quarta-feira, 29 de junho de 2011

É assim que são as coisas.



"Depois de cinco anos eu já havia me tornado perito em recortar cirurgicamente meus dias de tal modo que cada hora daquela minha existência em que nada acontecia tivesse sua importância para mim. Sua necessidade. Até mesmo sua animação. Eu não me permitia mais o hábito pernicioso de desejar uma coisa, e a última coisa que eu queria voltar a ter, pensava eu, era a companhia constante de uma pessoa. A música que ouço após o jantar não tem o propósito de me aliviar do silêncio, porém representa uma espécie de concretização do próprio silêncio: ouvir música durante uma ou duas horas todas as noites não me priva do silêncio - a música é a própria realização do silêncio. No verão, nado por meia hora na minha lagoa assim que me levanto, e no resto do ano, depois de passar a manhã escrevendo - a menos que a neve inviabilize minha caminhada -, percorro as trilhas da serra durante umas duas horas quase todos os dias. O câncer que levou minha próstata não voltou. Tenho sessenta e cinco anos e estou fisicamente bem, trabalhando bastante - e estou sabendo das coisas. Tenho de estar sabendo."


O trecho acima é atribuído a Nathan Zuckerman, o alter ego de Philip Roth.
(Philip Roth, A marca humana, Companhia das Letras, 2002, págs. 62-63)


— É nisso que dá ser criado em cativeiro — disse Faunia. É nisso que dá ficar a vida toda metido com gente feito nós. A marca humana — disse ela, e sem repulsa, desprezo ou condenação. Nem sequer com tristeza. É assim que são as coisas. (...), deixamos uma marca, deixamos um vestígio, deixamos um sinal. Impureza, crueldade, ofensa, engano, excremento, sêmen: não existe outro modo de viver aqui. Não tem nada a ver com desobediência. Nada a ver com graça, salvação ou redenção. Está em todos. Residente. Inerente. Característico. (...) A marca tão intrínseca que não requer um sinal. A marca que precede a desobediência, que abarca a desobediência e desnorteia toda explicação e qualquer entendimento. É por isso que toda purificação é uma piada. Uma piada de bárbaros, aliás. A fantasia da pureza é aterradora. É demente. O que significa a busca da pureza, senão mais impureza? 


O trecho acima é atribuído a  Faunia Farley in " A marca humana"




É fácil constatar que a  marca humana não se apaga. Não há destino, individual ou coletivo, capaz de pôr-se a salvo dos seus vestígios.
Há muito , Philip Roth está a merecer o Nobel de Literatura , por esta e outras obras de igual magnitude.Um autor que vale a pena ler.

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