sexta-feira, 21 de setembro de 2012

E não ficou nada. Nem certezas. Nem sombras. Nem as cinzas.


Penso: talvez o sofrimento seja lançado às multidões em punhados e talvez o grosso caia em cima de uns e pouco ou nada em cima de outros. Ainda que o peso do meu peito seja custoso, qual é o peso de um abismo? ainda que me sinta um cego a crescer sem olhos para um percipício, tenho de me levantar desta cama. Tenho de levantar estes braços que não são meus, tenho de levantar estas pernas que não são minhas, mas de um rochedo(...). 

Mesmo que seja para sofrer, sofrer, tenho que ir de encontro àquilo que serei, por ter sido isto e não poder fugir, não poder fugir de me tornar alguma coisa(...).

O munco acabou e nem o tempo prosseguiu. A morte não existia no meio de todas as coisas mortas. Não existiam os cadáveres. Tinha morrido a memória da morte. As crianças morreram e isso, que era a única coisa pela qual valia a pena chorar, não era lamentado por ninguém, porque já não havia dor, já não havia lágrimas, já não havia olhos ou peito para chorar.

O mundo acabou. E não ficou nada. Nem certezas. Nem sombras. Nem as cinzas. Nem os gestos. Nem as palavras. Nem o amor. Nem o lume. Nem o céu. Nem os caminhos. Nem o passado. Nem as ideias. Nem o fumo. O mundo acabou. E não ficou nada. Nenhum sorriso. Nenhum pensamento. Nenhuma esperança. Nenhum consolo. Nenhum olhar.

In Nenhum Olhar / José Luís Peixoto.


Desde que conheci a obra de Peixoto,não consigo deixar de me emocionar quando a leio e,sobretudo,quando a releio.Ele tem o dom de me comover.

Nenhum comentário:

Postar um comentário