos fazer dobrar esquinas e deixar amores físicos e imateriais, mesmo que não queiramos.
Assim, quero acreditar- preciso!- que meus ipês continuam lá , majestosos, iluminando a rua e a alma de quem sabe vê-los.
15.02.2010

Ontem, depois de me extasiar com dezenas de ipês escandalosamente floridos, amarelos de doer a vista, por todos os lugares nos quais passava,resolvi rever os "meus" que não eram mais meus.
 E surpresa! Terror! Estavam mortos.
Os galhos negros, secos , retorcidos, na lateral da minha antiga casa , jaziam quebrados no chão.Na garagem uma belíssima e cara pickup importada e na calçada um matagal destruindo os últimos resquícios das flores e das árvores ali tão carinhosamente cultivadas.Como é que isso acontece?
Ipês são flores que brotam no mato e vivem ali ,enfeitando a nossa vida, sem que seja preciso cuidados especiais.Como e por que esses ipês morreram?
Estou absolutamente inconformada.Reli os textos acima publicados e me pergunto se, diante dos sinais recebidos, eu não deveria ter feito algo.  Mas o quê?
Não sei quanto de culpa tenho nisso, embora, sim, esteja me sentindo culpada.
Estou me sentindo mutilada , porque essas duas árvores alimentaram muitos anos da minha vida com sua beleza colorida e silenciosa.
E então me pergunto já sabendo a resposta :

Volto a Rubem Alves : como é alma de alguém que mata ipês?

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