segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Escrever é triste.





Hoje não escrevo
     
Chega um dia de falta de assunto. Ou, mais propriamente, de falta de apetite para os milhares de assuntos.
     Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, purê de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.
     O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego - às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira. Sim, senhor, que importância a sua: sentado aí, camisa aberta, sandálias, ar condicionado, cafezinho, dando sua opinião sobre a angústia, a revolta, o ridículo, a maluquice dos homens. Esquecido de que é um deles.
     Ah, você participa com palavras? Sua escrita - por hipótese - transforma a cara das coisas, há capítulos da História devidos à sua maneira de ajuntar substantivos, adjetivos, verbos? Mas foram os outros, crédulos, sugestionáveis, que fizeram o acontecimento. Isso de escrever O Capital é uma coisa, derrubar as estruturas, na raça, é outra. E nem sequer você escreveu O Capital. Não é todos os dias que se mete uma idéia na cabeça do próximo, por via gramatical. E a regra situa no mesmo saco escrever e abster-se. Vazio, antes e depois da operação.
     Claro, você aprovou as valentes ações dos outros, sem se dar ao incômodo de praticá-las. Desaprovou as ações nefandas, e dispensou-se de corrigir-lhe os efeitos. Assim é fácil manter a consciência limpa. Eu queria ver sua consciência faiscando de limpeza é na ação, que costuma sujar os dedos e mais alguma coisa. Ao passo que, em sua protegida pessoa, eles apenas se tisnam quando é hora de mudar a fita no carretel.
     E então vem o tédio. De Senhor dos Assuntos, passar a espectador enfastiado de espetáculo. Tantos fatos simultâneos e entrechocantes, o absurdo promovido a regra de jogo, excesso de vibração, dificuldade em abranger a cena com o simples par de olhos e uma fatigada atenção. Tudo se repete na linha do imprevisto, pois ao imprevisto sucede outro, num mecanismo de monotonia... explosiva. Na hora ingrata de escrever, como optar entre as variedades de insólito? E que dizer, que não seja invalidado pelo acontecimento de logo mais, ou de agora mesmo? Que sentir ou ruminar, se não nos concedem tempo para isso entre dois acontecimentos que desabam como meteoritos sobre a mesa? Nem sequer você pode lamentar-se pela incomodidade profissional. Não é redator de boletim político, não é comentarista internacional, colunista especializado, não precisa esgotar os temas, ver mais longe do que o comum, manter-se afiado como a boa peixeira pernambucana. Você é o marginal ameno, sem responsabilidade na instrução ou orientação do público, não há razão para aborrecer-se com os fatos e a leve obrigação de confeitá-los ou temperá-los à sua maneira. Que é isso, rapaz. Entretanto, aí está você, casmurro e indisposto para a tarefa de encher o papel de sinaizinhos pretos. Concluiu que não há assunto, quer dizer: que não há para você, porque ao assunto deve corresponder certo número de sinaizinhos, e você não sabe ir além disso, não corta de verdade a barriga da vida, não revolve os intestinos da vida, fica em sua cadeira, assuntando, assuntando...
     Então hoje não tem crônica.




Não importa a acidez, sempre vale a pena ler Drummond, porque mesmo em autocrítica ele é perfeito.Tem a chave da harmonia entre as palavrase o respeito e a admiração de quem o lê.


Hoje é o dia D...dia de homenagear o poeta que faria 109 anos.


Drummond por ele-mesmo,última entrevista, onde subjaz um quê de mágoa e desilusão:



— Não, eu não me considero um poeta popular, não tenho essa pretensão. Claro que eu gostaria de ser, mas o conceito de poeta popular é muito ligado aos meios de comunicação de massa. Eu não tenho acesso a eles, a televisão jamais me contrataria pra fazer um programa semanal... Ela me chama pra eu dar um depoimento quando faço oitenta anos, ou quando acontece algo relevante. Fora disso eles não me dão a menor importância, os critérios são outros. Agora, se eu fosse um compositor de samba, poderia ser um poeta popular no sentido de que a minha letra seria popular. Se eu fosse o Caetano Veloso, numa noite na televisão eu teria trinta milhões de telespectadores e venderia logo quinhentos mil discos. Essas são as contradições da cultura brasileira — acho que não só da brasileira, não.
(...)... Eu jamais teria uma coisa dessas no lançamento de um livro meu. Vai a televisão me filmar e o repórter pergunta: “Como é, poeta, está vendendo muito? Qual é o nome do seu último livro?”Quer dizer, nem o título do livro eles sabem... 

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Somos na história do universo uma piscadela, um calorzinho entre dois gelos.



“A natureza se realiza em movimento e também nós, seus filhos, que somos o que somos e ao mesmo tempo somos o que fazemos para mudar o que somos. Como dizia Paulo Freire, o educador que morreu aprendendo: “Somos andando”. A verdade está na viagem, não no porto. Não há mais verdade do que a busca da verdade. Estamos condenados ao crime? Bem sabemos que os bichos humanos andamos muito dedicados a devorar o próximo e a devastar o planeta, mas também sabemos que não estaríamos aqui se nossos remotos avós do paleolítico não tivessem sabido adaptar-se à natureza, da qual faziam parte, e não tivessem sido capazes de compartilhar o que colhiam e caçavam. Viva onde viva, viva como viva, viva quando viva, cada pessoa contém muitas pessoas possíveis e é o sistema de poder, que nada tem de eterno, que a cada dia convida para entrar em cena nossos habitantes mais safados, enquanto impede que os outros cresçam e os proíbe de aparecer. Embora estejamos malfeitos, ainda não estamos terminados; e é a aventura de mudar e de mudarmos que faz com que valha a pena esta piscadela que somos na história do universo, este fugaz calorzinho entre dois gelos”.
( os grifos são nossos)
Eduardo Galeano in De Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao Avesso 


O mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de transformá-la, a esquecer o passado ao invés de escutá-lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo: assim pratica o crime, assim o recomenda. Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de impotência, amnésia e resignação. Mas está visto que não há desgraça sem graça, nem cara que não tenha sua coroa, nem desalento que não busque seu alento. Nem tampouco há escola que não encontre sua contra-escola.”

O mesmo.


Textos para reflexão profunda, para incomodar o espírito, a consciência e  fazer-nos perceber que mudar é difícil, mas - às vezes - essencial. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Todos corrompem a alma para atingir bens fugazes..

Ser feliz é, afinal, não esperar muito da felicidade, ser feliz é ser simples, desambicioso, é saber dosear as aspirações até àquela medida que põe o que se deseja ao nosso alcance. Pegando de novo em Tolstoi, que vem sendo em mim um padrão tutelar, lembremos de novo um dos seus heróis, o príncipe Pedro Bezoukhov (do romance 'Guerra e Paz'). As circunstâncias fizeram-no conviver no cativeiro com um símbolo da sabedoria popular, um tal Karataiev. Pois esse companheirismo desinteressado e genuíno, esse encontro com a vida crua mas desmistificadora, não só modificaram o príncipe Pedro como lhe revelaram o que ele precisava de saber para atingir o que nós, pobres humanos, debalde perseguimos: a coerência, a pacificação interior, que são correctivos da desventura.


Tolstoi salienta-nos que Pedro, após essa vivência, apreendera, não pela razão mas por todo o seu ser, que o homem nasceu para a felicidade e que todo o mal provém não da privação mas do supérfluo, e que, enfim, não há grandeza onde não haja verdade e desapego pelo efémero. Isto, aliás, nos é repetido por outra figura de Tolstoi, a princesa Maria, ao acautelar-nos com esta síntese desoladora: «Todos lutam, sofrem e se angustiam, todos corrompem a alma para atingir bens fugazes».


Fernando Namora, in 'Sentados na Relva'
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo                                                            - mais nada.

Cecília Meirelles.


A vida tem a fugacidade  e a inconstância do vento. Infelizmente, nossa percepção não alcança essa realidade. Saber é insuficiente. O que se faz com o que se sabe, principalmente em relação á vida e á felicidade?Buscar o imponderável talvez seja o destino humano. Uma triste sina.

                      "Viver é muito perigoso" -Guimarães Rosa.









segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Amamos, tão somente,a ideia que fazemos de alguém.



"Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma idéia nossa. O onanista é objeto, mas, em exata verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.

As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio ato em que nos conhecemos, nos desconhecemos. 
Dizem os dois "amo-te" ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma idéia diferente, uma vida diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstracta de impressões que constitui a actividade da alma." 


Livro do Desassossego - Bernardo Soares




Mais do mesmo.Eu poderia postar Fernando Pessoa todos os dias até o último da minha vida e sempre estaria dizendo algo precioso, inusitado,imenso. Sinto inefável prazer em lê-lo e partilhá-lo com todos que conseguem ver poesia , mesmo quando ela não há.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Eu desejo impossivelmente o possível...



O que há em mim é sobretudo cansaço -
     Não disto nem daquilo,
     Nem sequer de tudo ou de nada:
     Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
     Cansaço.
    
A sutileza das sensações inúteis,
    As paixões violentas por coisa nenhuma,
    Os amores intensos por o suposto em alguém, 
    Essas coisas todas —
    Essas e o que falta nelas eternamente —;
    Tudo isso faz um cansaço,
    Este cansaço,
    Cansaço. 
   
 Há sem dúvida quem ame o infinito,
    Há sem dúvida quem deseje o impossível,
    Há sem dúvida quem não queira nada —
    Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
    Porque eu amo infinitamente o finito,
    Porque eu desejo impossivelmente o possível,
    Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, 
    Ou até se não puder ser... 
    
E o resultado?
    Para eles a vida vivida ou sonhada, 
    Para eles o sonho sonhado ou vivido,
    Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... 
    Para mim só um grande, um profundo,
    E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, 
    Um supremíssimo cansaço, 
    Íssimno, íssimo, íssimo,
    Cansaço...

Álvaro de Campos

Se eu tivesse que escolher uma personalidade de Fernando Pessoa, escolheria todas, porque felizmente ele é todos em um.Que maravilha poder partilhar de um universo,no qual esse homem existiu.


Quanto ao cansaço, assim mesmo : de tudo e de nada.É esse,também,o meu cansaço.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Raízes.Preciso delas para viver.



De vez em quando, sem querer, tenho uma aguda consciência do passado. Ele volta em flashes que persistem em permanecer, faz-se presença sólida no ar. Vejo pessoas, ouço vozes, revejo paisagens,sinto odores ou sabores , tenho uma necessidade absurda do “ de novo” ou ainda “ de um pouco mais”, uma vontade estúpida de reter o que já não existe.

Hoje,de maneira incomum, essa sensação me veio por uma música- The Platters entoava “Only You”- em algum lugar distante,o som abafado, mas tão perceptível que mesmo quando a música acabou, continuei a ouvi-la.

Lembrei-me de um amigo de juventude que já se foi.E com ele, vieram lembranças de outros que também partiram cedo demais, gente que fez parte da minha vida e que perdi nas curvas do caminho.Fui assaltada pela sutil percepção de que para eles- e para os que ficamos- a vida passou.

Senti necessidade de vasculhar gavetas de armários, caixas e laçarotes onde papeis amarelados e algumas fotos vivem ainda. Por que teimosamente os guardo? Talvez, se eu me desfizer deles, tenha a impressão de que aqueles momentos não foram reais e palpáveis.São testemunhos.

Esse meu amigo (por algum tempo,mais que isso), revi-o no caótico trânsito de uma tarde , na Avenida Paulista, em São Paulo. O carro dele emparelhou-se com o meu ; primeiro, a surpresa ( depois de tanto tempo! Quase 20 anos...), um sorriso, um aceno de mão e o sinal se abriu. Nenhuma palavra.E nós nos perdemos ali para sempre .Nunca mais nos vimos e quando soube dele há pouco, a notícia era de que ele partira...Apaguei, na hora, inconscientemente a notícia, porque me incomodou e ela voltou -agora-viva e contundente, sob acordes de melodia e letra de um sucesso de ontem.

Poderia ter-lhe perguntado , pelo menos, se ele estava feliz.O que fazia. Se os seus sonhos tinham,alguns deles,se concretizado...Não o fiz. Será que ele teria gostado de ter-me dito algo também? Nunca vou saber...Ficaram apenas um aceno e um silencioso sorriso.

Na verdade,  achamo-nos imortais e deixamos sempre que passem grandes oportunidades de pequenos atos cotidianos. Uma palavra,talvez um abraço, um carinho...Que pena!

É ,foi isso ,amigo. Assim você voltou para mim, hoje.Em notas musicais.E foi bom...e foi bonito, mesmo dolorido.

Quem sabe você não está por aí, ouvindo a mesma música? Quem sabe...

...até um dia!

Valinhos , 19 de junho de 2003.

Não...dessa vez o texto não estava em uma agenda, e sim em um papel cuidadosamente dobrado em uma caixa de fotos antigas, daquelas que transpiram saudades.De quantas dessas preciosidades minha vida é feita? Inúmeras. Raízes...é isso.Preciso delas para viver.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

in Sonhos de uma Noite de Verão.




Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão.
Mas no fundo isso não tem muita importância.
O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos.
Sonhos que o homem sonha sempre.
Em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado."


( Shakespeare )



Atemporal.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Seja um professor! Simples assim...


Seja um professor!

Assim mesmo, no imperativo, como se alguém pudesse ordenar (?) a outro a “ tarefa” de ser professor!( não encontrei um verbo adequado para explicar isso).
Explico-me: casualmente, ao garimpar textos para uma aula de redação, deparei-me com esse título no Google e surpresa fiquei ao perceber que era um site do MEC, oficial.
http://sejaumprofessor.mec.gov.br/internas.php?area=como&id=perfil

Até aí, nada demais. Passou pela minha cabeça deixar de vasculhar os tópicos propostos para pesquisa , mas atraída por eles, perfil, incentivo, carreira e outros, deparei-me com requisitos , que transcrevo aqui, "ipsis literis" :

Podem lecionar nos Ensinos Fundamental e Médio das escolas de Educação Básica, os graduados em licenciaturas e Pedagogia. Na Educação Infantil (creches e pré-escolas) e nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental, admitem-se professores com formação mínima de nível médio, na modalidade normal. Porém, o projeto de lei 5.395/09, que tramita no Congresso Nacional, prevê que apenas a Educação Infantil admita professores com formação mínima de nível médio, na modalidade normal.

Para ingressar como professor de qualquer instituto federal, basta apenas a graduação. Entretanto, o plano de carreira prevê uma retribuição por titulação, que aumenta o salário caso o professor tenha mestrado, doutorado ou mesmo especialização.

Os docentes das universidades federais precisam ter ao menos grau de mestre, para concorrerem aos cargos dos concursos, pois atuam especificamente no Ensino Superior. As carreiras das instituições federais também prevêem aumento de salário caso o professor aumente sua titulação.

( os grifos são nossos)
Só isso? São esses os requisitos para ser um professor?Titulação e carreira para aumentar salário?Confesso, fiquei e estou atônita:

Indiscutível que a docência necessita de graduação, competência, habilidades ,como para muitos outros trabalhos, aliás. Mas, professor não pode ser apenas um “ dador” de aulas. 
É preciso doar-se todos os dias, porque para transitar entre seres humanos( não só alunos) em formação é preciso sensibilidade , empenho, abrir-se aos estudos todos os dias, aprender muito mais do que ensinar...É necessário amor, ainda que se considere o baixo salário, a carreira , como, de novo, em qualquer profissão...

Simples assim. Seja um professor! Mostre seus diplomas, seus créditos e transforme-se em um.Será que é isso mesmo? Ou estou absoleta? Creio que não. Convivo com alguns professores excelentes e frustrados por n motivos.
Talvez um dos mais sérios problemas pelos quais passa a Educação no Brasil seja o descaso com que professores são tratados.É surpreendente constatar que os alunos, ao buscarem uma profissão, fogem do magistério porque o consideram “menor” na escala social / profissional.Não percebem que , seja em que profissões escolherem,ou o sucesso/ dinheiro que possuírem, 20 anos depois serão parte de uma família, à procura de uma boa escola para seus filhos. Quem a faz? Não são prédios,paredes,jardins...Não são os apetrechos tecnológicos. Estes só terão funcionalidade se um bom professor estiver por trás deles, complementando-os.

Assim, devo confessar que sou uma advogada que deixou de sê-lo, porque preferiu ser professora – há exatos 45 anos. Em torno de mim,amealhei pessoas( alunos, por um tempo...) e histórias suficientes para preencher livros. Algumas encantadoras, outras comoventes e ainda as muito tristes, mas todas reconhecidas como parte do que já vivi , intangíveis.

Não raro, quando me sinto sozinha ,rememoro alguns fatos ,e sinto-me povoada de pessoinhas adoráveis que passaram por mim, cresceram, sonham, produzem, dedicam-se à inefável aventura de viver e construir a si próprios e o mundo.Então acho que minha vida valeu a pena.

Resumindo : não quero ser nada além do que fui e do que sou, uma professora- ainda!- e apesar de...cujos requisitos vão muito além dos solicitados pelo MEC, graças a Deus!



15 de Outubro : Dia do professor  .

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O passado tem um rosto...



Estudemos as coisas que já não existem. É necessário conhecê-las, ainda que não seja senão para as evitar. As contrafações do passado tomam nomes falsos e gostam de chamar-se o futuro. Esta alma do outro mundo, o passado, é atreita a falsificar o seu passaporte. Precatemo-nos contra o laço, desconfiemos dela. O passado tem um rosto, que é a superstição, e uma máscara, que é a hipocrisia. Denunciem-lhe o rosto e arranquem-lhe a máscara.
Victor Hugo, in Os Miseráveis


Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades. Conhecendo o que tem sido a minha vida até hoje — tantas vezes e em tanto o contrário do que eu a desejara —, que posso presumir da minha vida de amanhã senão que será o que não presumo, o que não quero, o que me acontece de fora, até através da minha vontade? Nem tenho nada no meu passado que relembre com o desejo inútil de o repetir. Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim. O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.
Bernardo Soares in " O Livro do Desassossego"


Gostaria de não ter lembranças, nem saudades...ser um livro de páginas translúcidas que se renovasse a cada dia.Gostaria...


domingo, 9 de outubro de 2011

Uma lucidez vazia é perigosa ?



Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

Clarice Lispector


E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma,e não me alcanço...esse é o abismo da negação. Como transpô-lo?

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Você tem que acreditar em alguma coisa...Steve Jobs



Uma pequena homenagem para um grande homem. Mais do que tecnologia de ponta, lição de vida.
Discurso de Steve Jobs, o criador da Apple, para os formandos da Universidade de Stanford /2005
Por Steve Jobs
Estou honrado de estar aqui, na formatura de uma das melhores universidades do mundo. Eu nunca me formei na universidade. Que a verdade seja seja dita, isso é o mais perto que eu já cheguei de uma cerimônia de formatura. Hoje, eu gostaria de contar a vocês três histórias da minha vida. E é isso. Nada demais. Apenas três histórias.
A primeira história é sobre ligar os pontos
Eu abandonei o Reed College depois de seis meses, mas fiquei enrolando por mais dezoito meses antes de realmente abandonar a escola. E por que eu a abandonei?
Tudo começou antes de eu nascer. Minha mãe biológica era uma jovem universitária solteira que decidiu me dar para a adoção. Ela queria muito que eu fosse adotado por pessoas com curso superior. Tudo estava armado para que eu fosse adotado no nascimento por um advogado e sua esposa. Mas, quando eu apareci, eles decidiram que queriam mesmo uma menina. Então meus pais, que estavam em uma lista de espera, receberam uma ligação no meio da noite com uma pergunta: “Apareceu um garoto. Vocês o querem?” Eles disseram: “É claro.” Minha mãe biológica descobriu mais tarde que a minha mãe nunca tinha se formado na faculdade e que o meu pai nunca tinha completado o ensino médio. Ela se recusou a assinar os papéis da adoção. Ela só aceitou meses mais tarde quando os meus pais prometeram que algum dia eu iria para a faculdade.
E, 17 anos mais tarde, eu fui para a faculdade. Mas, inocentemente escolhi uma faculdade que era quase tão cara quanto Stanford. E todas as economias dos meus pais, que eram da classe trabalhadora, estavam sendo usados para pagar as mensalidades. Depois de 6 meses, eu não podia ver valor naquilo. Eu não tinha idéia do que queria fazer na minha vida e menos idéia ainda de como a universidade poderia me ajudar naquela escolha. E lá estava eu gastando todo o dinheiro que meus pais tinham juntado durante toda a vida. E então decidi largar e acreditar que tudo ficaria OK. Foi muito assustador naquela época, mas olhando para trás foi uma das melhores decisões que já fiz. No minuto em que larguei, eu pude parar de assistir às matérias obrigatórias que não me interessavam e comecei a frequentar aquelas que pareciam interessantes.
Não foi tudo assim romântico. Eu não tinha um quarto no dormitório e por isso eu dormia no chão do quarto de amigos. Eu recolhia garrafas de Coca-Cola para ganhar 5 centavos, com os quais eu comprava comida. Eu andava 11 quilômetros pela cidade todo domingo à noite para ter uma boa refeição no templo hare-krishna. Eu amava aquilo. Muito do que descobri naquele época, guiado pela minha curiosidade e intuição, mostrou-se mais tarde ser de uma importância sem preço.
Vou dar um exemplo: o Reed College oferecia naquela época a melhor formação de caligrafia do país. Em todo o campus, cada poster e cada etiqueta de gaveta eram escritas com uma bela letra de mão. Como eu tinha largado o curso e não precisava frequentar as aulas normais, decidi assistir as aulas de caligrafia. Aprendi sobre fontes com serifa e sem serifa, sobre variar a quantidade de espaço entre diferentes combinações de letras, sobre o que torna uma tipografia boa. Aquilo era bonito, histórico e artisticamente sutil de uma maneira que a ciência não pode entender. E eu achei aquilo tudo fascinante.
Nada daquilo tinha qualquer aplicação prática para a minha vida. Mas 10 anos mais tarde, quando estávamos criando o primeiro computador Macintosh, tudo voltou. E nós colocamos tudo aquilo no Mac. Foi o primeiro computador com tipografia bonita. Se eu nunca tivesse deixado aquele curso na faculdade, o Mac nunca teria tido as fontes múltiplas ou proporcionalmente espaçadas. E considerando que o Windows simplesmente copiou o Mac, é bem provável que nenhum computador as tivesse. Se eu nunca tivesse largado o curso, nunca teria frequentado essas aulas de caligrafia e os computadores poderiam não ter a maravilhosa caligrafia que eles têm. É claro que era impossível conectar esses fatos olhando para a frente quando eu estava na faculdade. Mas aquilo ficou muito, muito claro olhando para trás 10 anos depois.
De novo, você não consegue conectar os fatos olhando para frente. Você só os conecta quando olha para trás. Então tem que acreditar que, de alguma forma, eles vão se conectar no futuro. Você tem que acreditar em alguma coisa – sua garra, destino, vida, karma ou o que quer que seja. Essa maneira de encarar a vida nunca me decepcionou e tem feito toda a diferença para mim.
Minha segunda história é sobre amor e perda.
Eu tive sorte porque descobri bem cedo o que queria fazer na minha vida. Woz e eu começamos a Apple na garagem dos meus pais quando eu tinha 20 anos. Trabalhamos duro e, em 10 anos, a Apple se transformou em uma empresa de 2 bilhões de dólares e mais de 4 mil empregados. Um ano antes, tínhamos acabado de lançar nossa maior criação – o Macintosh – e eu tinha 30 anos. E aí fui demitido. Como é possível ser demitido da empresa que você criou? Bem, quando a Apple cresceu, contratamos alguém para dirigir a companhia. No primeiro ano, tudo deu certo, mas com o tempo nossas visões de futuro começaram a divergir. Quando isso aconteceu, o conselho de diretores ficou do lado dele. O que tinha sido o foco de toda a minha vida adulta tinha ido embora e isso foi devastador. Fiquei sem saber o que fazer por alguns meses. Senti que tinha decepcionado a geração anterior de empreendedores. Que tinha deixado cair o bastão no momento em que ele estava sendo passado para mim. Eu encontrei David Peckard e Bob Noyce e tentei me desculpar por ter estragado tudo daquela maneira. Foi um fracasso público e eu até mesmo pensei em deixar o Vale [do Silício]. Mas, lentamente, eu comecei a me dar conta de que eu ainda amava o que fazia. Foi quando decidi começar de novo.
Não enxerguei isso na época, mas ser demitido da Apple foi a melhor coisa que podia ter acontecido para mim. O peso de ser bem sucedido foi substituído pela leveza de ser de novo um iniciante, com menos certezas sobre tudo. Isso me deu liberdade para começar um dos períodos mais criativos da minha vida.
Durante os cinco anos seguintes, criei uma companhia chamada NeXT, outra companhia chamada Pixar e me apaixonei por uma mulher maravilhosa que se tornou minha esposa. Pixar fez o primeiro filme animado por computador, Toy Story, e é o estúdio de animação mais bem sucedido do mundo. Em uma inacreditável guinada de eventos, a Apple comprou a NeXT, eu voltei para a empresa e a tecnologia que desenvolvemos nela está no coração do atual renascimento da Apple. E Lorene e eu temos uma família maravilhosa.
Tenho certeza de que nada disso teria acontecido se eu não tivesse sido demitido da Apple. Foi um remédio horrível, mas eu entendo que o paciente precisava. Às vezes, a vida bate com um tijolo na sua cabeça. Não perca a fé. Estou convencido de que a única coisa que me permitiu seguir adiante foi o meu amor pelo que fazia. Você tem que descobrir o que você ama. Isso é verdadeiro tanto para o seu trabalho quanto para com as pessoas que você ama. Seu trabalho vai preencher uma parte grande da sua vida, e a única maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz. Se você ainda não encontrou o que é, continue procurando. Não sossegue. Assim como todos os assuntos do coração, você saberá quando encontrar. E, como em qualquer grande relacionamento, só fica melhor e melhor à medida que os anos passam. Então continue procurando até você achar. Não sossegue.
Minha terceira história é sobre morte.
Quando eu tinha 17 anos, li uma frase que era algo assim: “Se você viver cada dia como se fosse o último, um dia ele realmente será o último”. Aquilo me impressionou, e desde então, nos últimos 33 anos, eu olho para mim mesmo no espelho toda manhã e pergunto: “Se hoje fosse o meu último dia, eu gostaria de fazer o que farei hoje?” E se a resposta é “não” por muitos dias seguidos, sei que preciso mudar alguma coisa.
Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões. Porque quase tudo -  expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar – caem diante da morte, deixando apenas o que é apenas importante. Não há razão para não seguir o seu coração. Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração.
Há um ano, eu fui diagnosticado com câncer. Era 7h30 da manhã e eu tinha uma imagem que mostrava claramente um tumor no pâncreas. Eu nem sabia o que era um pâncreas. Os médicos me disseram que aquilo era certamente um tipo de câncer incurável, e que eu não deveria esperar viver mais de 3 a 6 semanas.
Meu médico me aconselhou a ir para casa e arrumar minhas coisas – que é o código dos médicos para “preparar para morrer”. Significa tentar dizer às suas crianças em alguns meses tudo aquilo que você pensou ter os próximos 10 anos para dizer. Significa dizer seu adeus. Eu vivi com aquele diagnóstico o dia inteiro. Depois, à tarde, eu fiz uma biópsia, em que eles enfiaram um endoscópio pela minha garganta abaixo, através do meu estômago e pelos intestinos.
Colocaram uma agulha no meu pâncreas e tiraram algumas células do tumor. Eu estava sedado, mas minha mulher, que estava lá, contou que quando os médicos viram as células em um microscópio, começaram a chorar. Era uma forma muito rara de câncer pancreático que podia ser curada com cirurgia. Eu operei e estou bem. Isso foi o mais perto que eu estive de encarar a morte e eu espero que seja o mais perto que vou ficar pelas próximas décadas. Tendo passado por isso, posso agora dizer a vocês, com um pouco mais de certeza do que quando a morte era um conceito apenas abstrato: ninguém quer morrer.
Até mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem morrer para chegar lá. Ainda assim, a morte é o destino que todos nós compartilhamos. Ninguém nunca conseguiu escapar. E assim é como deve ser, porque a morte é muito provavelmente a principal invenção da vida. É o agente de mudança da vida. Ela limpa o velho para abrir caminho para o novo. Nesse momento, o novo é você. Mas algum dia, não muito distante, você gradualmente se tornará um velho e será varrido. Desculpa ser tão dramático, mas isso é a verdade.
O seu tempo é limitado, então não o gaste vivendo a vida de um outro alguém. Não fique preso pelos dogmas, que é viver com os resultados da vida de outras pessoas. Não deixe que o barulho da opinião dos outros cale a sua própria voz interior. E o mais importante: tenha coragem de seguir o seu próprio coração e a sua intuição. Eles de alguma maneira já sabem o que você realmente quer se tornar. Todo o resto é secundário. Quando eu era pequeno, uma das bíblias da minha geração era o Whole Earth Catalog. Foi criado por um sujeito chamado Stewart Brand em Menlo Park, não muito longe daqui. Ele o trouxe à vida com seu toque poético. Isso foi no final dos anos 60, antes dos computadores e dos programas de paginação. Então tudo era feito com máquinas de escrever, tesouras e câmeras Polaroid. Era como o Google em forma de livro, 35 anos antes do Google aparecer. Era idealista e cheio de boas ferramentas e noções.
Stewart e sua equipe publicaram várias edições de The Whole Earth Catalog e, quando ele já tinha cumprido sua missão, eles lançaram uma edição final. Isso foi em meados de 70 e eu tinha a idade de vocês. Na contracapa havia uma fotografia de uma estrada de interior ensolarada, daquele tipo onde você poderia se achar pedindo carona se fosse aventureiro. Abaixo, estavam as palavras: “Continue com fome, continue tolo”. Foi a mensagem de despedida deles. Continue com fome. Continue tolo. E eu sempre desejei isso para mim mesmo. E agora, quando vocês se formam e começam de novo, eu desejo isso para vocês. Continuem com fome. Continuem tolos.
Obrigado.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Tempo de escolha, de dúvida e de dor.




Post dedicado a milhares de jovens que passaram e passam por mim .
Alguns , hoje bem sucedidos, outros nessa encruzilhada dolorida que se chama vestibular,ainda outros lutando para a aceitar algo que escolheram equivocadamente como profissão.
Essa fase do ano é difícil. Gostaria de ter uma carta premiada escondida na manga e tirá-los da angústia., fazer desaparecer o véu que embaça seus olhos, alargar seus sorrisos...
Há muito tempo, muito mesmo,convivo com eles nessa dolorida fase de suas vidas.Tempo de escolha.Ou melhor, uma das escolhas, porque temos que fazê-las sempre, durante toda a vida.As horas, dias, meses, anos transcorreram, mas descobri há muito que não consigo vê-los como alunos e , sim, como pessoas que procuram desesperadamente respostas para perguntas que eles nem sabem formular.As vezes, como hoje, isso me incomoda. Gostaria de ajudá-los...
Como convencê-los de que tudo é reversível? Como convencê-los de que a vida não é uma reta e não há, portanto, certeza sobre nada que está lá na frente? Como mostrar-lhes que sempre é tempo de mudar e fazê-los acreditar nisso? Uma tarefa hercúlea que parece não ter sucesso.E, não obstante, não diz respeito apenas à educação e vestibulares, mas a arte de viver .A arte de crescer como ser humano através de dores e experiências.
A vida é uma só e quando  a percebemos , ela está no fim. O que pais  querem  é que sejam felizes.É para isso que a gente vive, constrói, chora, sorri e trabalha durante toda o tempo.


Há alguém que soube perfeitamente escrever sobre isso : Rubem Alves.
Vale a pena ler, reler e meditar sobre esse texto:

Muito cedo para decidir
Rubem Alves

Gandhi se casou menino. Foi casado menino. O contrato, foram os grandes que assinaram. Os dois nem sabiam direito o que estava acontecendo, ainda não haviam completado 10 anos de idade, estavam interessados em brincar. Ninguém era culpado: todo mundo estava sendo levado de roldão pelas engrenagens dessa máquina chamada sociedade, que tudo ignora sobre a felicidade e vai moendo as pessoas nos seus dentes. Os dois passaram o resto da vida se arrastando, pesos enormes, cada um fazendo a infelicidade do outro.
Vocês dirão que felizmente esse costume nunca existiu entre nós: obrigar crianças que nada sabem a entrar por caminhos nos quais terão de andar pelo resto da vida é coisa muito cruel e... burra! Além disso já existe entre nós remédio para casamento que não dá certo.
Antigamente, quando se queria dizer que uma decisão não era grave e podia ser desfeita, dizia-se: "isso não é casamento!". Naquele tempo, sim, casamento era decisão irremediável, para sempre, até que a morte os separasse, eterna comunhão de bens e comunhão de males. Mas agora os casamentos fazem-se e desfazem-se até mesmo contra a vontade do Papa, e os dois ficam livres para começar tudo de novo...
Pois dentro de poucos dias vai acontecer com nossos adolescentes coisa igual ou pior do que aconteceu com o Gandhi e a mulher dele, e ninguém se horroriza, ninguém grita, os pais até ajudam, concordam, empurram, fazem pressão, o filho não quer tomar a decisão, refuga, está com medo. "Tomar uma decisão para o resto da minha vida, meu pai! Não posso agora!" e o pai e a mãe perdem o sono, pensando que há algo errado com o menino ou a menina, e invocam o auxílio de psicólogos para ajudar...
Está chegando para muitos o momento terrível do vestibular, quando vão ser obrigados por uma máquina, do mesmo jeito como o foram Gandhi e Casturbai (era esse o nome da menina), a escrever num espaço em branco o nome da profissão que vão ter.
Do mesmo jeito não: a situação é muito mais grave. Porque casar e descasar são coisas que se resolvem rápido. Às vezes, antes de se descasar de uma ou de um, a pessoa já está com uma outra ou um outro. Mas, com a profissão não tem jeito de fazer assim. Pra casar, basta amar.
Mas na profissão, além de amar tem de saber. E o saber leva tempo pra crescer.
A dor que os adolescentes enfrentam agora é que, na verdade, eles não têm condições de saber o que é que eles amam. Mas a máquina os obriga a tomar uma decisão para o resto da vida, mesmo sem saber.
Saber que a gente gosta disso e gosta daquilo é fácil. O difícil é saber qual, dentre todas, é aquela de que a gente gosta supremamente. Pois, por causa dela, todas as outras terão de ser abandonadas. A isso que se dá o nome de "vocação"; que vem do latim, vocare, que quer dizer "chamar". É um chamado, que vem de dentro da gente, o sentimento de que existe alguma coisa bela, bonita e verdadeira à qual a gente deseja entregar a vida.
Entregar-se a uma profissão é igual a entrar para uma ordem religiosa. Os religiosos, por amor a Deus, fazem votos de castidade, pobreza e obediência. Pois, no momento em que você escrever a palavra fatídica no espaço em branco, você estará fazendo também os seus votos de dedicação total á sua ordem. Cada profissão é uma ordem religiosa, com seus papas, bispos, catecismos, pecados e inquisições.
Se você disser que a decisão não é tão séria assim , que o que está em jogo é só o aprendizado de um ofício para se ganhar a vida e, possivelmente, ficar rico, eu posso até dizer: "Tudo bem! Só que fico com dó de você! Pois não existe coisa mais chata que trabalhar só para ganhar dinheiro."
É o mesmo que dizer que, no casamento, amar não importa. Que o que importa é se o marido — ou a mulher — é rico. Imagine-se agora, nessa situação: você é casado ou casada, não gosta do marido ou da mulher, mas é obrigado a, diariamente, fazer carinho, agradar e fazer amor. Pode existir coisa mais terrível que isso? Pois é a isso que está obrigada uma pessoa, casada com uma profissão sem gostar dela. A situação é mais terrível que no casamento, pois no casamento sempre existe o recurso de umas infidelidades marginais. Mas o profissional, pobrezinho, gozará do seu direito de infidelidade com que outra profissão?
Não fique muito feliz se o seu filho já tem idéias claras sobre o assunto. Isso não é sinal de superioridade. Significa, apenas, que na mesa dele há um prato só. Se ele só tem nabos cozidos para comer, é claro que a decisão já está feita: comerá nabos cozidos e engordará com eles. A dor e a indecisão vêm quando há muitos pratos sobre a mesa e só se pode escolher um.
Um conselho aos pais e aos adolescentes: não levem muito a sério esse ato de colocar a profissão naquele lugar terrível. Aceitem que é muito cedo para uma decisão tão grave. Considerem que é possível que vocês, daqui a um ou dois anos, mudem de ideia. Eu mudei de idéia várias vezes, o que me fez muito bem. Se for necessário, comecem de novo. Não há pressa. Que diferença faz receber o diploma um ano antes ou um ano depois?
Em tudo isso o que causa a maior ansiedade não é nada sério: é aquela sensação boba que domina pais e filhos de que a vida é uma corrida e que é preciso sair correndo na frente para ganhar. Dá uma aflição danada ver os outros começando a corrida, enquanto a gente fica para trás.
Mas a vida não é uma corrida em linha reta. Quando se começa a correr na direção errada, quanto mais rápido for o corredor, mais longe ele ficará do ponto de chegada. Lembrem-se daquele maravilhoso aforismo de T. S. Eliot: "Num país de fugitivos os que andam na direção contrária parecem estar fugindo."
Assim, Raquel, não se aflija. A vida é uma ciranda com muitos começos.
Coloque lá a profissão que você julgar a mais de acordo com o seu coração, sabendo que nada é definitivo. Nem o casamento. Nem a profissão. E nem a própria vida...
O escritor responde a uma estudante angustiada e dá aos pais motivos para meditarem sobre a escolha da profissão.

O texto acima foi extraído do livro "Estórias de quem gosta de ensinar — O fim dos Vestibulares", editora Ars Poetica — São Paulo, 1995, pág. 31.

( os grifos são meus)