sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Meu Natal e o bolo xadrez.



É indiscutível reconhecer que o Natal me emociona.
Quando a cidade se tinge de verdes e vermelhos e o dourado se confunde com as luzes , sinto uma inefável sensação de prazer. Desempacotar os enfeites cuidadosamente guardados e transformar minha casa em novas cores e  brilhos tem um sabor especial. Mas, enquanto a casa vai se modificando, um lugarzinho da minha alma permanece inquieto,incomodado.

Definitivamente falta algo, mas o quê?
Eu sei, mas procuro fugir da constatação. Passamos o ano inteiro em “mesas de iguarias de Natal”, ganhamos presentes todos os dias, esquecemo-nos de rezar e agradecer, só sabemos pedir e – o mais triste- a família se dispersou.
Na minha infância / adolescência nunca houve ceia. Íamos à Missa do Galo com a ansiedade do depois. E...reuniamo-nos diante de um caprichado bolo xadrez  que havíamos “namorado” o dia inteiro, enquanto minha mãe temperava carnes, picava legumes e tudo se transformava em uma mesa- de almoço - onde nada havia sido feito “fora de casa”.

O cheiro do cipreste impregnava a casa toda, havia um brilho especial nos olhos, mesmo não entendendo o porquê de nossos Natais serem agraciados com presentes tão simples: uma caixa de bombons,um livro de história...Em 1954 , ganhei um exemplar lindo : A Rainha das Neves , de Andersen,embora estivesse longe do presente desejado, uma bicicleta que meu pai não pode comprar.
 Hoje, posso comprar mais que uma, mas não a quero, quero meu pai, no Natal...mas , ele, já está encantado por aí.E o tender fica com o sabor da alegria dele  que o apreciava tanto.

Quanto sabia eu da felicidade naquela época? 

Minha mãe ainda vive (?) sem nem saber direito que é Natal e para que serve.Está partindo aos pouquinhos diante dos nossos olhos.E continuo com o coração dividido : as filhas que chegam, o presente das netas, os amigos que restaram, e a sensação dolorida de que olhar para minha linda e enfeitada casa não é suficiente. O ruído da festa não preenche por inteiro meu coração.Estou feliz pelo que tenho, mas nessa data sinto uma falta imensa do que se foi e dos que se foram.
Definitivamente falta algo que eu nunca vou poder comprar.
Lindo e triste Natal.


PS : A receita do bolo xadrez permaneceu intacta, mas os ingredientes principais foram-se ao sabor do tempo.


Gizelda.

11 comentários:

  1. Esse texto me fez pensar que nunca nos damos conta da felicidade, a não ser em aprés-cours...
    Difícil "nomificar" esse momento presento como o mais feliz!!!!!!!
    Mas daqui a alguns anos, com certeza o será!
    Feliz Natal Gizelda! Que essa data lhe seja doce e emotiva! Bj
    Vamn

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  2. Querida Vamn...
    saudades imensas de você de sua sensibilidade há muito explicitamente rabiscada em um prova.Lembro-me até da sua letra , no canto direito da última página e seu pedido de desculpas no final por tê-la escrito.
    Acho que a idade colocou em mim uma melancolia da qual não gosto, mas gostaria de não ter.
    Enfim, o ciclo da vida se renova e temos que aceitá-lo independente dos natais.
    Muitos beijos, querida.Que as luzes do Natal encaminhem seu 2012 para a realização de seus mais profundos anseios.
    Seja feliz e obrigada por estar aqui.

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  3. querida Gizelda,
    é, chegamos a uma altura da nossa vida em que o Natal já não é a mesma coisa e que, por + que façamosm achamos sempre que falta algo.
    eu, ao contrário de você se pudesse fugia desta época.Natal deve ser todos os dias e eu, cada vez mais, tenho horror ao socialmente correcto.
    amei o seu texto e concordo, com quem disse no seu comentário, que se tivesse recebido a bicicleta não escreveria textos tão bons.
    beijo-a no <3

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  4. Querida Gizelda

    A minha mãe também se partiu aos pouquinhos,pouco antes do Natal.Lúcida, cegou dum dos olhos( do outro não via quase nada) e procurava-me com as mãos. Ficávamos assim na ternura, numa quentura doce até que veio o frio de neve... Nunca mais senti o Natal. Decoro a casa,há doces,há tudo...e não há nada. Nessa noite ponho a mesa com o lugar dela e uma foto com vela. Sinto-a tão perto que dói. Do passado guardo duas meninas encantadas com o presépio e um pai que era a alegria personificada. Está tudo despido de tudo.A ibel é esta mulher a envelhecer na janela que dá para as traseiras da casa. Há uma outra que é alegre por fora.Degraus da minha casa que nunca mais subo... E tenho filha e marido, mas a que sou não me sinto na miragem dos dias.
    Como gostei do seu texto!

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  5. Gizelda, perguntei num outro post, por onde começo a ler Clarice Lispector? Alguma sugestão para iniciantes?

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  6. Querida Vanessa...

    Postei duas vezes em seu blog a resposta a essa pergunta e nas duas, quando digitei o código, o texto "voou".

    O ideal seria " A hora da estrela " , no qual ela criou um narrador masculino Rodrigo SM, seu alter-ego.Ela mergulha nas entranhas de Macabéa e faz com que a sigamos dentro de nós. Lindo.

    Também há uma coletânea de textos esparsos " Água - Viva" do seu período final de vida, reflexivo como tudo que el escreve.

    Depois que você abrir a cortina não tem volta, vai querer mais. " A Paixão segundo GH" é genial...ela, Clarice , é genial.

    Beijos, Feliz Natal... e , tenho certeza de que além de um Ano Novo muito feliz, ele será muito rico com uma viagem "para dentro" como vc nunca fez antes.

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  7. Obrigada!
    Vou embarcar na aventura!
    Bjs e Feliz Passagem para 2012!

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  8. Algumas privações nessa vida são inevitáveis. Por exemplo, queria tomar um café e comer uma generosa fática deste bolo xadrez que aqui vejo enquanto conversaríamos sobre a fé que colocou em meus passos quando eu ainda iniciava na blogagem. Obrigado por seu apoio, carinho e atenção. Ter sido o Top 3 me foi sim muito honroso. Mas ao ler seu comentário enchi-me de vontade de trabalhar para chegar ao Top 1 em 2012. Obrigado por tudo! Obrigado mesmo, doce e querida Gizelda!

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  9. Gizelda,
    Linda, esta partilha.
    Um Natal muito feliz


    Muito obrigada (por continuar presente, com palavras que animam e incitam, apesar da minha ausência)

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  10. ★* *★Feliz Natal★* *★
    beijos <3

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  11. Gizelda,
    Vim bater-lhe à porta para comer consigo uma fatia desse bolo xadrez. Posso?

    Um Feliz Natal!

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