domingo, 25 de setembro de 2011

A beleza, como o amor, são mistérios proibidos


Nunca fui tão feliz como durante essas noites. Fechava os olhos e via-a dentro de mim. A mulher mais bonita do mundo. E ia conhecendo mais do seu rosto, ia conhecendo mais do seu olhar que me via e que brilhava. Ficávamos durante horas só a olharmos um para o outro. Às vezes, fechava os olhos para a ver quando era de noite. Depois, havia uma luz que começava lentamente a atravessar-me as pálpebras. Abria os olhos, e era já de dia. Naquelas horas, conhecemo-nos. Eu via uma mulher que me olhava: os seus olhos atentos a cada brilho com que os meus olhos interiores lhe diziam que qualquer coisa na beleza ou no mundo me conduzia para ela. Naquelas horas, sem falarmos, construíram-se certezas dentro de nós. Ainda hoje o não sei explicar. A beleza, como o amor, são mistérios proibidos. Naquelas horas, a beleza e o amor eram simples. Nos nossos olhares, abriam-se caminhos para a beleza e para o amor. Eu olhava para ela no mesmo momento em que ela olhava para mim. Esse era o mistério, o milagre, o labirinto simples que usámos para nos conhecermos e para dizermos palavras de silêncio: palavras maiores, profundas, abismos, palavras que eram de sangue e que ali, eu um rapaz, ela uma rapariga, pareciam palavras de sol terno, e de sol suave, e de sol brando. Sei hoje que, durante aquele tempo, amava e era amado. Durante aquele tempo, a beleza da mulher de luz que estava dentro de mim, tinha-se misturado com esse sentimento. Esse sentimento. Esse sentimento que era um entusiasmo a mandar em todos os meus instantes, uma febre de onde não conseguia sair mesmo que quisesse, esse sentimento que era uma palavra: amor: uma palavra estranha porque era importante, eu achava que era uma palavra importante, mas sabia que era uma palavra que eu, desde os meus dezesseis anos, tinha tornado vulgar. Esse sentimento que era uma palavra, e eu perguntava-me a mim próprio sobre quantas pessoas a teriam tornado vulgar. Eu sentia que sentia totalmente esse sentimento. Amava e era amado.

 Uma Casa na Escuridão : José Luís Peixoto.

Um texto absolutamente suave, como se possível viver sempre assim.Mas...O texto plácido esconde surpresas de medo , apreensão, dor,enfim...não é fácil viver.

“O tempo passa depressa quando queremos sentir cada instante. O tempo passa lentamente quando se espera. O tempo passa ainda mais lentamente quando já não se espera nada, quando já não há nada a esperar.” 

A poesia de Uma Casa na Escuridão é atroz, de sofrimento continuado e exerce uma carga de tristeza imensa.O narrador vive um amor impossível: ama uma mulher que vive no seu interior e só consegue tocar-la pela escrita, noite após noite. A casa na escuridão dentro da escuridão é habitada por montes de gatos, pelo narrador, a mãe e a escrava . Há o amor e as palavras de amor: puro, verdadeiro, despido e por isso impossível de ser vivido. Não são só palavras melodiosas, amor e palavras de amor: há a dor, brutal e cruel.Há mais, medo dentro do medo.

Simplesmente imperdível.

2 comentários:

  1. Leituras assim, carregadas de magias, são necessárias a nossas VIDAS.
    Grande abraço

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  2. Como estou a precisar de ler um livro assim. De viver uma paixão assim, ainda que seja apenas dentro de mim. Obrigada pela sugestão!

    Um beijinho

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