Toda vez que me sinto muito desamparada, costumo olhar para o teto.Procuro nele manchas, rachaduras,marcas,dimensiono o espaço, enfim procuro desesperadamente fazer o tempo passar.
A primeira vez em que isso aconteceu era quase Natal em 92.Era minha primeira radioterapia.Quando a porta blindada fechou-se e eu me vi só, amarrada a uma cama, aquela imensa máquina vindo, vagarosamente, em minha direção, senti a maior solidão da minha vida.
Nada e ninguém...só podia olhar o teto e cada minuto se transformava em século.102 vezes repeti o mesmo ritual e tornei-me íntima de um teto cheio de manchas, um cinza sujo e triste que reconheceria em qualquer lugar.
Sobrevivi.
Dez anos depois, um outro tipo de câncer cruzou minha vida, muito pior, mais forte e
eu busquei no teto do quarto a companhia.A mesma solidão , mas um medo maior.E as manchas...sempre.Insidiosas, inertes, insensíveis, feias.
Só hoje pensei a respeito com mais profundidade.Acredito, agora, que nunca busquei tetos.Sempre olhei para cima em busca de céu,de infinito, de ar, de saída...
Mas o teto sempre esteve lá.E continua lá...sem saída.
Valinhos, 16 de novembro de 2003
...continuo desenterrando agendas.
Os tetos continuam sem saída, porque as saídas, estas,nunca estiveram lá.