terça-feira, 13 de novembro de 2012

Os vestígios também se vão.


(...)Naturalmente, nada impede que você recoloque a cadeira no mesmo lugar de antes, se sente nela e permaneça ali por quanto tempo quiser, ou conseguir, e durante todo esse tempo goze a sensação de estar na posse da sua materialidade perdida. Mas essa sensação é ilusória, pois esses vestígios não fazem mais parte de você: só podem ser ocupados provisoriamente, como uma roupa que se veste. Assim que se cansar desse jogo e se levantar da cadeira, você vai voltar a perdê-los: mais ainda, vai perder também uma pequena porção adicional de sua matéria, mais vestígios seus que vão ficar no ar, superpostos aos anteriores.

Esses vestígios mais cedo ou mais tarde vão se dispersar, com o movimento constante de corpos no quarto, e se perder para sempre. Assim, você está constantemente largando camadas sucessivas de seu ser, desintegrando-se a cada instante de sua existência no espaço; e é por isso que você não é eterno, não pode ser eterno, pelo mesmo motivo que um lápis ou uma borracha não podem ser eternos.

Mas há uma maneira simples de alterar essa situação - quer dizer, não alterá-la objetivamente, o que seria impossível, e sim modificar o modo como você a vivencia (e como você só sabe das situações o que vivencia delas, para todos os fins práticos modificar sua percepção de uma situação é a mesma coisa que modificar a situação em si): basta sentar-se na cadeira, pegar um lápis e uma folha de papel, e começar a escrever.


in Paraísos Artificiais ( P.H.Britto)
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É instigante  lembrar que apenas  passamos pela vida e de nós se vão até os vestígios.
Que tudo se desintegra  por completo,mesmo a simples memória.
 A única permanência possível está em palavras ...as que permanecem.

Um comentário:

  1. As palavras nos prolongam. Por isso, admiro os escritores e os grandes músicos letristas, que em sua obra e através dela, se eternizaram. Eternizar é uma palavra imprópria para a vida que não é possível fora do tempo. Mas ela exprime bem a importância de um legado verbal à posteridade. Ao homem a única forma de imortalizar-se é através de sua obra artística, desde que devidamente preservada.

    Beijos!

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