Todos os Natais são especiais na minha história, porque eu amo essa profusão de cores e perfumes que povoam o mês de Dezembro. E me preparo para ele como para uma festa. Mas, nesse ano antes da festa veio o imprevisto, porque a vida sempre se incumbe de um roteiro próprio no qual não conseguimos interferir.
Um susto, um PS,um coração descontrolado, um quarto de hospital...E em 11 de dezembro, quando uma maca encostou no meu leito hospitalar para que eu fosse levada à UTI ,o desconforto evidente deu lugar a uma pergunta engasgando minha garganta: o que eu devo fazer agora, que providência tomar se posso morrer lá?
Meu pensamento voava, mas meu cérebro acelerado foi se acalmando à medida que , pelo corredores, meus olhos visualizaram as sancas de gesso belíssimas e recém pintadas nas altíssimas paredes dos corredores longos e quase desertos. Absolutamente lindo! Um prédio antigo e preservado.Quem era eu, afinal, que - em uma hora dessas- me detinha a pensar nisso?
Mas o inusitado – para mim- ainda iria acontecer , ao entrar na unidade de terapia intensiva. A sala exalava azul. As paredes lembravam os dias claros de abril quando o céu parece sorrir e as “ meninas” – sim meninas , poderiam ser minhas netas – sorriam em azul a diluir meu medo. E comecei a sentir paz, muito longe da agonia que esperava.
O lugar lúgubre que eu imaginava não existia. As luzes acesas ininterruptas , um pequeno exército de abelhinhas azuis se desvelando solicitas entre doentes, alguns inconscientes, mas todos vigiados e atendidos com carinho, competência e sutileza, dia e noite.
Eu estava no nicho número 7,ligada a uma parafernália de aparelhos, realizando exames a cada hora, e ali estive por 4 dias que deveriam ser longos, deveriam... Amanda, Antônia , Débora ,as mais próximas incumbiram-se de torná-los mais leves, mais curtos
Ao sair dali, senti-me um pouco desamparada no quarto para onde fui levada por mais dois dias. Tenho certeza de que voltei com outra percepção do que estava vivendo .Percebi que todos que passavam por mim vestiam os mais diferentes tons de azul. Conheci algumas histórias comoventes, e cotidianos difíceis contados sem sofrimento, apenas como vida acontecendo.
Foi assim que, nesse ano, meu Natal mudou de cor : tornou-se AZUL em homenagem aos bastidores de um hospital, nos quais pessoas anônimas , em trabalho exaustivo ,cuidam de nós em momento de fragilidade absoluta, quando a morte se torna improvável, mas possível.
Voltei pra minha casa que continua verde e vermelha, mas desculpe-me o Natal tradicional : nesse ano meu coração e meus sentimentos são absolutamente azuis.
OBS : esse texto é dedicado ao pessoal de apoio da Casa de Saúde de Campinas, em especial aos que trabalham silenciosos nos bastidores( enfermeiros, plantonistas, merendeiras, faxineiras e aos demais )e aos quais sou imensamente grata por esse Natal.