quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Um Natal Azul





Todos os Natais são especiais  na minha história, porque eu amo essa profusão de cores e  perfumes  que povoam o mês de Dezembro. E me preparo para ele como para uma festa. Mas, nesse ano antes da festa  veio o imprevisto, porque a vida sempre se incumbe de um roteiro próprio no qual não conseguimos interferir.
Um susto, um PS,um coração descontrolado, um quarto de hospital...E em 11 de dezembro, quando uma maca encostou no meu leito hospitalar para que eu fosse levada à UTI ,o desconforto evidente deu lugar a uma pergunta engasgando minha garganta: o que eu devo fazer agora, que providência tomar se posso morrer lá? 
Meu pensamento voava, mas meu cérebro acelerado foi se acalmando à medida que , pelo corredores, meus olhos visualizaram as sancas de gesso belíssimas  e recém pintadas nas altíssimas paredes dos corredores longos e quase desertos. Absolutamente lindo! Um prédio antigo e preservado.Quem era eu, afinal, que - em uma hora dessas- me detinha a pensar nisso?
Mas o inusitado – para mim- ainda iria acontecer , ao entrar na unidade de terapia intensiva. A sala exalava azul. As paredes lembravam os dias claros de abril quando o céu parece sorrir e as “ meninas” – sim meninas , poderiam ser minhas netas – sorriam em azul  a diluir meu medo. E comecei  a sentir paz, muito longe da agonia que esperava.
O lugar lúgubre que eu imaginava não existia. As luzes acesas ininterruptas , um pequeno exército de abelhinhas azuis se desvelando solicitas entre doentes, alguns inconscientes, mas todos vigiados e atendidos com  carinho, competência e sutileza, dia e noite.
Eu estava no nicho número 7,ligada a uma parafernália de aparelhos, realizando exames a cada hora, e ali estive por 4 dias  que deveriam ser longos, deveriam...  Amanda,  Antônia , Débora ,as mais próximas incumbiram-se de torná-los mais leves, mais curtos
Ao sair dali, senti-me um pouco desamparada no quarto para onde fui levada  por mais dois dias. Tenho certeza de que voltei com outra percepção do que estava vivendo .Percebi que todos que passavam por mim vestiam os mais diferentes tons de azul. Conheci  algumas histórias comoventes,  e cotidianos difíceis contados sem sofrimento, apenas como vida acontecendo.
Foi assim que, nesse ano, meu Natal mudou de cor : tornou-se AZUL em homenagem  aos bastidores de um  hospital, nos quais pessoas anônimas , em trabalho exaustivo ,cuidam de nós em momento de fragilidade absoluta, quando a morte se torna improvável, mas possível.
Voltei pra minha  casa  que continua verde e vermelha, mas desculpe-me o Natal tradicional : nesse ano meu coração e meus sentimentos são absolutamente azuis.

OBS : esse texto é dedicado ao pessoal de apoio da Casa de Saúde de Campinas, em especial aos que trabalham silenciosos nos bastidores( enfermeiros, plantonistas, merendeiras, faxineiras e aos demais )e aos quais sou imensamente grata por esse Natal.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Voltar prá casa...




Desde sempre , acostumei-me a gerenciar minha vida, mesmo que a prioridade não fosse eu. Escolhas difíceis cujas consequências não foram as esperadas aconteceram, mas não foram regra. Não obstante "virar a mesa" - e recomeçar- sempre me aconteceu.

Claro que, premida por circunstâncias incontornáveis, cedi algumas - muitas- vezes, sempre com a incômoda sensação de estar inadequada e transitória naquele momento e naquele lugar. Assim como uma peça do quebra-cabeças, a definitiva,que não se encaixasse por estar na moldura incorreta.Viver isso sempre foi, literalmente,um inferno, mas...
sempre se podia voltar prá casa.

Casa, o que é casa?Um belo apartamento? Um amontoado de tijolos que enfeita uma esquina? O quê?...a resposta dói.
Casa , a nossa, é onde estão nossos pais, nossos avós, nossa raiz.Nós construímos casas para nossos filhos que vem e vão ao sabor da vida.Somos a casa deles.Mas a nossa casa é outra.É onde fomos queridos, amados, desejados, sempre.

Ainda agora, sentada na minha sala, o prenúncio da Páscoa no ar,sinto uma vontade infinita de voltar prá casa.E não a tenho mais.
Quando nossos pais se vão, desmancha-se a nossa casa. Temos um domicílio,um endereço,uma paragem,mas nunca mais poderemos voltar prá nossa casa....

Um dia inacreditavelmente azul entra pelas largas portas de vidro. Doura, nesse momento,muitos e muitos outros domicílios de pessoas que, como eu, sabem , dolorosamente, que não podem mais voltar prá casa...



quinta-feira, 26 de março de 2015

Ainda.


                                      
O tempo passa. Às vezes penso que teria que andar depressa, aproveitar o máximo possível estes anos que me restam. Hoje em dia, qualquer um pode me dizer, depois de escrutinar minhas rugas: “Ora, mas você ainda é um homem jovem”. Ainda. Quantos anos me restam desse “ainda”? Penso nisso e me aflijo, tenho a angustiante sensação de que a vida está me escapando, como se minhas veias tivessem se aberto e eu não pudesse estancar o sangue. Porque a vida é muitas coisas (trabalho, dinheiro, sorte, amizade, saúde, complicações), mas ninguém vai me negar que, quando pensamos nessa palavra Vida, quando dizemos, por exemplo, que “nos apegamos à vida”, estamos fazendo com que seja assimilada por outra palavra mais concreta, mais atraente, mais seguramente importante: estamos fazendo que seja assimilada pelo Prazer. Penso no prazer (qualquer forma de prazer) e estou certo de que isso é a vida. Daí vem a aflição (…).
 Ainda me restam, assim espero, uns quantos anos de amizade, de saúde aceitável, de ocupações rotineiras, de expectativa diante da sorte, mas quantos me restam de prazer? (…) “Ainda” quer dizer: está no fim.E este é o lado absurdo de nosso acordo: dissemos que levaríamos tudo com calma, que deixaríamos o tempo correr, que depois reveríamos a situação. Mas o tempo corre, deixemos ou não (…) A experiência é boa quando vem junto com o vigor; depois, quando o vigor se vai, resta apenas uma peça de museu, decorativa, cujo único valor reside em ser uma recordação daquilo que já se foi. A experiência e o vigor são simultâneos por muito pouco tempo. Estou agora nesse pouco tempo. Não se trata, porém, de uma sorte invejável.
Mario Benedetti