quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Falsa Eternidade.

O verbo prorrogar entrou em pleno vigor, e não só se prorrogaram os mandatos como o vencimento de dívidas e dos compromissos de toda sorte. Tudo passou a existir além do tempo estabelecido. Em consequência não havia mais tempo.


Então suprimiram-se os relógios, as agendas e os calendários. Foi eliminado o ensino de História para que História? Se tudo era a mesma coisa, sem perspectiva de mudança.


A duração normal da vida também foi prorrogada e, porque a morte deixasse de existir, proclamou-se que tudo entrava no regime de eternidade. Aí começou a chover, e a eternidade se mostrou encharcada e lúgubre. E o seria para sempre, mas não foi. Um mecânico que se entediava em demasia com a eternidade aquática inventou um dispositivo para não se molhar. Causou a maior admiração e começou a receber inúmeras encomendas. A chuva foi neutralizada e, por falta de objetivo, cessou. Todas as formas de duração infinita foram cessando igualmente.


Certa manhã, tornou-se irrefutável que a vida voltara ao signo do provisório e do contingente. Eram observados outra vez prazos, limites. Tudo refloresceu. O filósofo concluiu que não se deve plagiar a eternidade.

Contos Plausíveis, in Andrade, C. D. (1992): Poesia e Prosa, Rio de Janeiro: Aguilar, pg. 1233.

 
 
Falar mais o quê? Drummond total.

10 comentários:

  1. "Plagiar a eternidade"

    Uma ideia sublime, um texto sublime.


    Obrigada!

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  2. Gizelda,

    Amanhã virei deliciar-me no seu texto com mais calma.
    Hoje apenas lhe quero dizer que adorei este seu fundo azuuuuul!!!

    Um grande beijinho

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  3. O desencaixe espaço-temporal típico da modernidade dá-nos a sensação de ser possível viver para além do tempo, ou melhor, num presente eterno. Mas a vida insiste em reclamar sua finitude e em colocar rédeas em nossa aspiração à eternidade.

    Beijos!

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  4. Gizelda,

    Sem dúvida que nós somos o tempo, logo a eternidade não cabe no nosso tempo. Interessante esta perspectiva, mas tudo o que tem um princípio traz inevitavelmente um fim, que pode durar mais ou menos tempo e assim é a essência da vida...

    Mas, e agora fala o coração, como gostava que algumas "coisas" fossem eternas!!! :)

    A que profunda reflexão nos leva, Gizelda!
    Obrigada!

    Beijinhos

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  5. Oi, Lídia...

    Drummond foi tímido, calado, arisco...mas de sua pena sairam preciosidades como essa.

    Beijos.

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  6. Ah! JB...

    Não há como escolher...para quua algumas coisas fossem eternas, todas teriam que ser, pela ordem natural.E não suportaríamos viver as mesmas dores mais de uma vez.

    A vida é complicada, mas tem uma sabedoria que não conseguimos explicar , nem entender.

    beijos, querida.

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  7. Brunooooo!!!!!

    Saudade de você aqui! Tenho ido algumas vezes em sua "casa literária",mas me abstenho de comentar, porque você me desperta para algumas reflexões que me angustiam e para as quais não consigo respostas.

    Não há disfarce em nenhum de seus posts agudos e contudentes.Você é brilhante.

    Beijo.

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  8. Uma bela reflexão para uma madrugada em que não posso dormir... Amiga, carinhos meus pra ti... Bjsss

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  9. Querida Flor...

    Acho que você vai gostar do novo post. A noite e,consequentemente, a madrugada, segundo Drummond, não é para dormir...

    Muitos beijos, querida.

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