terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A vida dura a vida inteira, o amor, não.




"(...)Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio,não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima.

O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos.

E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz.

Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.”



Miguel Esteves Cardoso


Belo texto, mas inviável sua realização... ( pelo menos, para mim!) ."Que seja infinito enquanto dure!"

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Há que seguir em frente.




A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas: há tempo...
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre, sempre em frente...


E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.



Mario Quintana.



...porque renascer  é sempre.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Quem era minha mãe...



            Quando o corpo dela desceu à campa, em uma cinzenta tarde calada e triste do início da semana, ficou a sensação de vazio no ar.  Era tão previsível , no entanto continha uma estranha e insistente tristeza. Poderia seguir à risca todos os poetas, cronistas e filhos maravilhados postando aqui um rol de suas qualidades.Ela as teve, sim, muitas: otimista ao extremo, corajosa, lutadora, capaz de sempre ter uma palavra de incentivo nas situações mais desalentadoras, exímia costureira, cozinheira de dotes vários, amorosa ,bonita,sorridente, simpática,cheia de amigos, mas...por outro lado, era autoritária, brava,chantagista, chata, manipuladora....onipresente. Aprendemos a respeitá-la desde sempre e assim foi até o fim. Não passou pela vida, exerceu-a na sua plenitude durante 91 anos, lúcida e perspicaz. : era um "pacote" completo, onde qualidades e defeitos se juntaram para torná-la inesquecível
             Amou a vida e relutou em se despedir dela. Aos 20 anos ( foto) encantou meu pai e dele guardou para sempre cartas de amor em uma gaveta .Mas, há 7 anos , uma queda desastrada levou-a a um  caminho de perda de autonomia  e ela sempre relutou em se entregar.Vagarosamente, no entanto,a vida foi minando.As imagens foram-se se esvaindo, os sons tornaram -se inaudíveis,os movimentos foram se abreviando, do andador  à cadeira de rodas, na última semana retida ao leito até o fim. Nada disso a impediu , no entanto , de bordar - aos 90 anos-um tapete para seu último bisneto.
              Há um mês atrás , me disse que tudo o queria era levantar-se e sair andando pelas ruas, a tomar sol. Insisti em levá-la na cadeira e ela retrucou : quero sair andando! Há uma semana, quando lhe perguntamos como ela estava , entre suspiros e gemidos de dor , ela cantou baixinho : Ó que saudades que tenho  da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais...cantou -a inteira, mostrando o pesar de ter envelhecido e o peso do sofrimento. As dores constantes foram consumindo suas esperanças e suas certezas.
               Assim foi ela: poderosa e invencível até que as dores a dobraram e a morte a levou.
               Enquanto escrevo , vejo-a em todos os cantos da minha casa: na tapeçaria bordada pelo chão,em almofadas de crochê, em uma fruta que ela apreciava, nos remédios, enfim...essas lembranças são só as últimas de uma vida inteira .
                 É isso, Mãe, a sua presença foi tão profunda na minha vida que não acaba.Hoje ,eu disquei o seu número de telefone, mesmo sabendo que nunca mais você o vai atender.
                 Beijo. Esteja segura na mão de Deus.
Te amamos em vida e depois dela.Temos certeza de que você vai "acontecer" em outras dimensões melhores do que essa.
         

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Onde está a vida que perdemos vivendo?



O ciclo infinito de ideias e ação,
Infinita experiência, infinita invenção,
Traz o saber do movimento, mas não da paz...
Onde está a vida que perdemos vivendo?
Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?

T.S.Eliot (1888-1965)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O mundo é refém da embalagem!




Não importa se é bom ou belo, mas sim de onde vem e quanto custa. Este é o paradigma clássico do comportamento consumista de uma sociedade que prioriza o capital. Afinal, dinheiro e luxo – quase – necessariamente casam-se, e o que é genuíno, autêntico, simples, se é barato, é relegado ao descarte.
Assim, a humanidade evolui em tecnologia e ciência, enquanto os seres humanos vão sendo reificados, desqualificando-se .
A pesquisa cênica criada pelo Washington Post demonstrou não apenas o desconhecimento de um talento consagrado,mundialmente, mas a ausência de sensibilidade com que as pessoas conduzem suas vidas no cotidiano. Não enxergam nem o belo gratuito. Somem-se aí as manhãs azuis e ensolaradas, os jardins floridos, a algazarra das crianças em parquinhos, pássaros em vôos livres, o sabor do vento...e tantos mais.
Acostumou-se a valorizar o contexto luxuoso, o invólucro, a embalagem,uma vez que esses colocam o sabor do dinheiro em suas “pobres” vidas.


(Numa experiência inédita, Joshua Bell, um dos mais famosos violinistas do Mundo, tocou incógnito durante 45 minutos, numa estação de metro de Washington, de manhã, em hora de ponta, despertando pouca ou nenhuma atenção. A provocatória iniciativa foi da responsabilidade do jornal 'Washington Post', que pretendeu lançar um debate sobre arte, beleza e contextos. Ninguém reparou também que o violinista tocava com um Stradivarius de 1713 - que vale 3,5 milhões de dólares.

Três dias antes, Bell tinha tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam 100 dólares, mas na estação de metro foi ostensivamente ignorado pela maioria.)




sábado, 4 de fevereiro de 2012

Valores morais não estão à venda.




(Reply com adendo)


O que move o homem  em direção à sua plenitude são os valores que ele cultiva  e nos quais transita fiel no decorrer de sua jornada. Obviamente, mudanças, imprevistos ocorrem , mas somos maleáveis o suficiente  para nos moldarmos às transformações  sem  que se perca nossa dignidade. Afinal, somos seres humanos, sensíveis , sim, mas racionais.Transgredir valores morais conspurca a alma, destrói o ego.
 Quando algo, seja contextual, seja interior ,quebra nossa convicção , e obriga-nos a ter consciência, é hora de atitude e de ação.
Consequências? Virão aos borbotões...mas serão menores do que o vazio , suportáveis quando estamos “ limpos” e em paz.

Conviver em e com uma sociedade de valores transitórios é tristíssimo, mas muito pior é aceitar dobrar-se a ela. Não quero isso para mim.Definitivamente. A juventude é poderosa, mas a maturidade nos dá chance de balanço, de pesar o que aprendemos e como  ( e se queremos...)colocar em prática.


Ninguém é suficientemente sábio para para se declarar dono da verdade, mas para escolher o que quer para si, sem dúvida.Isso é questão de princípios.Por isso...


... eu tivesse algum poder , hoje, gostaria de dizer com pompa e circunstância :

“ Parem o mundo que eu quero descer.”


Como essa possibilidade inexiste, é hora de escolher.


(...)


Há um ano , era assim que eu me sentia: extremamente frustrada por estar me comportando de maneira antagônica a tudo que sou e valorizo. A imagem que coloquei no texto era um galho de espinhos, exatamente como estava meu coração: machucado. 
E o tempo foi se arrastando, algumas arestas foram sendo aparadas, mas a sensação de vazio continuou.Inadequação, é essa a palavra. Inadequada no lugar e no tempo.
Reproduzo o texto na integra , porque finalmente escolhi ser Gente, em primeiro lugar .
Demorou um pouco, mas consegui.
Se vai dar certo?
Não sei...quem sabe? Ninguém. Errar, tentando é uma coisa, desistir é outra...
A minha alma agradece a atitude, aquela que sempre preguei e não estava exercendo : consciência sem atitude é nada.


O amanhã é só um substantivo.




( O sol brilha muito forte em um céu absolutamente azul...)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Uma única vida é pouco.



Uma única vida é pouco. Para se fazer aquilo que se sabe e se pode e se quer e se deve fazer é preciso deixar muitas outras coisas para trás. Essa é a conclusão a que se chega logo no fim da adolescência. Quando os números deixam de ser números. Trinta, quarenta, cinquenta anos.

As gerações sucedem-se. Os degraus de uma escada rolante que desaparecem lá em cima enquanto subimos, subimos, olhamos para trás e ainda vemos o primeiro degrau, quase como quando tínhamos acabado de chegar e, no entanto, continuamos a subir e vemos já o fim.

Os nossos avós mortos, os nossos pais mortos, nós, os nossos filhos, os nossos netos. E, se existir um horizonte, podemos olhá-lo e perceber finalmente que estamos parados no tempo e que o tempo, nesse presente definitivo, está parado dentro de nós.



Eu olho para esse horizonte, arrependo-me e não me arrependo, tento compreender ou lembrar-me daquilo que quero mesmo. Depois, penso em tudo aquilo que posso fazer para que aconteça: os gestos e as palavras. Depois, hoje é um dia mais forte e, de repente, imenso. 

Depois, penso em tudo aquilo de que terei de desistir para alcançar o que quero: para ser o que desejo ser. Então, não fico triste. Aceito tudo aquilo que nunca fiz e que acredito que nunca terei vida suficiente para fazer. Num dia, avisado ou sem aviso, morrerei. Estas mãos serão nada. Este rosto será nada. Uma única vida é pouco. Aceito essa certeza sem que ninguém me pergunte se estou disposto a aceitá-la.

"na hora de pôr a mesa éramos cinco
 o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs

e eu, depois, a minha irmã mais velha
 casou-se, depois, a minha irmã mais nova

casou-se, depois o meu pai morreu, hoje
 na hora de pôr a mesa, somos cinco,

menos a minha irmã mais velha que está
 na casa dela, menos a minha irmã mais

nova que está na casa dela, menos o meu
 pai, menos a minha mãe viúva, cada um

deles é um lugar vazio nessa mesa onde
 como sozinho, mas irão estar sempre aqui

na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco,
 enquanto um de nós estiver vivo, seremos
 sempre cinco."


   José Luís Peixoto  in  Cemitério de Pianos.


Em todos os seus romances Família e Morte são temas sempre presentes.O autor de “Morreste-me”, “Nenhum Olhar”, “Uma Casa na Escuridão” e “Antídoto”, ambiciona tornar-se um escritor atemporal, interpretado através dos seus textos quantas vezes a vontade o quiser e pelo pouco que nos é possível opinar, parece óbvio que irá conseguir.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Amizade não se procura,exercita-se.





Desejar a amizade é um grande erro. A amizade deve ser uma alegria gratuita como as que a arte ou a vida oferecem. É preciso recusá-la para se ser digno de a receber: ela é da categoria da graça («Meu Deus, afastai-vos de mim...»). É dessas coisas que são dadas por acréscimo. Toda a ilusão de amizade merece ser destruída.[…]

A amizade não se procura, não se imagina, não se deseja; exercita-se (é uma virtude).
[…]
A amizade não se deixa afastar da realidade, tal como o belo. E o milagre existe, simplesmente, no fato de que ela existe.


Simone Weil, 'A Gravidade e a Graça'






Talvez esteja aí a resposta para a alegria ruidosa de quem vive entre "muitos amigos" e só os tem em momentos festivos. Alegria transitória mascarada em fotos ocasionais , nas quais a roupa e o sorriso não mostram a alma. Amigos são " coisa para se guardar dentro do peito". Poucos  e essenciais. O encaixe perfeito.