É domingo. O sol entra pela fresta da janela no meu quarto.Pela claridade difusa percebo que ainda é cedo.Repito, então, um ritual que me acompanha desde os 8 anos: aliso um velho tapete colorido e fico esperando que ele se mova.
Nada. O que é que eu esperava? Que ele voasse, sem dúvida.Deito-me ali mesmo e me pergunto se estou ficando maluca.
Foi há tanto tempo...há precisos 15 anos atrás.Também era domingo, a casa estava imersa no doce silêncio da manhã que nem acabara de nascer.
Descalça, sonolenta,abri a porta e caminhei lentamente pelo corredor.Quando meus pés nus pisotearam o tapetinho, ele se mexeu .Estatelei-me no chão,aborrecida com minha falta de jeito.Mas então esfreguei os olhos a tempo de vê-lo levantar vôo comigo.
Queria gritar, mas minha voz não saiu. Algo estava muito errado. Mas, o quê???
O tapete parecia doido. Desviava de móveis, deslizava pelo corredor e...onde estavam todos ? Ninguém viria me socorrer?
Tudo acontecia de maneira espantosa.Sobrevoamos a geladeira em um lance tão rasante que eu me deitei e agarrada a ele fechei os olhos.Passamos pela pequena abertura do vitrô da cozinha e ganhamos espaço.
Maravilhada abri os olhos. O medo se fora.O céu muito azul, nuvens de algodão quase tocáveis, pássaros, amplidão, nós, eu e ele. Inacreditável.
Comecei a gostar da aventura.Olhei para baixo -uma vertigem: outro céu?O mar.Céu e mar azuis e límpidos. Eu tinha morrido, com certeza.Mas, então , pouco me importava. Aquilo era um presente do qual eu iria usufruir até o fim .
Parecendo entender o que eu sentia, em volteios encantadores,o tapete foi descendo e tocou as ondas geladas. Respingos. Por que não?Que mal havia naquilo se só eu sabia?
Depois de requebros e meneios, voou em uma velocidade surpreendente até uma sala imaculadamente em ordem. Que lugar era aquele? Vozes, risadas e duas meninas gritavam pela avó.Permaneci imóvel. Quem eram? O que eu fazia ali? Será que me viam?
As duas afastaram-se, cheguei –me a um móvel alto e espelhado; ali estava a foto de um rosto que me era conhecido.Claro. Claríssimo. Era eu, envelhecida, cercada de flores, bichos e duas crianças.
Não houve tempo para entender.Eu me vi – a outra- entrando na sala . Quantos anos eu teria? 60? Engoli seco.O que iria acontecer. Enquanto eu-velha saia de cena, eu- menina fechei os olhos desesperadamente não querendo abri-los no mesmo lugar.Contei até 10, mais 20, criei coragem , abri-os e continuava ali. Vagarosa, com medo, sentei-me no tapete em um mudo pedido de socorro e ele me tirou dali.
Minutos depois, sentada no corredor da sala, ouvi a voz do meu pai : Menina, o que faz tão cedo acordada?Por que está aí no chão?Hoje é domingo. Volte para a cama .
Os anos se passaram , e por mais que minha sanidade me diga que dormi ali no chão e sonhei, acredito que houve algo mais.
Tenho 23 anos agora e continuo vagando pelo corredor nas manhãs de domingo à espera de que a mesma cena se repita e que eu consiga entendê-la.
Mas não foi hoje...ainda não.De uma maneira ou de outra , acredito que foi maior do que um sonho....Eu estive lá...onde um dia, com certeza, vou estar!.....................................................................................
Escrito em uma agenda de 1971 /13 de dezembro.Enquanto transcrevo aqui esse texto de ficção, claro!- jamais andei em um tapete encantado-olho à minha frente e vejo a mim, envelhecida, refletida em um espelho.Ao lado a foto de minhas duas netas.A nítida impressão de algo já vivido. Teria sido premonição?????Afinal, aqui estamos,eu e elas .