quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Quem era minha mãe...



            Quando o corpo dela desceu à campa, em uma cinzenta tarde calada e triste do início da semana, ficou a sensação de vazio no ar.  Era tão previsível , no entanto continha uma estranha e insistente tristeza. Poderia seguir à risca todos os poetas, cronistas e filhos maravilhados postando aqui um rol de suas qualidades.Ela as teve, sim, muitas: otimista ao extremo, corajosa, lutadora, capaz de sempre ter uma palavra de incentivo nas situações mais desalentadoras, exímia costureira, cozinheira de dotes vários, amorosa ,bonita,sorridente, simpática,cheia de amigos, mas...por outro lado, era autoritária, brava,chantagista, chata, manipuladora....onipresente. Aprendemos a respeitá-la desde sempre e assim foi até o fim. Não passou pela vida, exerceu-a na sua plenitude durante 91 anos, lúcida e perspicaz. : era um "pacote" completo, onde qualidades e defeitos se juntaram para torná-la inesquecível
             Amou a vida e relutou em se despedir dela. Aos 20 anos ( foto) encantou meu pai e dele guardou para sempre cartas de amor em uma gaveta .Mas, há 7 anos , uma queda desastrada levou-a a um  caminho de perda de autonomia  e ela sempre relutou em se entregar.Vagarosamente, no entanto,a vida foi minando.As imagens foram-se se esvaindo, os sons tornaram -se inaudíveis,os movimentos foram se abreviando, do andador  à cadeira de rodas, na última semana retida ao leito até o fim. Nada disso a impediu , no entanto , de bordar - aos 90 anos-um tapete para seu último bisneto.
              Há um mês atrás , me disse que tudo o queria era levantar-se e sair andando pelas ruas, a tomar sol. Insisti em levá-la na cadeira e ela retrucou : quero sair andando! Há uma semana, quando lhe perguntamos como ela estava , entre suspiros e gemidos de dor , ela cantou baixinho : Ó que saudades que tenho  da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais...cantou -a inteira, mostrando o pesar de ter envelhecido e o peso do sofrimento. As dores constantes foram consumindo suas esperanças e suas certezas.
               Assim foi ela: poderosa e invencível até que as dores a dobraram e a morte a levou.
               Enquanto escrevo , vejo-a em todos os cantos da minha casa: na tapeçaria bordada pelo chão,em almofadas de crochê, em uma fruta que ela apreciava, nos remédios, enfim...essas lembranças são só as últimas de uma vida inteira .
                 É isso, Mãe, a sua presença foi tão profunda na minha vida que não acaba.Hoje ,eu disquei o seu número de telefone, mesmo sabendo que nunca mais você o vai atender.
                 Beijo. Esteja segura na mão de Deus.
Te amamos em vida e depois dela.Temos certeza de que você vai "acontecer" em outras dimensões melhores do que essa.
         

Um comentário:

  1. Essa figura maternal, não sei se tive ou se quero ser... Só sinto que é lindo e que invejo! E que quero ser/continuar andando, ainda na dificuldade... Estar ativa na vida até que haja um fim! SEUS textos são o que mais amo neste fio-condutor!!!!!!!
    Bjs

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