sábado, 10 de março de 2012

Gastamos tudo menos o silêncio.



ADEUS

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastamos tudo menos o silêncio. Gastamos os olhos com o sal das lágrimas, gastamos as mãos à força de as apertarmos, gastamos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis. Mas isso era no tempo dos segredos, no tempo em que o teu corpo era um aquário, no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros. 
Já gastamos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada. E, no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
 Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.


 EUGÊNIO DE ANDRADE  In "Os Amantes sem Dinheiro"


...pedras das esquinas em esperas inúteis. Que enormidade é a tristeza que essas palavras traduzem.Escorrem como rios de sal e sangue na alma de quem já esperou em vão.

3 comentários:

  1. Copiei o texto em meu blog, Gizelda!
    Estou passando por um momento de palavras gastas, e este post veio apenas para dar forma ao que estava gelatinoso!
    Bjs

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  2. Fez bem em trazer o Eugénio, Gizelda, ele tem um jeito tão especial de lapidar as palavras.
    (Estava com saudades do seu Desassossego)

    Beijo :)

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  3. Conheço bem este texto.
    Foi boa a sua escolha.
    beijo

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