É indiscutível reconhecer que o Natal me
emociona.
Quando a cidade se tinge de verdes e vermelhos e
o dourado se confunde com as luzes , sinto uma inefável sensação de prazer.
Desempacotar os enfeites cuidadosamente guardados e transformar minha casa em
novas cores e brilhos tem um sabor
especial. Mas, enquanto a casa vai se modificando, um lugarzinho da minha alma
permanece inquieto,incomodado.
Definitivamente falta algo, mas o quê?
Eu sei, mas procuro fugir da constatação. Passamos
o ano inteiro em “mesas de iguarias de Natal”, ganhamos presentes todos os
dias, esquecemo-nos de rezar e agradecer, só sabemos pedir e – o mais triste- a
família se dispersou.
Na minha infância / adolescência nunca houve
ceia. Íamos à Missa do Galo com a ansiedade do depois. E...reuniamo-nos diante
de um caprichado bolo xadrez que
havíamos “namorado” o dia inteiro, enquanto minha mãe temperava carnes, picava
legumes e tudo se transformava em uma mesa- de almoço - onde nada havia sido
feito “fora de casa”.
O cheiro do cipreste impregnava a casa toda,
havia um brilho especial nos olhos, mesmo não entendendo o porquê de nossos
Natais serem agraciados com presentes tão simples: uma caixa de bombons,um
livro de história...Em 1954 , ganhei um exemplar lindo : A Rainha das Neves , de
Andersen,embora estivesse longe do presente desejado, uma bicicleta que meu pai
não pode comprar.
Hoje,
posso comprar mais que uma, mas não a quero, quero meu pai, no Natal...mas ,
ele, já está encantado por aí.E o tender fica com o sabor da alegria dele que o apreciava tanto.
Quanto sabia eu da felicidade naquela época?
Minha mãe ainda vive (?) sem nem saber direito
que é Natal e para que serve.Está partindo aos pouquinhos diante dos nossos olhos.E continuo com o coração dividido : as filhas que
chegam, o presente das netas, os amigos que restaram, e a sensação dolorida de
que olhar para minha linda e enfeitada casa não é suficiente. O ruído da festa não preenche por
inteiro meu coração.Estou feliz pelo que tenho, mas nessa data sinto uma falta
imensa do que se foi e dos que se foram.
Definitivamente falta algo que eu nunca vou
poder comprar.
Lindo e triste Natal.
PS : A receita do bolo xadrez permaneceu intacta, mas os ingredientes principais foram-se ao sabor do tempo.
Gizelda.