terça-feira, 31 de maio de 2011

Desviar das setas.


COMUNICADO

Só por hoje
vou rasgar os códigos.
Desacato as regras,
a água morna,
os preços módicos.
Só por hoje
desacredito das retas,
descarrilho do trilho,
desvio das setas.
Preciso de tempo pra sonhar,
respirar fundo e carregar na mão
o sal da vida e o mel do mundo.
Se o compromisso tocar a campainha,
peço que aguarde na casa vizinha,
mansamente, sem fazer alarde.
Mas comunico a todos pela imprensa
que sumiu a lucidez.
Pediu licença.
É só por hoje,
mas agora é minha vez.
( os grifos são meus)
Flora Figueiredo


Em "A Igreja do Diabo", de Machado de Assis, descreve a necessidade que o homem teria de regras que lhe digam o que fazer e como se comportar. Uma vez conseguido isso, ele passaria a violar secretamente as normas que tanto desejou.

Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma Igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. (...) Está claro que (o Diabo) combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie. (...) A Igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo.


Um dia, porém, longos anos depois, notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. (...) Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano (...) muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros. [Nota: embaçar: lograr, enganar]


Quebrar regras para "carregar na mão o sal da vida e o mel do mundo" . Por que não?
Lindooooo!

3 comentários:

  1. Realmente é lindo!Uma grande inspiração Gi como sempre.
    beijos.

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  2. As regras fizeram-se para nos ordenar mas...também para as falhar!! É aquele apetite que ás vezes nos assalta para...prevaricar: seguir pelo atalho em vez da estrada larga por demais conhecida!
    Gostei da postagem!
    Mil beijos
    Graça

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  3. Acho que a condição básica e indispensável para desafogar-se dos interditos, adiar obrigações, desobedecer as normas é estar criticamente consciente.

    Beijos!

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