domingo, 15 de novembro de 2009

O amor é uma espécie de morte.


"Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Por que nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo “clima”, certa “preparação”. Certa “grandeza”.

Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo “eterno”) cotidiano.

A morte de alguém conhecido ou/e amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Por que o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte – pois o amor é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma.

O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade."

Caio Fernado Abreu

4 comentários:

  1. Gizelda:
    Você sempre nos surpreendendo com boas leituras...
    Obrigada.
    Beijos,

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  2. Olha, Gizelda, trata-se de um texto espetacular.

    E que, de tão verdadeiro, chega a doer...

    Beijão.

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  3. Oi, Tô...

    Que bom encontrar vc por aqui!
    E ...boas leituras não faltam.O problema é garimpá-las.

    Beijos. Obrigada.

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  4. É mesmo verdade, João.

    A morte e o amor se equivalem em simplicidade existencial e , no entanto, para nós são tão complexas.

    Mas, Caio Abreu viveu o suficiente para escrever isso , lindamente,e muito mais.

    Bjs. Obrigada.

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