sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

2012...o ciclo se renova.





"Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA..."

Mário Quintana

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Meu Natal e o bolo xadrez.



É indiscutível reconhecer que o Natal me emociona.
Quando a cidade se tinge de verdes e vermelhos e o dourado se confunde com as luzes , sinto uma inefável sensação de prazer. Desempacotar os enfeites cuidadosamente guardados e transformar minha casa em novas cores e  brilhos tem um sabor especial. Mas, enquanto a casa vai se modificando, um lugarzinho da minha alma permanece inquieto,incomodado.

Definitivamente falta algo, mas o quê?
Eu sei, mas procuro fugir da constatação. Passamos o ano inteiro em “mesas de iguarias de Natal”, ganhamos presentes todos os dias, esquecemo-nos de rezar e agradecer, só sabemos pedir e – o mais triste- a família se dispersou.
Na minha infância / adolescência nunca houve ceia. Íamos à Missa do Galo com a ansiedade do depois. E...reuniamo-nos diante de um caprichado bolo xadrez  que havíamos “namorado” o dia inteiro, enquanto minha mãe temperava carnes, picava legumes e tudo se transformava em uma mesa- de almoço - onde nada havia sido feito “fora de casa”.

O cheiro do cipreste impregnava a casa toda, havia um brilho especial nos olhos, mesmo não entendendo o porquê de nossos Natais serem agraciados com presentes tão simples: uma caixa de bombons,um livro de história...Em 1954 , ganhei um exemplar lindo : A Rainha das Neves , de Andersen,embora estivesse longe do presente desejado, uma bicicleta que meu pai não pode comprar.
 Hoje, posso comprar mais que uma, mas não a quero, quero meu pai, no Natal...mas , ele, já está encantado por aí.E o tender fica com o sabor da alegria dele  que o apreciava tanto.

Quanto sabia eu da felicidade naquela época? 

Minha mãe ainda vive (?) sem nem saber direito que é Natal e para que serve.Está partindo aos pouquinhos diante dos nossos olhos.E continuo com o coração dividido : as filhas que chegam, o presente das netas, os amigos que restaram, e a sensação dolorida de que olhar para minha linda e enfeitada casa não é suficiente. O ruído da festa não preenche por inteiro meu coração.Estou feliz pelo que tenho, mas nessa data sinto uma falta imensa do que se foi e dos que se foram.
Definitivamente falta algo que eu nunca vou poder comprar.
Lindo e triste Natal.


PS : A receita do bolo xadrez permaneceu intacta, mas os ingredientes principais foram-se ao sabor do tempo.


Gizelda.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

100.000 visitas...Selo Comemorativo.Felizzzzz!!!!





100.000 visitas!!!!!!

É pouco? É muito?
É exatamente o que faz, agora , meu coração feliz.
E “ ELE’,  mesmo “ todos ELES’, isto é Fernando PESSOA com todas as pessoas que é, honrosamente ilustra o selinho comemorativo.

É meu, é seu, é nosso. Leve-o com você.


A todos os que aqui vieram , vem ou virão, muito obrigada  pela presença, pelos comentários. Voltem e sintam-se em casa.

Beijos.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Fácil é dar um beijo. Difícil é entregar a alma.



Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião. Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá. 
Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias. Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.
 Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir. Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso. E com confiança no que diz. 
Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação. Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer. Ou ter coragem pra fazer.
 Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado. Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende. E é assim que perdemos pessoas especiais. Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.Difícil é mentir para o nosso coração.     Fácil é ver o que queremos enxergar.Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto. Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil. 
Fácil é dizer "oi" ou "como vai?"Difícil é dizer "adeus". Principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...
 Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados. Difícil é sentir a energia que é transmitida. Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa. 
Fácil é querer ser amado. Difícil é amar completamente só. Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar. E aprender a dar valor somente a quem te ama.
 Fácil é ouvir a música que toca. Difícil é ouvir a sua consciência. Acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.
Fácil é ditar regras. Difícil é seguí-las. Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros. 
Fácil é perguntar o que deseja saber. Difícil é estar preparado para escutar esta resposta. Ou querer entender a resposta. 
Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade. Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria. 
Fácil é dar um beijo. Difícil é entregar a alma. Sinceramente, por inteiro. 
Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida. Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro. 
Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica. Difícil é ocupar o coração de alguém. Saber que se é realmente amado. 
Fácil é sonhar todas as noites. Difícil é lutar por um sonho.
Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata. 


Carlos Drummond de Andrade



A difícil arte de viver...uma constatação óbvia.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A consciência de continuar sendo é tão avassaladora quanto a consciência de ter sido.




Você pode imaginar o que é a velhice? É claro que não. Eu não podia. Nunca consegui. Não fazia ideia do que era. Não tinha nem mesmo uma imagem falsa – não tinha imagem nenhuma. E ninguém quer outra coisa. Ninguém quer encarar a velhice antes de ser obrigado a encará-la. Como é que tudo vai terminar? Em relação a isso, ser obtuso é de rigueur.
Por motivos óbvios, é impossível imaginar uma etapa de vida posterior àquela em que estamos. Às vezes já chegamos na metade da fase seguinte quando nos damos conta de que já estamos nela. Além disso, as primeiras etapas da velhice têm lá suas vantagens. Mesmo assim, as intermediárias são ameaçadoras para muita gente. Mas e a etapa final? Curioso – é a primeira vez na vida que você consegue ficar completamente de fora da situação que você está vivendo. Observar a decadência do próprio corpo de um ponto de vista externo (para quem tem a sorte que eu tive) permite que a gente se sinta, graças à vitalidade que continua a ter, a uma distância razoável dessa decadência – às vezes dá até para sentir-se orgulhosamente independente dela. Sem dúvida, vão aumentando cada vez mais os sinais que nos levam a tirar aquela conclusão desagradável, mas assim mesmo a gente continua de fora. E a fúria dessa objetividade é brutal.

É importante traçar uma distinção entre o morrer e a morte. O morrer não é um processo ininterrupto. Se a gente tem saúde e se sente bem, é um processo invisível. O final que é uma certeza nem sempre se anuncia de maneira espalhafatosa. Não, você não consegue entender. A única coisa que você entende a respeito dos velhos quando você não é velho é que eles foram marcados pelo tempo. Mas compreender só tem um efeito de fixá-los no tempo deles, e assim você não compreende nada. Para aqueles que ainda não são velhos, ser velho significa ter sido. Porém ser velho significa também que, apesar e além de ter sido, você continua sendo. Esse ter sido ainda está cheio de vida. Você continua sendo, e a consciência de continuar sendo é tão avassaladora quanto a consciência de ter sido. Eis uma maneira de encarar a velhice: é a época da vida em que a consciência de que a sua vida está em jogo é apenas um fato cotidiano. É impossível não saber o fim que o aguarda em breve. O silêncio em que você vai mergulhar para sempre. Fora isso, tudo é tal como antes. Fora isso, você continua sendo imortal enquanto vive.

O animal moribundo -Philip Roth

sábado, 3 de dezembro de 2011

Dos flocos caem desejos.





Eu,
um de nós, talvez a geométrica flor, tenho experimentado
a sensação - que até agora desconhecia -, que estar
vivo e estar só é um sinal de alegria,
semelhante ao tombar da neve.


Se as espirais delicadas do contato com os outros (cada
vez mais delicadas) se transformam em mais frágeis à medida
que a sensibilidade aos atos de linguagem - e aos 
atos -cresce,


esta face a face sem intermediários humanos com as coisas
pode fazê-las transparecer num espaço máximo.


É talvez uma fase nova da aprendizagem da leitura - será
preciso entrar nesse espaço em que dos flocos já caem letras 
para usar finamente o privilégio de ensiná-las aos animais do Mosteiro, 
chamamento que aqui demos à sua 
contemplação. 


Mosteiro e monstro - e os caminhos transitáveis entre eles;
por fim, suponho que o nosso cântico de leitura dará nascimento a híbridos. 


Maria Gabriela LLansol, Os Cantores de Leitura, Assírio & Alvim, 
p. 22


Vontade intensa de ser mar, sendo só areia.De não ser substantivo, ser verbo, sempre.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O Deus de cada um.



O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro — dá gosto! A força dele,quando quer — moço! — me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho — assim é o milagre.
E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.

(João Guimarães Rosa, Grande Sertão: veredas.)


Combate
Nem eu posso com Deus nem pode ele comigo.
Essa peleja é vã, essa luta no escuro
entre mim e seu nome.
Não me persegue Deus no dia claro.
Arma, à noite, emboscadas.
Enredo-me, debato-me, invectivo
e me liberto, escalavrado.
De manhã, à hora do café, sou eu quem desafia.
Volta-me as costas, sequer me escuta,
e o dia não é creditado a nenhum dos contendores.
Deus golpeia à traição.
Também uso para com ele táticas covardes.
E o vencedor (se vencedor houver) não sentirá prazer
pela vitória equívoca.

(Carlos Drummond de Andrade)