domingo, 15 de maio de 2011

Um sentimento de glória interior.

Você quer escrever. Certo, mas você quer escrever? Ou todo mundo te cobra e você acha que tem que escrever? Sei que não é simplório assim, e tem mil coisas outras envolvidas nisso. Mas de repente você pode estar confuso porque fica todo mundo te cobrando, como é que é, e a sua obra? Cadê o romance, quedê a novela, quedê a peça teatral? DANEM-SE, demônios. Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco.

Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, "apaga o cigarro no peito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo". Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.
Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de "meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.

Caio Fernando Abreu

Escrever é sangrar.Esse excerto é fragmento de um texto longo, mas intenso, viceral. É para ser bebido e degustado como a um bom vinho , aos goles.

5 comentários:

  1. É impressionante, Gizelda, como este texto retumba inquietantemente em meu espírito, pois há tempo reprimo a vontade de postar em meu blog alguns textos que compunha há dois meses sobre ateísmo e "ser ateu". Dizer-se ateu em nossa sociedade é como se assumir homossexual...
    Quem sabe este texto possa encorajar-me para a divulação...

    Beijos!
    Com carinho.

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  2. Muito pertinente, Gizelda!
    É por isso que eu nunca serei um escritor. Escrevo apenas, e pouco, nas raríssimas horas vagas...

    Beijo :)

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  3. Querido Bruno...
    ´
    Você não deve e nem pode ter mais amarras. A qualidade dos seus textos transcende a qualquer juízo de valor ou comentário , seja lá o que for.

    Você já sangrou muito em textos belíssimos e conseguiu licença da vida para continuar a criá-los.

    beijos.

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  4. Querido AC...

    Você não escreve "apenas". Escreve muito e muito bem, felizmente para nós que temos oportunidade de lê-lo.

    beijos.

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  5. amei e concordo plenamente.
    conheço pouco Clarice Lispector, pois tirando algumas citações e um livro de contos, pouco mais.é que me esqueço sempre dela quando vou comprar livros. deixo-me sempre enamorar por outros e depois nem sempre encontro livros dela.mas tenho que lhe dedicar um tempo das minhas leituras.
    Agora Caio Fernando Abreu não conheço nada para além do que vou lendo nos blogs dos nosso amigos. :(
    beijo

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