quarta-feira, 13 de junho de 2012

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


 




Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,                                                                                                                                    Eu era feliz e ninguém estava morto. 
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, 
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. 
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, 
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, 
De ser inteligente para entre a família, 
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. 
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. 
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida. Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, 
O que fui de coração e parentesco. 
O que fui de serões de meia-província, 
O que fui de amarem-me e eu ser menino, 
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui... 
A que distância!... 
(Nem o acho... ) 
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos! O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa, 
Pondo grelado nas paredes... 
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), 
O que eu sou hoje é terem vendido a casa, 
É terem morrido todos, 
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio... No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ... 
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! 
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, 
Por uma viagem metafísica e carnal, 
Com uma dualidade de eu para mim... 
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes! Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui... 
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos, 
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado, 
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, 
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração! 
Não penses! Deixa o pensar na cabeça! 
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus! 
Hoje já não faço anos. 
Duro. 
Somam-se-me dias. 
Serei velho quando o for. 
Mais nada. 
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ... O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Fernando  Pessoa / Álvaro de Campos

O aniversário é DELE, a festa é nossa!



Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/fernando-pessoa/aniversario.php#ixzz1xh5JEqCT

Um comentário:

  1. Mais do que um poema, é uma oração dos fiéis, em escrita, com condensação de lirismo fantástico condimentado com lágrimas.
    Beijinho, querida amiga.

    Ibel

    ResponderExcluir