quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Todos corrompem a alma para atingir bens fugazes..

Ser feliz é, afinal, não esperar muito da felicidade, ser feliz é ser simples, desambicioso, é saber dosear as aspirações até àquela medida que põe o que se deseja ao nosso alcance. Pegando de novo em Tolstoi, que vem sendo em mim um padrão tutelar, lembremos de novo um dos seus heróis, o príncipe Pedro Bezoukhov (do romance 'Guerra e Paz'). As circunstâncias fizeram-no conviver no cativeiro com um símbolo da sabedoria popular, um tal Karataiev. Pois esse companheirismo desinteressado e genuíno, esse encontro com a vida crua mas desmistificadora, não só modificaram o príncipe Pedro como lhe revelaram o que ele precisava de saber para atingir o que nós, pobres humanos, debalde perseguimos: a coerência, a pacificação interior, que são correctivos da desventura.


Tolstoi salienta-nos que Pedro, após essa vivência, apreendera, não pela razão mas por todo o seu ser, que o homem nasceu para a felicidade e que todo o mal provém não da privação mas do supérfluo, e que, enfim, não há grandeza onde não haja verdade e desapego pelo efémero. Isto, aliás, nos é repetido por outra figura de Tolstoi, a princesa Maria, ao acautelar-nos com esta síntese desoladora: «Todos lutam, sofrem e se angustiam, todos corrompem a alma para atingir bens fugazes».


Fernando Namora, in 'Sentados na Relva'
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo                                                            - mais nada.

Cecília Meirelles.


A vida tem a fugacidade  e a inconstância do vento. Infelizmente, nossa percepção não alcança essa realidade. Saber é insuficiente. O que se faz com o que se sabe, principalmente em relação á vida e á felicidade?Buscar o imponderável talvez seja o destino humano. Uma triste sina.

                      "Viver é muito perigoso" -Guimarães Rosa.









Um comentário:

  1. A busca por bens fugazes é ainda mais evidente na era que Gilles Lipovetsky chama "Hipermodernidade". Era do império do efêmero, em que a moda e o consumismo produzem falsos desejos na estrutura psíquica dos indivíduos. Estes mantidos sempre insaciavéis e ávidos pelo novo. A emergência incessante da novidade torna essa busca cada vez mais, supostamente, necessária.
    O poema de Cecília Meireles, que eu já conhecia e dele muito me agrado, é um canto da mansidão, da serenidade, da consciência da finitude e da desnecessidade da pressa. Há plenitude em ser, em existir, há plenitude em ser poeta, que não sendo alegre nem triste,é experimentador de sensações. E o poeta contenta-se em cantar e sua canção nega o efêmero (porque é eterna)e não tem pressa (porque segue o ritmo de sua liberdade). Um ritmo lento porque um dia o canto haverá de acabar!

    As pessoas deveriam desistir de buscar as coisas fugazes e apreciar a poesia, que é eterna, ela traz à alma um sentimento de eternidade, elas silenciam a sofreguidão de nossos dias!


    Beijos carinhosos!

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