terça-feira, 24 de maio de 2011

Entre partir e ficar.

Entre partir e ficar hesita o dia,
enamorado de sua transparência.
A tarde circular é uma baía:
em seu quieto vai e vem se move o mundo.

Tudo é visível e tudo é ilusório,
tudo está perto e tudo é intocável.
Os papéis, o livro, o vaso, o lápis
repousam à sombra de seus nomes.

Pulsar do tempo que em minha têmpora repete
a mesma e insistente sílaba de sangue.
A luz faz do muro indiferente
Um espectral teatro de reflexos.

No centro de um olho me descubro;
Não me vê, não me vejo em seu olhar.
Dissipa-se o instante. Sem mover-me,
eu permaneço e parto: sou uma pausa.

Otávio Paz

É na pausa que mora o segredo.
Partir é desnudar o desconhecido,aventurar-se; ficar é receber o aconchego do já vivido.
Mas, como diria Zuenir Ventura : A cabeça pode gostar de novidade, mas o coração adora repetir o já provado. Se as idéias vivem da originalidade, os sentimentos gostam da redundância. Não é por acaso que o prazer procura a repetição.

É assim que , na maioria das vezes, acabamos ficando...

3 comentários:

  1. Ah, Gizelda, os seus posts são algo de precioso! De tal forma que me fazem lembrar a postura da maioria das pessoas: de tão preocupadas em encontrar, não conseguem ver o óbvio. Será a cegueira eterna?

    Beijo :)

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  2. "Alegre, eu, por haver partido! Meu caro amigo, que é então o coração humano?(...) prometo emendar-me. Não mais, como foi sempre meu costume, repisarei os aborrecimentos miúdos que a sorte nos reserva. Quero fruir o presente e considerar o passado como o passado. Você tem razão: os homens sofreriam menos se não se aplicassem tanto (e Deus sabe por que eles são assim!) a invocar os males idos e vividos, em vez de esforçar-se por tornar suportável um presente medíocre."

    "A vida humana não passa de um sonho. Mais de uma pessoa já pensou nisso. Pois essa impressão também me acompanha por toda a parte. Quando vejo os estreitos limites onde se acham encerradas as faculdades ativas e investigadoras do homem, e como todo o nosso trabalho visa apenas a satisfazer nossas necessidades, as quais, por sua vez, não têm outro objetivo senão prolongar nossa mesquinha existência; quando verifico que o nosso espírito só pode encontrar tranqüilidade, quanto a certos pontos das nossas pesquisas, por meio de uma resignação povoada de sonhos, como um presidiário que adornasse de figuras multicoloridas e luminosas perspectivas as paredes da sua cela... tudo isso, Wilhelm, me faz emudecer. Concentro-me e encontro um mundo em mim mesmo! Mas, também aí, é um mundo de pressentimentos e desejos obscuros e não de imagens nítidas e forças vivas. Tudo flutua vagamente nos meus sentidos, e assim, sorrindo e sonhando, prossigo na minha viagem através do mundo."

    "As crianças - todos os pedagogos eruditos estão de acordo a este respeito - não sabem a razão daquilo que desejam; também os adultos, da mesma forma que as crianças, caminham vacilantes e ao acaso sobre a terra, ignorando, tanto quanto elas, de onde vêm e para onde vão. Não avançam nunca segundo uma orientação segura; deixam-se governar, como as crianças, por meio de biscoitos, pedaços de bolo e ameaças. E, como agem por essa forma, inconscientemente, parece-me, que se acham subordinados à vida dos sentidos."

    "Concordo com você (porque já sei que você vai contraditar-me) que os mais felizes são precisamente aqueles que vivem, dia a dia, como as crianças, passeando, despindo e vestindo as suas bonecas; aqueles que rondam, respeitosos, em torno da gaveta onde a mãe guardou os bombons, e quando conseguem agarrar, enfim, as gulodices cobiçadas, devoram-nas com sofreguidão e gritam: '“Quero mais!”' Eis a gente feliz! Também é feliz a gente que, emprestando nomes pomposos às suas mesquinhas ocupações, e até às suas paixões, conseguem fazê-las passar por gigantescos empreendimentos destinados à salvação e prosperidade do gênero humano. Tanto melhor para os que são assim! Mas aquele que humildemente reconhece o resultado final de todas as coisas, vendo de um lado como o burguês facilmente arranja o seu pequeno jardim e dele faz um paraíso, e, de outro, como o miserável, arfando sob seu fardo, segue o seu caminho sem revoltar-se, mas aspirando todos, do mesmo modo, a enxergar ainda por um minuto a luz do sol... sim, quem isso observa à margem permanece tranqüilo. Também este se representa a seu modo um universo que tira de si mesmo, e também é feliz porque é homem. E, assim, quaisquer que sejam os obstáculos que dificultem seus passos, guarda sempre no coração o doce sentimento de que é livre e poderá, quando quiser, sair da sua prisão."

    Enfim é isto minha querida professora Gizelda... todos almejamos, ainda que por um minuto, seja aqui, lá ou acolá... "enxergar ainda por um minuto a luz do sol".
    Felicidades á voce, fico por aqui saboreando Goethe.
    Abçs
    Drica

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  3. Obrigada por + este post. gosto do Zuanir Ventura e gosto dos seus remates, Gizelda.
    beijo

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