domingo, 6 de fevereiro de 2011

O amor fratura-nos.

O Animal Moribundo ( excertos)


A única obsessão que toda a gente quer: “amor”. As pessoas pensam que ao amar se tornam inteiras, completas? A união platônica das almas? Eu não penso assim. Penso que estamos inteiros antes de começarmos. E o amor fratura-nos. Estás inteiro e depois estás fraturado, aberto. Ela foi um corpo estranho introduzido na tua totalidade. Aquele que forma um laço está perdido, a ligação é minha inimiga e, por isso, eu empregava aquilo a que Casanova chamava “o remédio do estudante” – em vez dela masturbava-me. Imaginava-me sentado ao meu piano enquanto ela estava toda nua ao meu lado. Uma vez representamos esse tableau ao vivo, de modo que eu estava tanto a recordar como a imaginar. (...)

O que é o ridículo? Renunciar voluntariamente à nossa liberdade: esta é a definição do ridículo. Aquele que é livre pode ser louco, estúpido, repelente e sofrer precisamente porque é livre, mas não é ridículo (...) talvez agora que me aproximo da morte também eu anseie secretamente por não ser livre.”


Há que fazer uma distinção entre morrer e a morte. Nem tudo é morrer ininterruptamente. Se somos saudáveis e nos sentimos bem, vamos morrendo invisivelmente. O fim, que é uma certeza, não tem de ser arrojadamente anunciado. Não, não podemos compreender. A única coisa que compreendemos acerca dos velhos quando não somos velhos é que foram marcados pelo seu tempo. Mas compreender isso imobiliza-os no seu tempo, o que equivale a não compreender nada. Para aqueles que não são ainda velhos significa que já fomos.


Philip Roth , in O animal moribundo,  Ed. Dom Quixote

Não importa o lugar ou a época, o drama humano é sempre o mesmo, e dele não podemos escapar. Roth, um grande contador de histórias, tem o talento para deixar isso sempre muito claro.


“Todos acabam fazendo parte da história, mesmo que não gostem, mesmo que não saibam” – Philip Roth

9 comentários:

  1. Um texto fértil para os pensamentos! Excelente! Mas devo discordar, em parte, num ponto. Longe de dar ouvidos à ingenuidade que subjaz à ideia de unidade, de fusão de almas da concepção platônica, é preciso reconhecer que não somos inteiros, se consideramos por intereiza auto-suficiência. Somos pessoas inteiras. E o amor nos abre para a doação de uma pessoa inteira a outra pessoa inteira. Não se pode amar pela metade. E essa consciência da abertura da pessoa inteira pelo AMOR é também consciência de nossa condição de seres de "relação com". Cada vez que amamos essa consciência é reavivada intensamente. O AMOR nos liberta dos domínios do ego, onde ficamos confortados. O AMOR nos desconforta, de certo modo, não porque nos fracione, mas porque exige mais de nós mesmos. Essa exigência é um querer para a vida.

    Beijos carinhosos!!

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  2. Obrigada, Gizelda.
    Amo Philip Roth.
    leio tudo o que apanho dele.E tento também ter tudo o que é publicado por ele.lê-lo faz-me pensar...
    beijo

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  3. Amiga, parabéns pela exelente escolha desse belíssimo e reflexivo texto! Estou imensamente feliz em poder novamente estar aqui com você, viu? Você está guardadinha em um lugar muito especial em meu coração! Deixo carinhos e beijos pra ti.

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  4. Querido Bruno...

    Uma semana caótica me impediu de responder-lhe antes,mas devo agradecer pela sua presença e o brilho com que você comentou o post. Aliás, nada surpreendente ,considerando-se tudo o que escreve.

    Acho que essa ideia de fratura ( como título)veio complementar meu post anterior, onde FP alega que as pessoas não sabem viver sozinhas e buscam nos outros o que não conseguem em si próprias.
    Doação : essa palavra me incomoda muito.Não acho que amor deva ser doação , seja inteira ou em partes.Acho que deve partir da admiração, crescer pelo encantamento, aceitação do outro com tudo o que ele é, menos soma.

    Para mim, amor respeita a individualidade, pois sem ela não existimos.
    Talvez, seja esse o ponto que faça tanta gente estar sozinha.Eu, por exemplo.

    Beijos.

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  5. Em@ querida...

    Você é uma pessoa ímpar. Toda vez que aqui aparece, sinto como se a conhecesse há muito.
    É muito bom partilhar desse espaço com vc.

    Muitos beijos.

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  6. Querida Flor...

    O seu perfume voltou á blogosfera e nos fez muito feliz.Seus versos são doces e sentidos ,palavras que se juntam e nos encantam.
    Obrigada.

    Beijos.

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  7. Minha Querida
    Que lindo presente, trazer-nos Philip Roth...
    Estou de acordo com o comentário do Bruno Andrade: as pessoas são inteiras e doam-se umas ás outras sem fracturar nada...
    Apenas o egoismo fratura e dexa as pessoas aos pedaços...Quanto mais amamos, mais livres somos!
    Mil beijos
    Graça

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  8. Amiga querida, vim lhe dar um abraço e lhe deixar carinhos, viu? Bjsss

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