sexta-feira, 22 de junho de 2012

É Preciso Não Esquecer Nada.


É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.


É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.


O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.


O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.


O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos severos conosco,
pois o resto não nos pertence.
Cecília Meireles  


Jorge Luis Borges, num conto chamado "Funes o Memorioso", demonstrou, pelo absurdo, que lembrar tudo é impossível. O personagem, Funes, pode lembrar até o último detalhe um dia inteiro de sua vida, mas, para fazê-lo, requer outro dia inteiro de sua vida, o que é impossível (Borges, 1943).
De fato, é necessário esquecer, ou pelo menos manter longe da evocação muitas memórias. Há muitas que nos perturbam: aquelas de medos, humilhações, maus momentos. Há outras que nos prejudicam (fobias) ou nos perseguem (estresse pós-traumático). Em razão do problema da saturação, existem memórias que nos impedem de adquirir outras novas ou adquirir outras antigas, mais importantes (por exemplo, como fugir em uma situação de medo).
Borges, em seu conto, aponta que Funes era "incapaz de esquecer para poder pensar, (pois) para pensar é necessário esquecer (detalhes) para poder fazer generalizações".
A melhor forma de manter viva cada memória em particular é recordando-a. Como isso nem sempre é possível, e certamente não desejável, devemos nos aprimorar na prática da arte de esquecer, tão cantada pelos poetas, desde Ovídio até Borges.


Será que esquecer é uma arte? Ou um hiato de dor?

Um comentário:

  1. Olá Gizelda,
    Se precisamos de libertar espaço no
    cérebro, então façamo-lo; esquecendo o que é menos bom.
    Aí sim, parece-me que esquecer é uma arte!
    Beijinhos

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