quinta-feira, 22 de abril de 2010

Livros devoradores



Saudade de devorar um livro e de ser devorada por ele.

De não conseguir largar o coitado. Ficar pensando nele. Sonhar com os personagens. Sentir a falta deles na rua quando o livro está em casa.

A questão aqui não é voltar aos clássicos, como se com eles a fome fosse certa. Não é. Há muitos chatos, há muitos maravilhosos.

A questão não é contrapor clássico X contemporâneo como se agora não se escrevesse livros devoradores. Essa visão seria simplista, anacrônica. Se escreve, sim, livros devoradores.

Nem colocar em pauta a experimentação X tradição, medindo as duas forças e qualificando uma em detrimento da outra.

Até porque entre uma e outra dou a mão aos que colocaram a linguagem ao avesso e ainda tentam levá-la a caminhos originais.

A questão é uma certa percepção de que há uma idéia meio formada de que experimentar na linguagem significa abandonar história e personagens.

Quando digo história, digo experiência, vivência, não uma historinha careta com início-meio-fim. Às vezes a experiência de um segundo na vida de alguém, um pensamento, uma descoberta.

O resultado muitas vezes monótono é uma voz falante e vertiginosa que na verdade não tem vertigem nenhuma dentro de si, apenas o movimento que se acha que a vertigem tem. Muito racional.

Quanto mais leio mais concretizo a idéia de que experimentar na linguagem é experimentar os modos de contar a história, os modos de tratar o personagem, tirar dos parâmetros estabelecidos, fazer de outra forma. É a relação original entre os elementos da escrita que faz a narrativa ser única e apaixonante.

A forma é muito importante, mas ela nasce de algum lugar, e, ao meu ver, não é do escritor. Da vontade pessoal do escritor. Ela nasce do imaginário, faz parte deste lugar que é a literatura.

A literatura é um universo próprio. E, por mais que seja praticamente irresistível, sedutor e fascinante, não é o escritor que mora nesse universo, é a escrita.


Claudia Lage in A pequena morte e outras naturezas.

O maravilhoso é constatar que eu me sinto assim sempre,em busca de livros devoradores que me comem a alma e a devolvem melhor do que era.

2 comentários:

  1. "O maravilhoso é constatar que eu me sinto assim sempre,em busca de livros devoradores que me comem a alma e a devolvem melhor do que era."

    Dito isto, palavras para quê? É exactamente assim...

    Beijinhos :)

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  2. Acho que é assim mesmo, os livros que guardmos para sempre são os que nos devoram, muito mais do que nós a eles.

    Beijos, Helga

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