segunda-feira, 9 de maio de 2011

Eu não sou nada. Sou o minuto e a eternidade.


Não me compreendo nem compreendo os outros. Não sei quem sou e vou morrer. Tudo me parece inútil e agarro-me com desespero a um fio de vida, como um náufrago a um pedaço de tábua.

Nem sei o que é a vida. Chamo vida ao espanto. Chamo vida a esta saudade, a esta dor; chamo vida e morte a este cataclismo. É a imensidade e um nada que me absorve; é uma queda imensa e infinita, onde disponho de um único momento.Talvez o mundo não exista, talvez tudo no mundo sejam expressões da minha própria alma.


Faço parte de uma coisa dolorosa, que totalmente desconheço, e que tem nervos ligados aos meus nervos, dor ligada à minha dor, consciência ligada à minha consciência. Estou até convencido que nenhum destes seres existe. Este fel é o meu fel, este sonho grotesco o meu sonho. Estou convencido que tudo isto são apenas expressões de dor – e mais nada.
Nós não vemos a vida – vemos um instante da vida. Atrás de nós a vida é infinita, adiante de nós a vida é infinita. A primavera está aqui, mas atrás deste ramo em flor houve camadas de primaveras de oiro, imensas primaveras extasiadas, e flores desmedidas por trás desta flor minúscula.
O tempo não existe. O que eu chamo a vida é um elo, e o que aí vem um tropel, um sonho, desmedido que há-de realizar-se. E nenhum grito é inútil, para que o sonho vivo ande pelo seu pé. A alma que vai desesperada à procura de Deus, que erra no universo, ensanguentada e dorida, a cada grito se aproxima de Deus. Lá vamos todos a Deus, os vivos e os mortos.
O mundo é um grito. Onde encontrar a harmonia e a calma neste turbilhão infinito e perpétuo, neste movimento atroz? O mundo é um sonho sem um segundo de paz. A dor gera dor num desespero sem limites. Eu não sou nada. Sou o minuto e a eternidade. Sou os mortos. Não me desligo disto – nem do crime, nem da pedra, nem da voragem.
Sou o espanto aos gritos.O sonho completo é o universo realizado.Cada vez mais fujo mais de olhar para dentro de mim mesmo. Sinto-me nas mãos de uma coisa desconforme. Sinto-me nas mãos de uma coisa imensa e cega – de uma tempestade viva. Não só a sensibilidade é universal – a inteligência é exterior e universal.
O universo é uma vibração. A vida é uma vibração na vibração. Toda a teoria mecânica do universo é absurda. Daqui a alguns anos todos os sistemas serão ridículos – até o sistema planetário.


Raul Brandão - Húmus
Eu, meu coração e minha consciência lemos esse texto .É um dos que preenchem a alma e ela permanece vazia, embora repleta de indagações.

3 comentários:

  1. E por termos essa consciência de não sermos o NADA e ao mesmo tempo a ETERNIDADE é que superamos esse nosso contínuo EXISTIR.
    Que belo texto!!!!
    Abraços

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  2. Gizelda, para refletir.
    Abçs
    Drica



    "Se"

    Se, ao final desta existência,
    Alguma ansiedade me restar
    E conseguir me perturbar;
    Se eu me debater aflito
    No conflito, na discórdia...

    Se ainda ocultar verdades
    Para ocultar-me,
    Para ofuscar-me com fantasias por mim criadas...

    Se restar abatimento e revolta
    Pelo que não consegui
    Possuir, fazer, dizer e mesmo ser...

    Se eu retiver um pouco mais
    Do pouco que é necessário
    E persistir indiferente ao grande pranto do mundo...
    Se algum ressentimento,

    Algum ferimento
    Impedir-me do imenso alívio
    Que é o irrestritamente perdoar,

    E, mais ainda,
    Se ainda não souber sinceramente orar
    Por quem me agrediu e injustiçou...

    Se continuar a mediocremente
    Denunciar o cisco no olho do outro
    Sem conseguir vencer a treva e a trave
    Em meu próprio...

    Se seguir protestando
    Reclamando, contestando,
    Exigindo que o mundo mude
    Sem qualquer esforço para mudar eu...

    Se, indigente da incondicional alegria interior,
    Em queixas, ais e lamúrias,
    Persistir e buscar consolo, conforto, simpatia
    Para a minha ainda imperiosa angústia...

    Se, ainda incapaz
    para a beatitude das almas santas,
    precisar dos prazeres medíocres que o mundo vende...

    Se insistir ainda que o mundo silencie
    Para que possa embeber-me de silêncio,
    Sem saber realizá-lo em mim...

    Se minha fortaleza e segurança
    São ainda construídas com os materiais
    Grosseiros e frágeis
    Que o mundo empresta,
    E eu neles ainda acredito...

    Se, imprudente e cegamente,
    Continuar desejando
    Adquirir,
    Multiplicar,
    E reter
    Valores, coisas, pessoas, posições, ideologias,
    Na ânsia de ser feliz...

    Se, ainda presa do grande embuste,
    Insistir e persistir iludido
    Com a importância que me dou...

    Se, ao fim de meus dias,
    Continuar
    Sem escutar, sem entender, sem atender,
    Sem realizar o Cristo, que,
    Dentro de mim,
    Eu Sou,
    Terei me perdido na multidão abortada
    Dos perdulários dos divinos talentos,
    Os talentos que a Vida
    A todos confia,
    E serei um fraco a mais,
    Um traidor da própria vida,
    Da Vida que investe em mim,
    Que de mim espera
    E que se vê frustrada
    Diante de meu fim.

    Se tudo isto acontecer
    Terei parasitado a Vida
    E inutilmente ocupado
    O tempo
    E o espaço
    De Deus.
    Terei meramente sido vencido
    Pelo fim,
    Sem ter atingido a Meta.

    (Professor Hermógenes)

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  3. Gizelda,

    Que texto!

    Não somos NADA... e nesse nada, que às vezes é TUDO, acabamos por ser TANTO...

    Como medir a eternidade? Há minutos que parecem mesmo uma eternidade e são demasiado longos... Há outros que achamos tão curtos no tempo mas são eternos dentro de nós...
    O tempo marca o seu compasso ao ritmo certo, mas somos realmente nós que o vemos com eternidades diferentes, com limites e infinitos... Dúvidas, passagens, existências... tanto nos (des)arrumam os pensamentos... mas é esse desassossego que também nos mantém acordados, vivos...
    Tomar consciência deste texto é um constante renascer de indagações...

    É mesmo um belo texto, Gizelda!

    Beijinhos

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