sábado, 18 de junho de 2011

Um presente que merece ser partilhado.


A blogosfera é surpreendente. Há quatro anos, quando aqui me aventurei só tive a intenção de garimpar autores e textos que me ajudaram a viver, que abriram meu coração e minha alma para um mundo de reflexão , introspectivo, mas muito rico.
Mas, com o passar dos meses descobri que por trás de cada postagem, de cada página que eu abria havia pessoas incríveis, maravilhosas, fazendo o mesmo ou mais do que eu. Um mundo inteiro escondido atrás de uma tela e que me era permitido conectar.E aqui fiz amigos especiais, com os quais converso profundamente e tenho quase a sensação de tocá-los,tão próximos eu os sinto. Formamos uma grande confraria que se reune ao redor de uma mesa de café na cozinha, com aconchego e intimidade e , cada vez, eu os amo mais.
Aqui está um deles, Bruno, que vai dispensar apresentação se o texto dele for lido até o final.

Obrigada, Bruno, foi uma honra merecer esse texto. beijo.
http://eumesmodiantedomundo.blogspot.com/

As miudezas de minha alma

Querida amiga Gizelda,

Reservo estas palavras, colhidas dos jardins mais escusos e exuberantes de minha alma, para agradecer-lhe o desvelo com que me escreveu, em uma de minhas postagens. Agradeço-lhe a disposição para amparar-me o espírito com a sua sabedoria, sensibilidade e percepção aguçada da dimensão existencial humana – dimensão esta tão bem representada, pensada, questionada e discutida nos textos que posta em seu blog.

Permita-me delongar-me um pouco. Chamaram-me a atenção algumas passagens em seu texto. Você fala de dor e ansiedade. Considerarei esta última, em primeiro lugar. Reconheço ser eu uma pessoa muito ansiosa (mais um de meus defeitos). Ansiedade é coisa que me acompanha desde o limiar de minha existência. Trata-se de uma ansiedade de vida. Creio saber a que me refiro; nunca tive pejo de desnudar a minha história existencial neste espaço. Como tantas outras pessoas deste mundo tão empobrecido de justiça, de compaixão, de fraternidade, eu resisti à tendência da vida a sucumbir à morte. Nascer, para mim, foi resistir à morte. Meu nascimento foi a expressão carnal-espiritual da ansiedade de vida.

Mas situarei a ansiedade no domínio da experiência amorosa. A ansiedade no domínio de Eros é a expressão mais intensa de ansiedade de vida em minha alma. Há pouco, enquanto lia um livro sobre feminismo e ética, se me afigurou que a minha concepção de amor como ‘disposição para cuidar’, ‘doar-se’ é moldada pela dimensão do feminino. Há, aí, uma inspiração maternal. A figura materna em minha vida é muito marcante e isso se explica pela necessidade que tive de ser alvo de cuidados especiais, quando ainda bebê. Embora os cuidados tenham sido dispensados por todos os meus familiares, desempenharam papel importante minha avó paterna, minha madrinha e minha mãe. Esta última é a mulher mais importante e preciosa de minha vida. Minha mãe é minha protetora, minha confidente. Minha mãe é colo, é amparo, é conforto, é segurança. Mas, fique claro que se trata de uma segurança anímica. Nunca houve superproteção, porque assumi desde cedo um senso de responsabilidade que nunca abandonei.

É claro que não sou apenas um produto espiritual, moral e pessoal da educação familiar de que fui herdeiro; se assim fosse, meu irmão deveria ser como eu sou. Existe um fundo em minha alma, o meu ser, que se plasmou de modo relativamente independente. É claro que as condições socio-educacionais favoreceram a formação de minha personalidade, mas sensibilidade exagerada, lirismo, desapego a bens materiais, supervalorização de tudo que vem do espírito e vocação poética – isso tudo me parece que foi me dado pelas mãos do Mistério.

Com meu pai aprendi valores que me são caros, como honestidade, fidelidade, perseverança, dedicação familiar, companheirismo, mas rejeitei o apego aos detalhes, o apreço por bens materiais, como carro. Eu aprecio mais o trabalho artístico feito com a alma e as mãos do que o designe de um carro zero km. No trabalho artístico, a sensibilidade está impressa e expressa; porque o artista nos diz algo de sua verdade subjetiva, de seu valor humano; no designe do carro, há apenas o interesse de produzir o desejo de consumo. Num, comunica-se o desejo; no outro, o desejo é criado e estimulado.

Eros (libido) em mim é reprimido. Reprimido não por qualquer razão absurda, como quem reprime o desejo sexual por um imperativo religioso sem qualquer fundamento natural ou racional. Reprimido (contido) porque tenho buscado o feminino de um modo peculiar. Quando me relaciono afetivamente com uma mulher, busco a pessoa inteira. Em outras palavras, o sexo, para mim, depende da construção de um vínculo afetivo e pessoal que transborde os limites da cama. Talvez, por pautar minha sexualidade nesse padrão rigoroso, eu tenha até então me relacionado com moças sexualmente reprimidas. Isso se torna um agravante. Quero dizer que não estou interessado, de imediato, em sua disponibilidade sexual, mas naquilo que ela tem de encantador e atraente.

A proximidade dos trinta anos faz-me repensar o modo como tenho conduzido minha sexualidade. Se, por um lado, optei por não ter relações sexuais promíscuas e submetidas ao imperativo do desempenho, da praticidade; por outro lado, não sou favorável à virgindade ou à abstinência sexual. Vivo de permeio nesses dois extremos, donde se segue que minha busca é por um relacionamento amoroso estável com moças sexualmente maduras e livres (livres de tabus, de ideias conservadoras e puritanas). É curioso o fato de que amor e sexo ficam mais no plano espiritual do que no plano prático, em minha vida. É porque um e outro são indissociáveis e ainda estão muito atrelados a um padrão de conduta.

De qualquer modo, não dissocio sexo de amor. E o amor, para mim, tem uma significação que excede à compreensão dos espíritos estreitos. Nem eu mesmo sei defini-la, a bem da verdade. Só sei que, quando estou amando, vivo intensamente essa significação, que inclui entrega, doação, lirismo, cuidado, confiança, cumplicidade, fidelidade... e, porque não, transgressão de normas e convenções sociais...Quando amo, encarcero o mundo entre parênteses e deixo-me estar no silêncio do amor que ressoa em minha alma!

Agora, considerarei a dor. Bem, essa dor a que se referiu é uma dor sufocada, velada. Na verdade, não designaria o que sinto como ‘dor’. Cansei-me de sentir dor – dor da alma, diga-se de passagem. Durante anos, degustei as dores que me legou minha decepção amorosa. Quantos poemas compus e que foram destinados ao culto ao sofrimento, como dizia minha psiquiatra. Um relacionamento amoroso de três anos e sete meses, findo no dia 15 de agosto de 2004, legou cicatrizes com as quais tive de conviver durante, pelo menos, os três anos seguintes. Um relacionamento impregnado de cuidados, de doação, de entrega... mas também sexualmente orientado pela repressão. Comecei a namorá-la quando tinha 18 anos, mas logo faria 19. Ela faria 17. E ficamos juntos até eu completar 22 e ela 20. Depois disso, as páginas de meu coração foram páginas marcadas por melancolia, por desespero, por tristeza infinda que transbordava da alma. Encarnei o ultra-romântico! O exagero que não se continha! A desmedida! O excesso lírico! Fui intenso! E as poucas tentativas de iniciar novos relacionamentos foram frustradas por eu ter conhecido moças vazias, pueris, jovens moças imaturas, que não queriam se “apegar” a ninguém, fugiam de compromissos.

Então, Gizelda, amiga, depois de algumas sessões de terapia, decidi não mais cultivar a dor, não mais me subestimar, não mais me culpar por não enxergarem a singularidade de minha alma. E quis a vida me impor outro desafio. E eu o enfrentei e o enfrento com coragem. Não me fiz vítima das circunstâncias, como não me faço até hoje. Mas não direi que não temo. Não direi não que receio. Minha auto-estima está elevada. Sinto-me em paz comigo mesmo. Mas lhe confesso que tenho sim ansiedade.

Esse “algo maior” é para mim um mistério. E por sê-lo preferi não tentar explicá-lo aderindo a algum sistema metafísico dogmático, se bem que não abandonei completamente minha simpatia pelo espiritismo. Creio em que, se há uma Justiça sobre-humana, essa justiça deve ser expressa na forma da reencarnação. Até hoje não encontrei um sistema metafísico doutrinário que oferecesse uma explicação satisfatória para o fato de algumas pessoas chegarem a esta vida material com sofrimento, enquanto outras chegam ilesas (se bem que não deixarão esta vida do mesmo modo que nela entraram), exceto o kardecismo. O sofrimento urde os fios da existência humana.

A vida é um mistério. A morte nos lança a esse mistério. Então, hoje, me contento com o Absoluto, com este Mistério que insiste em se imiscuir no nosso dia-a-dia, que insiste em transbordar de nossas noites de solidão, em que nos vemos em companhia apenas dos nossos pensamentos mais íntimos. É pretensão demais socorrer-se de uma palavra como Deus e querer com ela explicar tudo, desvelar o mistério. A representação de Deus entra em conflito com os fatos. É tão evidente, que as pessoas não conseguem ver, porque regredidas a um estado infantil, donde não querem sair. Você agradece o seu alimento na mesa de todos os dias, mas, ao fazê-lo, tem de esquecer que milhões de crianças da África subsaariana sofrem de desnutrição e morrem por causa da fome (e não precisaríamos ir tão longe). Você agradece por ter-se livrado de um câncer, mas se esquece de que alguém em algum outro lugar morreu do mesmo mal. Você agradece por ter-se salvado num assalto, mas se esquece de que, num outro lugar, alguém saiu mortalmente vitimado. Curiosamente, eu até hoje nunca fui assaltado na rua, muito embora eu esteja propenso porque sou muito distraído. E conheço pessoas que frequentam igreja, como eu frequentei, e que já foram assaltadas. Teria Deus predileção por mim?Não, só não estive ainda no lugar errado e na hora errada.

Bem, mas eu me contento com o Mistério e acredito que cada um de nós tem uma missão, seja lá qual for, aqui neste mundo. Conservo minha espiritualidade, que consiste nessa abertura anímica para essa existência absurda (absurda, porque excede os limites da razão, porque não pode ser explicada satisfatoriamente, porque resiste a qualquer tentativa de atribuir-lhe um sentido). Mas há sentido? É possível. No entanto, me contento em dizer que não sei, ou melhor, que o sentido para a (nossa) vida somos nós que produzimos.

Você está certa, amiga, ao me advertir que o tempo trará respostas, está certa ao me lembrar que não convém buscar entender por que a felicidade que antes experimentávamos e que nos bastávamos nos escapa por força de circunstâncias sobre as quais não temos controle e em face das quais não nos cabe senão escolher aquilo que nos parece melhor. Sartre tinha razão: “estamos condenados a ser livres”. Temos de escolher, só não somos livres para não escolher.

Acontece que o término de um relacionamento amoroso se acompanha quase sempre de uma forte e excessiva concentração no “problema” que o provocou, esquecendo-se da grande medida de doação, de cuidados, de carinhos, de entrega e dedicação que foi dispensada para que ele se tornasse promissor. Mas o término, neste caso específico, era inevitável, para o bem dos envolvidos. E o “problema” logo se revelou uma solução. Hesitei. Pensei poder me contentar com o pouco e reprimir ainda mais a satisfação de minhas necessidades afetivo-sexuais, que foi obstada pela privação de tempo. Em favor dos apelos do coração? Mas eu não estaria me escolhendo e, novamente, cederia, sem questionar o peso da cumplicidade do outro. E me lembrei de que havia entre nós uma grande diferença etária. E, porque sou sensato e justo, não poderia exigir-lhe que escolhesse o relacionamento; deveria sim realizar seu projeto e viver a sua paixão. A isso se chama priorizar. Priorizar o relacionamento não lhe era possível na atual fase de sua vida. Nos dezoito anos, nosso coração ainda engatinha e nossa alma tem sede de realizações. É natural.

Pensei preciso experienciar um amor projetivo, com alguém com quem tenha objetivos em comum... Eu é que escolherei... e escolherei a minha felicidade e a partilharei com quem a merecer e puder dela usufruir... Tem razão, talvez o amor resida num olhar que não percebemos, em alguém que nos está próximo e não notamos; em todo caso, não me desespero, não mais.

Mas não desistirei de usufruir o AMOR, ventre do Mistério que nos impele a viver. Nele reside minha ansiedade de vida, e apenas nele, enquanto houver sol.

2 comentários:

  1. Amada, estou emocionada com tão sublime presente recebido por você! Você merece minha querida, merece essa e todas as homenagens!
    Aplausos a ti e aplausos ao Bruno, pelo sublime e reflexivo texto que traz a todos nós uma mensagem muito rica!!!

    Carinhos meus a ambos...
    Beijos de flor.
    Suelzy

    ResponderExcluir
  2. O maior presente saiu de tuas mãos, amiga, ao postar meu texto aqui. Eu lhe agradeço com meu coração!

    E me alegro em saber que o texto repercutiu tão profundamente em seu coração! É isso que espero desse espaço: um espaço de partilha, de diálogo, de conversa íntima, conversa que ressoa em nosso íntimo, lá onde mora o ser.

    Beijos carinhosos!

    ResponderExcluir