domingo, 31 de julho de 2011

Todos os caminhos conduzem ao mesmo fim.



A morte é nossa eterna companheira. Ela está sempre à nossa esquerda, ao alcance do nosso braço. A morte é a única conselheira sábia que temos. Sempre que você sentir, como sempre acontece, que tudo está errado, e que você está pronto a ser aniquilado, volte-se para a sua morte e pergunte-lhe se assim é. Sua morte lhe dirá que você está errado. Nada realmente importa, a não ser o seu toque. Sua morte lhe dirá: "Ainda não o toquei" Há uma estranha, devoradora felicidade, quando agimos na total convicção de que. qualquer que seja a coisa que estamos fazendo, esta pode muito bem ser a nossa última batalha sobre a terra. 
Que caminho escolher?  Não importa. Todos os caminhos conduzem ao mesmo fim. Por isso é importante escolher o caminho do amor.” 

Carlos Castañeda, Viagem a Ixtlan((Palavras do bruxo D. Juan)

sexta-feira, 29 de julho de 2011

E à surpresa segue-se a nostalgia.


‘Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim, todas as tardes nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado, feito de tijolos e de tempo urbano. De repente, num dia qualquer, a rua dá para um outro mundo, o jardim acaba de nascer, o muro fatigado se cobre de signos. Nunca os tínhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim: tanto e tão esmagadoramente reais. Sua própria realidade compacta nos faz duvidar: são assim as coisas ou são de outro modo? Não, isto que estamos vendo pela primeira vez, já havíamos visto antes. Em algum lugar, no qual nunca estivemos, já estavam o muro, a rua, o jardim. E à surpresa segue-se a nostalgia. Parece que nos recordamos e queríamos voltar para lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiquíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá. Um sopro nos golpeia a fronte. Adivinhamos que somos de outro mundo...’ 

Octávio Paz


Difícil expor esse texto sem pensar em mim, sem intuir o porquê do meu desassossego. Acredito, concretamente,que sou de “outro mundo”.
O jardim, o muro, os tijolos, tudo permanece, ali, menos eu ,que não consigo vê-los na 
minha realidade.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Do viajar.


 (Elogio da Sombra,1969)
Nunca haverá uma porta. Estás cá dentro 
E a fortaleza abarca o universo 
E não possui anverso nem reverso 
Nem externo muro nem secreto centro. 
Não esperes que o rigor do teu caminho 
Que obstinado se bifurca noutro, 
E obstinado se bifurca noutro, 
Tenha fim. É de ferro o teu destino 
Como o juiz. Não esperes a investida 
Do touro que é um homem, cuja estranha 
Forma plural dá horror à maranha 
De interminável pedra entretecida. 
Não existe evasão. Nada te espera. 
Nem no negro crepúsculo a fera. 


 Júlio Cortazar  


Entrar num labirinto é enveredar por suas bifurcações, encruzilhadas, sinuosidades, simetrias, conexões que podem nos levar a um lugar que não era exatamente aquele que esperávamos, desejávamos ou imaginávamos. A experiência com o labirinto é o caminhar. É a travessia. É a metáfora da viagem...para dentro.

domingo, 24 de julho de 2011

Um indizível cheiro de saudade.


Férias...enfim.
Época de arrumar os armários e colocar a casa – e a vida – em dia. Certo? Não. Errado. Quanto mais tempo temos disponível,menos realizamos. Fica para amanhã! e o amanhã nunca chega.
Assim, é domingo poeirento, último dia das minhas curtas férias  e resolvi fazer , hoje, o que deveria ter sido feito em  duas semanas.
O resultado foi glorioso.
A cada gaveta esmiuçada, a cada prateleira revolvida,a cada porta que se abriu, um mundo se descortinou. Minha vida foi sendo exposta em papeizinhos, flores secas, fotos , bilhetinhos ,brincos quebrados, roupas antigas,e tantas outras quinquilharias, cada uma com sua história, na verdade a MINHA história.
Um indizível cheiro de saudade.
Olho uma foto-montagem onde estou de braços dados com Machado de Assis (pode?)e vejo um aluno especial no baile de formatura.Ao lado, um porta-retrato estampa em letras garrafais um “ Eu te amo”e algumas dedicatórias assumem rostos e presenças queridas. Vejo salas do terceiro ano em Vinhedo, Piracicaba, São Paulo, Sousas,com uma nitidez que- quase - posso tocar as pessoas que ali sorriem.
Revisto uma caixa de fotos antigas, de quando? Não importa : são minhas filhas, pequenas, lindas , preciosas.Meus avós, tios,primos, alguns  já encantados.E as recordações fluem aos borbotões incontroláveis, com uma grandiosidade avassaladora.
Quantos mil adolescentes passaram por mim nesses anos...Estão longe e tão perto!Por quantos lugares andei, quantos momentos inesquecíveis, bons e maus.

Olho para a profusão de coisas, meio incrédula.Não há nada, nada mesmo de que eu queira me desfazer. Toda essa “tralha” é testemunho da minha vida.  Não a passei em brancas nuvens. Vivi tudo. Sofri muito, mas tive uma certeza: no caminho percorrido meu saldo é positivo. Para mim, claro!
Meus armários voltam à “bagunça” inicial. Quando eu me for, tudo isso será lixo, mas , nesse momento são histórias vividas, sentidas e muito acesas na minha memória e no meu coração.
Volto à sala de aula -amanhã- com a certeza de que quero estar lá, que minha história ainda não terminou...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce.



 Ouvindo esta frase, imaginei qualquer pessoa nessa acrobacia que as crianças fazem ou tentam fazer: escalar aqueles degraus que nos puxam inexoravelmente para baixo. Perigo, loucura, inocência, ou uma boa metáfora do que fazemos diariamente?  Poucas vezes me deram um símbolo tão adequado para a vida, sobretudo naqueles períodos difíceis em que até pensar em sair da cama dá vontade de desistir. Tudo o que quereríamos era taparmos a cabeça e dormirmos, sem pensarmos em nada, fingindo que não estamos nem aí…  Porque Tanatos, isto é, a voz do poço e da morte, nos convoca a cada minuto para que, enfim, nos entreguemos e acomodemos. Só que acomodar-se é abrir a porta a tudo aquilo que nos faz cúmplices do negativo. Descansaremos, sim, mas tornando-nos filhos do tédio e amantes da pusilanimidade, personagens do teatro daqueles que constantemente desperdiçam os seus próprios talentos e dificultam a vida dos outros.  
E o desperdício da nossa vida, talentos e oportunidades é o único débito que no final não se poderá saldar: estaremos no arquivo-morto. Não que não tenhamos vontade ou motivos para desistir: corrupção, violência, drogas, doença, problemas no emprego, dramas na família, buracos na alma, solidão no casamento a que também nos acomodamos… tudo isso nos sufoca. Sobretudo, se pertencermos ao grupo cujo lema é: Pensar, nem pensar… e a vida que se lixe. 
 A escada rolante chama-nos para o fundo: não dou mais um passo, não luto, não me sacrifico mais. Para quê mudar, se a maior parte das pessoas nem pensa nisso e vive da mesma maneira, e da mesma maneira vai morrer? Não vive (nem morrerá) da mesma maneira. Porque só nessa batalha consigo mesmo, percebendo engodos e superando barreiras, podemos também saborear a vida. Que até nos surpreende quando não se esperava, oferecendo-nos novos caminhos e novos desafios.  Mesmo que pareça quase uma condenação, a idéia de que viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce é que nos permite sentir que afinal não somos assim tão insignificantes e tão incapazes.  Então, vamos à escada rolante: aqui e ali até conseguimos saltar degraus de dois em dois, como quando éramos crianças e muito mais livres, mais ousados e mais interessantes.  E por que não? 
Na pior das hipóteses, caímos, magoamo-nos por dentro e por fora, e podemos ainda uma vez… recomeçar. 


Lya Luft


Metaforicamente viável, mas andar na contramão da escada é, quase como, andar na contramão da vida.É mais fácil escrever , falar, planejar do que executar.Por isso, talvez, "viver seja muito perigoso". 

domingo, 17 de julho de 2011

...somos imortais enquanto vivermos.



«Há que fazer uma distinção entre morrer e a morte. Nem tudo é morrer ininterruptamente. Se somos saudáveis e nos sentimos bem, vamos morrendo invisivelmente. O fim, que é uma certeza, não tem de ser arrojadamente anunciado.

Não, não podemos compreender. A única coisa que compreendemos acerca dos velhos quando não somos velhos é que foram marcados pelo seu tempo. Mas compreender apenas isso imobiliza-os no seu tempo, o que equivale a não compreender nada. Para aqueles que ainda não são velhos ser velho significa que já fomos. Mas ser velho também significa que apesar de, além de e para lá do nosso estado de ser, ainda somos.

O nosso estado de ser está muito vivo. Ainda somos e sentimo-nos tão atormentados pelo ainda-ser e pela sua plenitude como pelo já-ter-sido e pela sua qualidade de passado.

Pensem na velhice do seguinte modo: o facto de a nossa vida estar em risco é apenas um facto quotidiano. Não podemos esquivar-nos ao conhecimento daquilo que em breve nos espera. O silêncio que nos envolverá para sempre. Tirando isso, é tudo a mesma coisa. Tirando isso, somos imortais enquanto vivermos.»


Philip Roth, O Animal Moribundo. Lisboa: Dom Quixote, 1.ª edição, Setembro de 2006




Há n maneiras de morrer.Uma delas é acreditar na imortalidade e gastar inutilmente a vida. Há uma diferença brutal entre viver e  viver bem.Quantos de nós  jogamos  o hoje fora , na esperança de um amanhã melhor? Ainda somos...é dolorido o sentido implícito na palavra ainda.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O tempo sou eu sendo,vibrando.


Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de fim de verão entra pela varanda [....) Dou a face inteira à inundação da lua, que me corre por este corpo perecível, o trespassa do seu fluido de eternidade, o transmigra ao paíis da legenda. Um grande halo de grandes olhos abertos suspende-se raiado à anunciação da evidência. Sei e não temo Será o temor só dos outros, para os outros, como são deles as palavras? Sei, não talvez como quem conquistou mas como quem se despoja: a minha verdade é o que me sobeja de tudo. Quantos anos ainda à espera? Que caminhos desertos ou de estalagens à espera? Mas o tempo não existe senão no instante em que estou. Que me é todo o passado senão o que posso ver nele do que me sinto, me sonho, me alegro ou me sucumbo? Que me é todo o futuro, senão o que agora me projecto? O meu futuro é este instante desértico e apaziguado. [...] O tempo não passa por mim: é de mim que ele parte, sou eu sendo ,vibrando. Como imaginar o futuro? [...]

In Aparição / Vergílio Ferreira.

Imperdível...
Vergílio, na linha de Sartre e, principalmente, de Heidegger, é obcecado pelo mistério do ser, pela procura do sentido da existência humana, o que o leva a refletir e observar sem cessar o homem, suas idéias e ações. Preso a um espaço e tempo determinado, com uma pseudoliberdade, o homem pensa e age inconscientemente, enfrenta problemas de relacionamento de seu eu com o eu do outro e não sabe como se colocar perante a finitude da vida. O homem deve procurar sua aparição ou epifania, aparecendo a si mesmo, com plena consciência de suas possibilidades e limitações, capaz de conhecer-se e assumir-se como ser com o outro, para a morte ou contra a morte. Filosofias e religiões não dão conta de conduzir o homem no caminho de busca de si mesmo. Ele está só, preso a um espaço e tempo povoados pela memória da morte, por diálogos que nunca se completam e símbolos que nada significam.
 Espaço e tempo são expressão, causa e consequência do pensamento e ação das personagens de Vergílio. É preciso evitar o espaço de baixo, apertado, frio, sem portas e sair para o sol, a lua, o campo, não se perder em tradições que estrangulam o progresso, viver com consciência e autenticidade, fazer com que o inferno não sejam os outros, que a introspecção não impeça o homem de construir com responsabilidade seu destino.
Com um estilo personalíssimo, Vergílio discute os mais palpitantes temas que angustiam o homem desta e de outras épocas, acreditando na possibilidade de convivência e comunicação entre os homens, não comunhão, desde que sejam autênticos e não exijam mais do que a condição humana - votada à morte, frágil, limitada, entregue exclusivamente a si mesma - pode proporcionar.
 Pela arte, o homem pode auto-afirmar-se, sentir-se criador e esquecer, mesmo que por instantes, o peso de sua condição humana.
Manoel Fernando Passaes ( USP-tese de doutorado)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Há momentos em que somos nossa melhor companhia.


"A solidão concede ao homem intelectualmente superior uma vantagem dupla: primeiro, a de estar só consigo mesmo; segundo, a de não estar com os outros. Esta última será altamente apreciada se pensarmos em quanta coerção, quantos estragos e até mesmo quanto perigo toda a convivência social traz consigo. 

«Todo o nosso mal provém de não podermos estar a sós», diz La Bruyère. A sociabilidade é uma das inclinações mais perigosas e perversas, pois põe-nos em contacto com seres cuja maioria é moralmente ruim e intelectualmente obtusa ou invertida. O insociável é alguém que não precisa deles. 

Desse modo, ter em si mesmo o bastante para não precisar da sociedade já é uma grande felicidade, porque quase todo o sofrimento provém justamente da sociedade, e a tranquilidade espiritual, que, depois da saúde, constitui o elemento mais essencial da nossa felicidade, é ameaçada por ela e, portanto, não pode subsistir sem uma dose significativa de solidão. Os filósofos cínicos renunciavam a toda a posse para usufruir a felicidade conferida pela tranquilidade intelectual. Quem renunciar à sociedade com a mesma intenção terá escolhido o mais sábio dos caminhos. "

Arthur Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida

Solidão é questão de estado de espírito.Ninguém precisa ser ou sentir-se superior para gostar de estar só.Há momentos em que nós somos nossa melhor companhia.



sexta-feira, 8 de julho de 2011

Enlouqueça.

Se você não tem namorado porque descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e de medo, ponha a roupa mais leve e passeie de mãos dadas com o ar.Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela.Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria.   Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.
Enlouqueça."


Carlos Drummond de Andrade ( excerto)

sábado, 2 de julho de 2011

É para você que escrevo - e não entende nada.


De onde vem essa iluminação que chamam de amor, e logo depois se contorce, se enleia, se turva toda e ofusca e apaga e acende feito um fio de contato defeituoso, sem nunca voltar àquela primeira iluminação? Espera, vamos conversar, sugeriu sem muito empenho. Tarde demais, porta fechada. Sozinho enfim, podia remexer em discos e livros para decidir sem nenhuma preocupação de harmonia-com-o-gosto-alheio que sempre preferira um Morrison a Manuel Bandeira. Sid Vicious a Puccini. A mosca a Uma janela para o amor, sempre uma vodca a um copo de leite: metal drástico. Era desses caras de barba por fazer que sempre escolherão o risco, o perigo, a insensatez, a insegurança, o precário, a maldição, a noite — a Fome maiúscula. Não a mesa posta e farta, com pratos e panelas a serem lavados na pia cheia de graxa — mas um hambúrguer qualquer para você que escrevo. Mas os escritores são muito cruéis, você me ama pelo que me mata com coca-cola no boteco da esquina, e a vida acontecendo em volta, escrota e nua.

Não muito confuso, assim confrontado com sua explícita incapacidade de lidar com. A palavra não vinha. Podia fazer mil coisas a seguir. Mas dentro de qualquer ação, dentes arreganhados, restaria aquela sua profunda incapacidade de lidar com. Um instante antes de bater outra, colocar uma velha Billie Holiday e sentar na máquina para escrever, ainda pensou: gosto tanto de você, baby. Só que os escritores são seres muito cruéis, estão sempre matando a vida à procura de histórias. Você me ama pelo que me mata. E se apunhalo é porque é para você, para você que escrevo — e não entende nada.

Caio Fernando Abreu in Anotações Insensatas

Quantas vezes escrevi pra alguém que não me entendeu, porque nunca lhe permiti ler!Ficou no ar o que poderia ter sido...e não foi.