quarta-feira, 29 de junho de 2011

É assim que são as coisas.



"Depois de cinco anos eu já havia me tornado perito em recortar cirurgicamente meus dias de tal modo que cada hora daquela minha existência em que nada acontecia tivesse sua importância para mim. Sua necessidade. Até mesmo sua animação. Eu não me permitia mais o hábito pernicioso de desejar uma coisa, e a última coisa que eu queria voltar a ter, pensava eu, era a companhia constante de uma pessoa. A música que ouço após o jantar não tem o propósito de me aliviar do silêncio, porém representa uma espécie de concretização do próprio silêncio: ouvir música durante uma ou duas horas todas as noites não me priva do silêncio - a música é a própria realização do silêncio. No verão, nado por meia hora na minha lagoa assim que me levanto, e no resto do ano, depois de passar a manhã escrevendo - a menos que a neve inviabilize minha caminhada -, percorro as trilhas da serra durante umas duas horas quase todos os dias. O câncer que levou minha próstata não voltou. Tenho sessenta e cinco anos e estou fisicamente bem, trabalhando bastante - e estou sabendo das coisas. Tenho de estar sabendo."


O trecho acima é atribuído a Nathan Zuckerman, o alter ego de Philip Roth.
(Philip Roth, A marca humana, Companhia das Letras, 2002, págs. 62-63)


— É nisso que dá ser criado em cativeiro — disse Faunia. É nisso que dá ficar a vida toda metido com gente feito nós. A marca humana — disse ela, e sem repulsa, desprezo ou condenação. Nem sequer com tristeza. É assim que são as coisas. (...), deixamos uma marca, deixamos um vestígio, deixamos um sinal. Impureza, crueldade, ofensa, engano, excremento, sêmen: não existe outro modo de viver aqui. Não tem nada a ver com desobediência. Nada a ver com graça, salvação ou redenção. Está em todos. Residente. Inerente. Característico. (...) A marca tão intrínseca que não requer um sinal. A marca que precede a desobediência, que abarca a desobediência e desnorteia toda explicação e qualquer entendimento. É por isso que toda purificação é uma piada. Uma piada de bárbaros, aliás. A fantasia da pureza é aterradora. É demente. O que significa a busca da pureza, senão mais impureza? 


O trecho acima é atribuído a  Faunia Farley in " A marca humana"




É fácil constatar que a  marca humana não se apaga. Não há destino, individual ou coletivo, capaz de pôr-se a salvo dos seus vestígios.
Há muito , Philip Roth está a merecer o Nobel de Literatura , por esta e outras obras de igual magnitude.Um autor que vale a pena ler.

sábado, 25 de junho de 2011

Quero, um dia,poder dizer às pessoas que nada foi em vão.


Não quero alguém...

Não quero alguém que morra de amor por mim...
Só preciso de alguém que viva por mim, que queira estar junto de mim, me abraçando.
Não exijo que esse alguém me ame como eu o amo, quero apenas que me ame, não me importando
com que intensidade.


Não tenho a pretensão de que todas as pessoas que gosto, gostem de mim...
Nem que eu faça a falta que elas me fazem, o importante pra mim é saber que eu, em algum momento, fui insubstituível...
E que esse momento será inesquecível...


Só quero que meu sentimento seja valorizado.
Quero sempre poder ter um sorriso estampando em meu rosto, mesmo quando a situação não for
muito alegre...
E que esse meu sorriso consiga transmitir paz para os que estiverem ao meu redor.
Quero poder fechar meus olhos e imaginar alguém...


E poder ter a absoluta certeza de que esse alguém também pensa em mim quando fecha os olhos,
que faço falta quando não estou por perto.
Queria ter a certeza de que apesar de minhas renúncias e loucuras, alguém me valoriza pelo
que sou, não pelo que tenho...
Que me veja como um ser humano completo, que abusa demais dos bons sentimentos que a vida lhe
proporciona, que dê valor ao que realmente importa, que é meu sentimento...
E não brinque com ele.


E que esse alguém me peça para que eu nunca mude, para que eu
nunca cresça, para que eu seja
sempre eu mesmo.
Não quero brigar com o mundo, mas se um dia isso acontecer, quero ter forças suficientes para
mostrar a ele que o amor existe...
Que ele é superior ao ódio e ao rancor, e que não existe vitória sem humildade e paz.


Quero poder acreditar que mesmo se hoje eu fracassar, amanhã será outro dia, e se eu não
desistir dos meus sonhos e propósitos, talvez obterei êxito e serei plenamente feliz.
Que eu nunca deixe minha esperança ser abalada por palavras pessimistas...
Que a esperança nunca me pareça um "não" que a gente teima em maquiá-lo de verde e entendê-lo como "sim".


Quero poder ter a liberdade de dizer o que sinto a uma pessoa, de poder dizer a alguém o
quanto ela é especial e importante pra mim, sem ter de me preocupar com terceiros...
Sem correr o risco de ferir uma ou mais pessoas com esse sentimento.
Quero, um dia, poder dizer às pessoas que nada foi em vão...
Que o amor existe, que vale a pena se doar as amizades


e as pessoas, que a vida é bela sim,
e que eu sempre dei o melhor de mim
... e que valeu a pena!!!


Mário Quintana



Esse post tem um porquê: há mais de duas horas sucedem-se na TV especiais sobre Michael Jackson,todos mostrando o fenômeno, o artista incrível, a magia no palco. Fama , sucesso, dinheiro...valores do mundo contemporãneo.Mas, quando há um close nos seus olhos, vê-se ali uma profunda solidão, algo que nunca foi preenchido.Um menino grande pedindo socorro.

Sim, Michael morreu por falta de amor, cercado de pessoas que não foram capazes de vê-lo.Tristíssimo.
Não sei se ,para ele, viver valeu .

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Selecionando os retalhos da vida dos outros.


Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, puré de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.

O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam, para depois comentá-los com a maior cara-de-pau ("com isenção de largo espectro", como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego — às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira. Sim, senhor, que importância a sua: sentado aí, camisa aberta, sandálias, ar condicionado, cafezinho, dando sua opinião sobre a angústia, a revolta, o ridículo, a maluquice dos homens. Esquecido de que é um deles.
Ah, você participa com palavras? Sua escrita — por hipótese — transforma a cara das coisas, há capítulos da História devidos à sua maneira de ajuntar substantivos, adjetivos, verbos? Mas foram os outros, crédulos, sugestionáveis, que fizeram o acontecimento. Isso de escrever «O Capital» é uma coisa, derrubar as estruturas, na raça, é outra. E nem sequer você escreveu «O Capital». Não é todos os dias que se mete uma ideia na cabeça do próximo, por via gramatical. E a regra situa no mesmo saco escrever é abster-se. Vazio, antes e depois da operação.
 
Excerto -Carlos Drummond de Andrade.
 
 
Simplesmente genial, como Drummond sempre consegue ser.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Inconsolável.



Deixa-me entrar na tua casa, sentar no teu sofá e chorar dias seguidos, sem parar, sem ter que parar, sem limpar as lágrimas  que alguém pode ver, sem disfarçar a dor, sem medo de ficar com os olhos inchados, o rosto disforme. Não tens que compreender nem te afligir.

Sou só eu a ser aquilo que sou em certos dias da vida – inconsolável. Não quero o teu lenço, obrigada, nem o teu ombro, nem água, apenas chorar sentada no teu sofá, chorar no teu cenário, manchar a tua normalidade, gritar dentro dela, fazê-la tremer um pouco. Chorar também por ti que não choras e é preciso de vez em quando. Nem te emocionas, apenas te ris e te preocupas e és malevolamente bom.


Histórias Improváveis – Ângela Leite


Quantos de nós, incontáveis vezes, temos tido vontade de agir da mesma maneira, por motivos semelhantes...

sábado, 18 de junho de 2011

Um presente que merece ser partilhado.


A blogosfera é surpreendente. Há quatro anos, quando aqui me aventurei só tive a intenção de garimpar autores e textos que me ajudaram a viver, que abriram meu coração e minha alma para um mundo de reflexão , introspectivo, mas muito rico.
Mas, com o passar dos meses descobri que por trás de cada postagem, de cada página que eu abria havia pessoas incríveis, maravilhosas, fazendo o mesmo ou mais do que eu. Um mundo inteiro escondido atrás de uma tela e que me era permitido conectar.E aqui fiz amigos especiais, com os quais converso profundamente e tenho quase a sensação de tocá-los,tão próximos eu os sinto. Formamos uma grande confraria que se reune ao redor de uma mesa de café na cozinha, com aconchego e intimidade e , cada vez, eu os amo mais.
Aqui está um deles, Bruno, que vai dispensar apresentação se o texto dele for lido até o final.

Obrigada, Bruno, foi uma honra merecer esse texto. beijo.
http://eumesmodiantedomundo.blogspot.com/

As miudezas de minha alma

Querida amiga Gizelda,

Reservo estas palavras, colhidas dos jardins mais escusos e exuberantes de minha alma, para agradecer-lhe o desvelo com que me escreveu, em uma de minhas postagens. Agradeço-lhe a disposição para amparar-me o espírito com a sua sabedoria, sensibilidade e percepção aguçada da dimensão existencial humana – dimensão esta tão bem representada, pensada, questionada e discutida nos textos que posta em seu blog.

Permita-me delongar-me um pouco. Chamaram-me a atenção algumas passagens em seu texto. Você fala de dor e ansiedade. Considerarei esta última, em primeiro lugar. Reconheço ser eu uma pessoa muito ansiosa (mais um de meus defeitos). Ansiedade é coisa que me acompanha desde o limiar de minha existência. Trata-se de uma ansiedade de vida. Creio saber a que me refiro; nunca tive pejo de desnudar a minha história existencial neste espaço. Como tantas outras pessoas deste mundo tão empobrecido de justiça, de compaixão, de fraternidade, eu resisti à tendência da vida a sucumbir à morte. Nascer, para mim, foi resistir à morte. Meu nascimento foi a expressão carnal-espiritual da ansiedade de vida.

Mas situarei a ansiedade no domínio da experiência amorosa. A ansiedade no domínio de Eros é a expressão mais intensa de ansiedade de vida em minha alma. Há pouco, enquanto lia um livro sobre feminismo e ética, se me afigurou que a minha concepção de amor como ‘disposição para cuidar’, ‘doar-se’ é moldada pela dimensão do feminino. Há, aí, uma inspiração maternal. A figura materna em minha vida é muito marcante e isso se explica pela necessidade que tive de ser alvo de cuidados especiais, quando ainda bebê. Embora os cuidados tenham sido dispensados por todos os meus familiares, desempenharam papel importante minha avó paterna, minha madrinha e minha mãe. Esta última é a mulher mais importante e preciosa de minha vida. Minha mãe é minha protetora, minha confidente. Minha mãe é colo, é amparo, é conforto, é segurança. Mas, fique claro que se trata de uma segurança anímica. Nunca houve superproteção, porque assumi desde cedo um senso de responsabilidade que nunca abandonei.

É claro que não sou apenas um produto espiritual, moral e pessoal da educação familiar de que fui herdeiro; se assim fosse, meu irmão deveria ser como eu sou. Existe um fundo em minha alma, o meu ser, que se plasmou de modo relativamente independente. É claro que as condições socio-educacionais favoreceram a formação de minha personalidade, mas sensibilidade exagerada, lirismo, desapego a bens materiais, supervalorização de tudo que vem do espírito e vocação poética – isso tudo me parece que foi me dado pelas mãos do Mistério.

Com meu pai aprendi valores que me são caros, como honestidade, fidelidade, perseverança, dedicação familiar, companheirismo, mas rejeitei o apego aos detalhes, o apreço por bens materiais, como carro. Eu aprecio mais o trabalho artístico feito com a alma e as mãos do que o designe de um carro zero km. No trabalho artístico, a sensibilidade está impressa e expressa; porque o artista nos diz algo de sua verdade subjetiva, de seu valor humano; no designe do carro, há apenas o interesse de produzir o desejo de consumo. Num, comunica-se o desejo; no outro, o desejo é criado e estimulado.

Eros (libido) em mim é reprimido. Reprimido não por qualquer razão absurda, como quem reprime o desejo sexual por um imperativo religioso sem qualquer fundamento natural ou racional. Reprimido (contido) porque tenho buscado o feminino de um modo peculiar. Quando me relaciono afetivamente com uma mulher, busco a pessoa inteira. Em outras palavras, o sexo, para mim, depende da construção de um vínculo afetivo e pessoal que transborde os limites da cama. Talvez, por pautar minha sexualidade nesse padrão rigoroso, eu tenha até então me relacionado com moças sexualmente reprimidas. Isso se torna um agravante. Quero dizer que não estou interessado, de imediato, em sua disponibilidade sexual, mas naquilo que ela tem de encantador e atraente.

A proximidade dos trinta anos faz-me repensar o modo como tenho conduzido minha sexualidade. Se, por um lado, optei por não ter relações sexuais promíscuas e submetidas ao imperativo do desempenho, da praticidade; por outro lado, não sou favorável à virgindade ou à abstinência sexual. Vivo de permeio nesses dois extremos, donde se segue que minha busca é por um relacionamento amoroso estável com moças sexualmente maduras e livres (livres de tabus, de ideias conservadoras e puritanas). É curioso o fato de que amor e sexo ficam mais no plano espiritual do que no plano prático, em minha vida. É porque um e outro são indissociáveis e ainda estão muito atrelados a um padrão de conduta.

De qualquer modo, não dissocio sexo de amor. E o amor, para mim, tem uma significação que excede à compreensão dos espíritos estreitos. Nem eu mesmo sei defini-la, a bem da verdade. Só sei que, quando estou amando, vivo intensamente essa significação, que inclui entrega, doação, lirismo, cuidado, confiança, cumplicidade, fidelidade... e, porque não, transgressão de normas e convenções sociais...Quando amo, encarcero o mundo entre parênteses e deixo-me estar no silêncio do amor que ressoa em minha alma!

Agora, considerarei a dor. Bem, essa dor a que se referiu é uma dor sufocada, velada. Na verdade, não designaria o que sinto como ‘dor’. Cansei-me de sentir dor – dor da alma, diga-se de passagem. Durante anos, degustei as dores que me legou minha decepção amorosa. Quantos poemas compus e que foram destinados ao culto ao sofrimento, como dizia minha psiquiatra. Um relacionamento amoroso de três anos e sete meses, findo no dia 15 de agosto de 2004, legou cicatrizes com as quais tive de conviver durante, pelo menos, os três anos seguintes. Um relacionamento impregnado de cuidados, de doação, de entrega... mas também sexualmente orientado pela repressão. Comecei a namorá-la quando tinha 18 anos, mas logo faria 19. Ela faria 17. E ficamos juntos até eu completar 22 e ela 20. Depois disso, as páginas de meu coração foram páginas marcadas por melancolia, por desespero, por tristeza infinda que transbordava da alma. Encarnei o ultra-romântico! O exagero que não se continha! A desmedida! O excesso lírico! Fui intenso! E as poucas tentativas de iniciar novos relacionamentos foram frustradas por eu ter conhecido moças vazias, pueris, jovens moças imaturas, que não queriam se “apegar” a ninguém, fugiam de compromissos.

Então, Gizelda, amiga, depois de algumas sessões de terapia, decidi não mais cultivar a dor, não mais me subestimar, não mais me culpar por não enxergarem a singularidade de minha alma. E quis a vida me impor outro desafio. E eu o enfrentei e o enfrento com coragem. Não me fiz vítima das circunstâncias, como não me faço até hoje. Mas não direi que não temo. Não direi não que receio. Minha auto-estima está elevada. Sinto-me em paz comigo mesmo. Mas lhe confesso que tenho sim ansiedade.

Esse “algo maior” é para mim um mistério. E por sê-lo preferi não tentar explicá-lo aderindo a algum sistema metafísico dogmático, se bem que não abandonei completamente minha simpatia pelo espiritismo. Creio em que, se há uma Justiça sobre-humana, essa justiça deve ser expressa na forma da reencarnação. Até hoje não encontrei um sistema metafísico doutrinário que oferecesse uma explicação satisfatória para o fato de algumas pessoas chegarem a esta vida material com sofrimento, enquanto outras chegam ilesas (se bem que não deixarão esta vida do mesmo modo que nela entraram), exceto o kardecismo. O sofrimento urde os fios da existência humana.

A vida é um mistério. A morte nos lança a esse mistério. Então, hoje, me contento com o Absoluto, com este Mistério que insiste em se imiscuir no nosso dia-a-dia, que insiste em transbordar de nossas noites de solidão, em que nos vemos em companhia apenas dos nossos pensamentos mais íntimos. É pretensão demais socorrer-se de uma palavra como Deus e querer com ela explicar tudo, desvelar o mistério. A representação de Deus entra em conflito com os fatos. É tão evidente, que as pessoas não conseguem ver, porque regredidas a um estado infantil, donde não querem sair. Você agradece o seu alimento na mesa de todos os dias, mas, ao fazê-lo, tem de esquecer que milhões de crianças da África subsaariana sofrem de desnutrição e morrem por causa da fome (e não precisaríamos ir tão longe). Você agradece por ter-se livrado de um câncer, mas se esquece de que alguém em algum outro lugar morreu do mesmo mal. Você agradece por ter-se salvado num assalto, mas se esquece de que, num outro lugar, alguém saiu mortalmente vitimado. Curiosamente, eu até hoje nunca fui assaltado na rua, muito embora eu esteja propenso porque sou muito distraído. E conheço pessoas que frequentam igreja, como eu frequentei, e que já foram assaltadas. Teria Deus predileção por mim?Não, só não estive ainda no lugar errado e na hora errada.

Bem, mas eu me contento com o Mistério e acredito que cada um de nós tem uma missão, seja lá qual for, aqui neste mundo. Conservo minha espiritualidade, que consiste nessa abertura anímica para essa existência absurda (absurda, porque excede os limites da razão, porque não pode ser explicada satisfatoriamente, porque resiste a qualquer tentativa de atribuir-lhe um sentido). Mas há sentido? É possível. No entanto, me contento em dizer que não sei, ou melhor, que o sentido para a (nossa) vida somos nós que produzimos.

Você está certa, amiga, ao me advertir que o tempo trará respostas, está certa ao me lembrar que não convém buscar entender por que a felicidade que antes experimentávamos e que nos bastávamos nos escapa por força de circunstâncias sobre as quais não temos controle e em face das quais não nos cabe senão escolher aquilo que nos parece melhor. Sartre tinha razão: “estamos condenados a ser livres”. Temos de escolher, só não somos livres para não escolher.

Acontece que o término de um relacionamento amoroso se acompanha quase sempre de uma forte e excessiva concentração no “problema” que o provocou, esquecendo-se da grande medida de doação, de cuidados, de carinhos, de entrega e dedicação que foi dispensada para que ele se tornasse promissor. Mas o término, neste caso específico, era inevitável, para o bem dos envolvidos. E o “problema” logo se revelou uma solução. Hesitei. Pensei poder me contentar com o pouco e reprimir ainda mais a satisfação de minhas necessidades afetivo-sexuais, que foi obstada pela privação de tempo. Em favor dos apelos do coração? Mas eu não estaria me escolhendo e, novamente, cederia, sem questionar o peso da cumplicidade do outro. E me lembrei de que havia entre nós uma grande diferença etária. E, porque sou sensato e justo, não poderia exigir-lhe que escolhesse o relacionamento; deveria sim realizar seu projeto e viver a sua paixão. A isso se chama priorizar. Priorizar o relacionamento não lhe era possível na atual fase de sua vida. Nos dezoito anos, nosso coração ainda engatinha e nossa alma tem sede de realizações. É natural.

Pensei preciso experienciar um amor projetivo, com alguém com quem tenha objetivos em comum... Eu é que escolherei... e escolherei a minha felicidade e a partilharei com quem a merecer e puder dela usufruir... Tem razão, talvez o amor resida num olhar que não percebemos, em alguém que nos está próximo e não notamos; em todo caso, não me desespero, não mais.

Mas não desistirei de usufruir o AMOR, ventre do Mistério que nos impele a viver. Nele reside minha ansiedade de vida, e apenas nele, enquanto houver sol.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Tela de Clarice Lispector
O grito
se ao menos esta dor servisse

se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse

se ela cantasse e despenteasse os cabelos
se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta (como um grito)
caísse da janela fizesse barulho
morresse

se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrer

se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas

se ao menos esta dor sangrasse.

Renata Palottini



Às vezes só uma dor física nos possibilita afastar uma dor moral.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Não precisamos ser onipotentes.


Amadurecer foi retirar os rostos e as peles e começar a ver no espelho o verdadeiro eu - onde se lê uma severa contabilidade dos gastos e lucros, saldos nem sempre tranqüilizadores. Quanto de amargura, quanto de bom humor sobrou, quanta capacidade de se renovar?

Entender que não precisamos ser onipotentes é uma das maiores libertações. Ninguém, homem ou mulher, pai ou mãe, pode ser totalmente responsabilizado pela sorte de ninguém, por seus erros e acertos, por sua solidão ou felicidade - a não ser na medida justa, em que se é responsável por quem se ama, dentro dos limites da capacidade de cada um.
Na maturidade percebe-se que não importa tanto o que fizeram conosco, mas o que fizemos com o que eventualmente nos aconteceu. É uma indagação dramática, que na juventude parece algo a resolver num futuro muito remoto. Mas "de repente, tinham-se passado vinte anos". E nós, e nós? Precisamos descobrir que amadurecer não significa desistir nem estagnar.

Lya Luft in  "O Rio do Meio".

Amadurecer , para mim, tem sabor de fruta doce, no ponto, prestes a acabar.Tem milhões de dúvidas e poucas certezas. Experiência nos impede de errar? Não, não mesmo.Viver é um risco diuturno.Constato que se me fosse dado viver novamente, bem possivelmente eu cometeria os mesmos erros, pensando que eram acertos. Apenas, depois de um determinado momento, você se dá ao luxo não se justificar, quer erre ou acerte.A maturidade lhe confere esse direito: não se explicar.
Mas, às vezes, a exiguidade do tempo  me deixa melancólica,  tenho muito a fazer ainda, apesar de.
Hoje, no entanto, estou me sentindo livre. Eu sei  o porquê.Isso significa não desistir, e não estagnar.É o quanto basta.

domingo, 12 de junho de 2011

Ah! o amor...

Florentino Ariza não deixou de pensar nela um único instante desde que Fermina Daza o rechaçou sem apelação depois de uns amores contrariados e longos, e haviam transcorrido a partir de então cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias”

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Depois de um longo tempo, Florentino Ariza olhou Fermina Daza ao fulgor do rio, viu-a espectral, o perfil de estátua suavizado por um tênue resplendor azul, e viu que chorava em silêncio.Mas, em vez de consolá-la, ou esperar que esgotasse suas lágrimas, como queria ela, deixou-se invadir pelo pânico.
-Você quer ficar só?
-Se quisesse não diria a você que entrasse.-disse ela.
Então ele estendeu os dedos gelados na escuridão, buscou tateante a outra mão na escuridão, e a encontrou à espera.Ambos foram bastante lúcidos para perceber , num mesmo instante fugaz, que nenhuma das duas era a mão que tinham imaginado antes de se tocar, e sim duas mãos de ossos velhos.

Gabriel Garcia Márquez  in " O amor nos tempos  do cólera"
Impregnada até os ossos pelo amor incondicional de Florentino Ariza por Fermina Daza... Lindo.Imperdível.
A mais bela e perfeta história de amor que a literatura já criou .( para mim, dentre as que conheço,claro!)

Sinais
Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção. Pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e neste momento houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante e os olhos encherem d'água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente divino: o amor.
Se um dia tiver que pedir perdão um ao outro por algum motivo e em troca receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.
Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e a outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e enxugá-las com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida.
Se você conseguir em pensamento sentir o cheiro da pessoa como se ela estivesse ali do seu lado... se você achar a pessoa maravilhosamente linda, mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados...
Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso pelo encontro que está marcado para a noite... se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...
Se você tiver a certeza que vai ver a pessoa envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela... se você preferir morrer antes de ver a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida. É uma dádiva.
Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam ou encontram um amor verdadeiro. Ou às vezes encontram e por não prestarem atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.
É o livre-arbítrio. Por isso preste atenção nos sinais, não deixe que as loucuras do dia a dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o amor.

O AMOR - Carlos Drummond de Andrade
( já postei esse texto , anteriormente, mas -hoje- ele cabe aqui como uma luva)

Claro que é piegas. Inegavelmente meloso. Brega.Faz a gente perder o senso de ridículo.Leva-nos do paraíso ao inferno em segundos e vice-versa. Bate e afaga. Mas, quem é que vive sem ele?Quem nunca sentiu o coração acelerado, saltando pela boca, só porque está na hora de um encontro, não sabe o que é emoção.Que sentido tem a vida sem que a gente se veja nos olhos do outro que tanto amamos? ah! o amor!
Eu poderia ficar aqui o dia inteiro, postando textos de autores brilhantes, mas limito-me a escolher três que falaram tudo em quase nada:o óbvio essencial.
(Os grifos são nossos)


Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.


Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Camões

(PS: Bruno, a julgar pelos últimos 20 posts do seu blog, esse aqui vai diretinho para você. Não tenho conseguido postar lá, mas estou acompanhando suas agruras amorosas...rs bj.)

sábado, 11 de junho de 2011

O medo de cada um.


não guardes os medos
por José Carlos Barros, sábado, 2 de abril de 2011 às 00:50.

não guardes os medos e o coração na mesma gaveta
não deixes o ruído de uns
intrometer-se onde
no outro a luz é quase de água
não escolhas entre duas verdades
não deixes acesas durante a noite as lâmpadas
tão difusas
dos provérbios                                                                                                                                                                   
às vezes é preciso queimar as páginas dos
livros dos usos
às vezes é preciso olhar de frente a luz
da flor da dedaleira
essa que dizem que cega
só de nos aproximarmos
dela

 Quem, por medo do terrível, prefere o caminho prudente de fugir do risco, já nesse ato estará morto. Porque o medo lhe terá roubado aquilo que de mais precioso existe na vida humana: a capacidade de se arriscar para viver o que se ama.
Rubem Alves


Nada sei escrever sobre o medo, porque, de longe, ele é meu maior limite.