domingo, 8 de agosto de 2010

Um exercício de Autoconhecimento.


O Fazedor de Homens

Todo homem é uma ilha...
É bom ser uma ilha distante
tanto quanto é bom ser um homem.

Todo homem possui uma ponte
pois é preciso sair da ilha, seguro.
A ponte de um homem é um braço estendido.

Todo homem é um mundo.
O mundo roda no sistema egocêntrico
de suas realidades,
pequenos alumbramentos,
medos e coragens.

E quando o homem encara o mundo e se depara
- homem-mundo,
mundo-homem,
volta à ilha:
Todo homem ama sua ilha.

II

O homem faz o homem.
E porque fez o homem, sem nem o homem querer
aufere direitos do homem.
Diz a ele: Cresça!
E ele fica mais alto.

Diz ao homem: Trabalhe!
E ele usa o corpo.
Diz ao homem: Viva!
E ele respira e existe.
Diz ao homem: Ame!
E ele não sabe como.
Mas diz ao homem: Procrie!
E ele faz homens.

Um dia ele morre.
Se a vida foi longa para viver
- é curta para morrer
- porque o homem não fez,
não escolheu,
não pensou nada.

III

O que faz um homem diferente de outro homem
é o que ele pensa.
O que o transforma, também,
de um simples fazedor de homens,
num criador de homens.

Todo homem é uma vontade.
E se deixa de ser vontade
teme a perda de sua posse.
Todo homem é uma consciência.
Nela inclui o seu saber
e a parte maior do não saber,
e se aceita o fato, é com ela que ele se entende.

Todo homem é seu corpo.
E sabe dele em contraste com outro corpo,
tal é a sua medida.
Como também, a medida de um homem é a sua carência:
porque é assim que ele se assume,
porque é assim que ele se liberta.

Quanto mais ele precisa
mais ele é maior. E dá.
Pede. Reivindica. Exige, quanto pode.
Luta e sofre.

Todo homem quer deixar sua ilha.
Temeroso de ter que voltar um dia, entretanto,
não destrói as pontes.
Enquanto isso, a ilha fica ali, só ilha.
A ponte fica ali, só ponte.
E o homem fica ali, só homem.


Carlos Drumond de Andrade

Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do género humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

John Donne


A ilha desconhecida somos nós próprios e, nesse conto, quando se pinta dos lados que o nome da caravela é Ilha Desconhecida, as últimas palavras são: "Com a maré do meio-dia, a caravela partiu à procura de si mesma." E, no fundo, é isso. Nós andamos à procura de nós próprios e essa busca pode tomar vários caminhos.

Saramago , in O Conto da Ilha Desconhecida.



Três textos imperdíveis para reflexão profunda.
Sou uma ilha desconhecida? Escolhi o caminho certo para me descobrir? Construi uma ponte e não sei usá-la? Ou não consigo criar pontes?
Quem sou eu???!!!!

5 comentários:

  1. Gizelda,
    Que autoreflexão aqui nos propõe!!! Uma delícia que desassossega todo o meu interior. Por natureza costumo questionar-me imenso, agora parece-me que colocando o tema desta forma... tenho a certeza que sim dentro de cada um de nós, de mim, há uma ilha.
    Alguns constroem pontes com imensa facilidade para chegarem aos outros e até conseguem; outros têm dificuldade em fazer essa construção e procuram os outros de alguma forma; há outros que nem tentam construi-las por acharem que não precisam dos outros e não precisam de sair do seu mundo; e ainda há os que vão construindo as pontes, à medida do seu ser e têm receio de atravessá-las...; se calhar, os que me custam a aceitar mais são os que nem constroem nada e usam e abusam das pontes dos outros...
    Ai, Gizelda há tantas direcções e caminhos (im)possíveis de alcançar! Nenhuma ilha tem de ser isolada, fechada...
    Tenho a certeza que ainda me estou a descobrir, e espero continuar a fazê-lo.

    Vou voltar Gizelda, porque tanto há aqui para reflectir! É com um gosto enorme que aqui venho!

    E agradeço imenso as palavras que me tem dirigido!

    Beijinhos, com muito carinho!

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  2. Querida JB...

    É exatamente assim que me sinto: uma ilha desconhecida querendo se descobrir há "séculos"...Mesmo construindo pontes tenho chegado a destinos onde me vejo inadequada,por isso recomeço.Acho que minha inquietação vem daí. Quando penso que sei o quero , vou à luta e chego sempre a algum lugar com a sensação de que falta...mas o quê?

    Obviamente tudo está aí para ser descoberto e criar pontes não é difícil. O problema é onde atracar essa ponte.

    As vezes , acho que vivo em um mundo particular,por exemplo,como estar sozinha na multidão, o inevitável paradoxo.

    Um dia eu chego lá...ou não.

    Beijos,obrigada, adoro quando vocé está aqui.

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  3. Revejo-me nas suas palavras.
    "As vezes, acho que vivo em um mundo particular,por exemplo,como estar sozinha na multidão", tenho a mesma sensação e aqui se enquadra a tal ilha que sei que existe dentro de mim. Por vezes é difícil sair de lá, ou deixar entrar alguém. É um pouco o meu refúgio.
    Mas também tenho a noção de construir pontes onde adoro passear, onde gosto de saborear o tempo...
    Acho que essa sensação de que fala de faltar sempre alguma coisa... creio ser essência da nossa vida, e talvez seja isso que nos leva sempre a procurar algo mais.De outra forma o que nos levaria a sair da ilha, se nos achássemos completos?

    Gostei muito quando disse "por isso recomeço"... é aqui que reside a diferença, Gizelda! E ainda bem que o faz!!! (Às vezes... a sensação de encontrar o vazio enfraquece-nos e não sei onde vamos buscar as forças para recomeçar!)

    Um grande beijo

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  4. MEUS SINOS DOBRAM PARA FESTEJAR TUA EXISTÊNCIA, ESSA NOSSA AMIZADE. jOHN DONNE... MEU DEUS !!!! OLHA AS PONTES ILUMINADAS DE TUA MENTE, OU MELHOR, DO TEU CORAÇÃO.... MIL BEIJOS, GI !!!

    eSSE TOP JÁ É SEU!!!!

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  5. Querida Thaís... aqui é mais do que Donne . É Donne + Drummond + Saramago= não pode dar errado.

    Transformei esse post em aula de redação.Ontem foi uma verdadeira e surpreendente"viagem".

    Beijos.

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