sábado, 26 de fevereiro de 2011

Uma sexta –feira triste...( sem ficção)

Quero-quero.
Esse espaço não foi criado para desabafos , nem exposição de problemas pessoais. Longe disso .Sempre teve a intenção de garimpar preciosidades literárias que povoaram a minha vida, fizeram-me melhor e mais rica do que eu poderia ser e que tenho pena que se percam sem que alguns as conheçam.

Na minha modesta opinião , somos uma colcha de retalhos do que aprendemos e vivemos e podemos escolher as tecelagens mais suaves,as de cores mais intensas, as mais macias ou mais rústicas ,dependendo do ponto de vista de cada um. Tenho consciência dos meus valores sociais, políticos, religiosos, filosóficos, etc e não os discuto aqui, porque acabo extrapolando. Como já o disse alhures, não sou de ribalta. Gosto dos bastidores, por isso me abstenho.Um pequeno relato poderá justificar esse post.


Há pouco mais de dois anos, estou a dar aulas de literatura em uma escola particular de dimensão e celebridade reconhecidas. Recém-construída em um local inacreditável, um paraíso exuberante de matizes de azuis, verdes e pássaros. Literalmente, no meio do mato. Um dos meus nichos pedagógicos é a biblioteca: grande, ensolarada, cujas imensas paredes de vidro permitem às crianças que vivenciem a natureza na sua esplendorosa criação. Indescritível admirar dali o pôr-do sol , assim como o nascer das primeiras estrelas no final das aulas vespertinas.


Coruja buraqueira
Em manhãs extremamente azuis, as corujas buraqueiras saem para tomar sol em grupinhos organizados de três. Dezenas de quero-queros bicam bichinhos bem ao alcance das nossas mãos, maritacas em bando voam aos gritos saudando as manhãs Mais de uma vez, minha aula da manhã foi interrompida , quando- pasmem- uma ave imensa tentou bicar o vidro da janela e as crianças maravilhadas viveram ,em aula, amor aos animais, literatura da alma. Não tenho noção do que é, ou era,mas - linda.Crianças e pássaros, a conjunção perfeita. Como diria um cartão de crédito : isso não tem preço!
Maritacas
Mas... sempre há uma adversativas nas histórias de cada um.
Para nós foi a especulação imobiliária que, em dois anos, povoou os arredores. Espigões sobem em uma velocidade assustadora,placas comerciais preenchem espaços antes vazios e poluem os olhos, enfim o terror” do século XXI : lucro.


Assim , bem à frente da escola, o terreno imenso foi vendido para uma sociedade e será nele construído um shopping. Dá para acreditar? O que era só uma notícia má, nessa quinta solidificou-se em realidade. Alguns homens vestidos de azul, com capacetes coloridos, plantaram no espaço o início de um acampamento. Bom para alguns, um prejuízo natural imenso para a maioria. Mas, quem se importa?  No próximo ano , o nosso entardecer será ver através dos vidros um imenso neon do Mc Donald`s ...entre carros e buzinas que irão se engalfinhar por estacionamento.


A sequência dessa história era previsível... Ontem pela manhã , as corujinhas não estavam mais ali. Esconderam-se? Fugiram? Para onde foram? Tentei encontrá-las, em vão, porém,mais ao fundo, vi, pela primeira vez, uma belíssima garça azul . Uma cena inacreditável contra o sol que nascia. Eu nunca a vira ali. Seria uma só?Quantas delas não estarão se sentindo ameaçadas...senti uma tristeza profunda.
Levei, nessa manhã, as crianças à biblioteca e mostrei-lhes , ao lado dos homens que trabalhavam, dezenas de pássaros- as mais variadas espécies- no mato rasteiro, juntos,uma profusão de cinzas e azuis, como que cerrando fileiras em defesa do seu chão.
As crianças surpreeenderam-se ,encantaram-se e comoveram-se.

À tarde, sentada na sala dos professores, com a Ana Amélia ,minha parceira de aulas, comentei  sobre o meu incômodo. Para minha surpresa, ela sacou o celular da bolsa e me disse: “Olha a foto da corujinha nessa janela. Eu olhava para ela , ela , para mim, vezes sem conta. Tive que fotografá-la.”Ao olhar aquilo,meu coração se estreitou. Um bichinho indefeso encostado no vidro da janela. Seria um mudo pedido de socorro? A foto gerou esse post, porque continua doendo.

É manhã de sábado. Continuo com lágrimas nos olhos. Como é difícil ser impotente diante da cegueira humana! Sim, temos que “OLHAR E VER”. Mas, o que fazer com isso? Apenas condoer-se e aceitar como se fosse natural?
Há algum tempo tenho estado incomodada –muito- com coisas que tenho visto e vivido. Acho que não há mais lugar no mundo contemporâneo para alguém como eu...Estou fora de sintonia.

Hoje, abri espaço aqui para falar sobre mim, sobre você, sobre nós. Falar sobre uma sexta-feira triste...como muitas outras em muitos lugares do planeta por motivos semelhantes.

Gizelda...sem ficção.

Em tempo : Guimarães Rosa em “ Primeiras Estórias” escreveu magistralmente sobre a destruição ambiental que a construção de Brasília causou no Planalto Central. “Às margens da alegria “ abre o livro e nos mostra – sob o ponto de vista de uma criança- quando ele,GR, ao lado do amigo- presidente, Juscelino Kubitschek , sobrevoou o local, “OLHOU E VIU” o que ia acontecer.
 Quanto custou Brasília, além do dinheiro? Rosa previu e como era iluminado mostrou-nos sua mágoa sob forma literária. Eu sabia que o conto tinha origem real, mas só ontem ele saltou do livro e deixou de ser ficção.

Leitura obrigatória para quem se emociona em qualquer idade, em qualquer tempo.Deveria ser para todos.

02 /11/2013

A conclusão previsível dessa triste história.

Há alguns dias o imenso shopping foi inaugurado. As pessoas se engalfinham pelos corredores imaculadamente novos e intensamente iluminados.

Pena que não percebam que as luzes brilhantes substituiram  das estrelas ...e para cada  barulho do dinheiro caindo em uma caixa registradora, um pássaro deixou de cantar.

Felizmente, não estou mais lá, não tenho que conviver com isso todos os dias.

"Maravilhoso" mundo novo! Será??????

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A vida é real de viés.

O Quereres
Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês


Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês eu, não vislumbro razão
Onde queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês


Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor...


Onde queres o ato, eu sou espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
Onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te e amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor


Mas a vida é real de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero e não queres como sou
Não te quero e não queres como és

Caetano Veloso.

“O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como sua verdadeem lugar da flor: essas formas não só se distinguem, mas também se repelem como incompatíveis, entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente necessários. É essa igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo.”

Hegel : Fenomenologia do Espírito

Há momentos em que qualquer palavra a mais transborda.Esse é um deles...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Viver conforme nosso desejo.


'Eu preferiria não o ajudar a ferir outras pessoas, meu amigo, ou a causar a si próprio outras feridas para além daquela que considerar ser o seu paraíso. O rato vive numa toca. É extremamente difícil viver numa toca; pelo menos, os pássaros considerariam que seria um mau paraíso. Por outro lado, a águia sente-se em casa nos picos das montanhas e considera-se a rainha de todos os ventos. Ah, como isso é completamente absurdo, meu amigo!
E os nossos pobres pássaros das charnecas voltam todas as Primaveras à Islândia e partem todos os Outonos voando com aquelas asinhas inúteis sobre o temível oceano. Mas não se pense que o fazem acidentalmente ou à sorte. Não, têm a sua filosofia própria, embora possam ser citadas autoridades para provar que se trata de um ato de loucura. Eu nunca faria isso. Eu defendo que se deveria ajudar todas as criaturas a viver conforme o seu desejo. Mesmo que um rato me dissesse que gostaria de viajar sobre o oceano e que uma águia afirmasse que estava a pensar escavar um buraco no chão, eu diria: Força nisso.

No mínimo deveríamos permitir que os outros vivessem como cada um de nós pretende viver, desde que não os impedíssemos de viver como quisessem viver. Eu sei que é possível provar que tudo correria melhor se fôssemos todos minhocas e se vivêssemos todos no mesmo quintal, mas a águia pura e simplesmente não acredita na verdade, nem o rato. Eu estou tanto do lado da águia que adere a uma doutrina manifestamente falsa, como do lado do rato, que é tão humilde na sua maneira de pensar que escava para si um buraco no chão. Eu sou amigo das aves migratórias, embora, para ser simpático, elas adiram a filosofias dúbias, talvez até mesmo errôneas.'

In Os Peixes Também Sabem Cantar de Halldór Laxness ( Nobel 1955)

O romance, que se situa em inícios do século XX, acompanha a passagem da infância para a vida adulta do jovem Álfgrímur. Abandonado pela mãe em Brekkukot, uma propriedade rural na periferia de Reykjavík – então uma pequena cidade de poucos habitantes e sob o domínio dinamarquês –, a infância de Álfgrímur decorre de forma idílica entre os trabalhos domésticos na quinta, com a avó adotiva que recita os rímur e as antigas sagas islandesas, a aprendizagem de latim e a audição, à noite, das histórias dos excêntricos habitantes de Brekkukot.

Álfgrímur, que sonha um dia tornar-se pescador, tal como o seu avô, vê no entanto todos os seus projectos de futuro serem abalados pelo regresso a casa do Garõar Hólm. Famoso cantor lírico, orgulho da Islândia, a vida de Garõar está porém envolta num misterioso segredo, que caberá a Álfgrímur desvelar, ligando para sempre a sua vida à desta estranha personagem. Será Garõar a fazer com que Álfgrímur se apaixone pela música, incitando-o a alcançar com o canto da sua voz a «Nota Pura».

Ganhei esse livro e-como sempre- estou envolvida nele até o último fio de cabelo...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Um só sabor de fruta madura.


Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.

Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura.
E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

O Jogo da Amarelinha- Capitulo 7- Julio Cortázar

O Jogo da Amarelinha é uma obra aberta, um romance que pode ser desmontado pelo leitor, que tem a liberdade poucas vezes concedida a alguém de refazer a sequência de seus capítulos. "Um romance sanguíneo como o bebop", assim disse Cortázar e assim repetiram seus estudiosos mais ilustres. É claro que, como recomenda sua bula, posso ler seus 155 capítulos na ordem que preferir. Posso começar no de número 56, voltar para o de número 12 e depois correr para o de número 98. Cada combinação escolhida dá à trama e às personagens diferente colorido.
A narrativa começa no céu e acaba no inferno, principia no amor e termina na morte, quando não ao contrário. Tudo depende de por onde se entra e por onde se sai durante a leitura.
 
O importante é entrar... como sair depende de cada um.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Outro presente...muito especial.

Minha querida Paula...
estou encantada com seu carinho.Partilhar de  sua sensibilidade e de sua delicadeza é um presente especial que eu quero reter e dividir, porque é tão intenso que transborda.

Obrigada do fundo do meu coração.Beijoooooooooossss.

...E vamos confiar na vida!


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Da vida prá mim : o presente.

Esse presente me foi dado, quando nasci. Parece intacto. Só parece...Usei-o descuidadamente.Nunca soube o seu valor real ,e talvez continue sem saber,embora haja uma tênue resposta no ar.

O que guarda,afinal,essa caixa? Uma preciosidade:TEMPO.
Ou...o que resta dele, o meu tempo.

Eu o vim gastando sem a menor cerimônia, e preocupar-se comigo e com ele foi o que menos fiz.                 
Não sei por que, acreditei que nunca se acabaria e que poderia manejá-lo como quisesse a meu favor em que hora fosse.Ledo engano! Ele é frio, indiferente. É só ( e muito!) o tempo.

Agora devo descartar o que eu fiz do que se foi. Passou.E usar com leveza o que ainda há.

E o que há?Quanto?!!!Surpresa ! O presente jamais será aberto.

E realmente pouco importa, desde que eu tenha coragem para vivê-lo com tudo que vier, seja lá quanto e o que for.
O Presente : Da vida prá mim...mais ( ou menos?!!!) um ano!

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O amor fratura-nos.

O Animal Moribundo ( excertos)


A única obsessão que toda a gente quer: “amor”. As pessoas pensam que ao amar se tornam inteiras, completas? A união platônica das almas? Eu não penso assim. Penso que estamos inteiros antes de começarmos. E o amor fratura-nos. Estás inteiro e depois estás fraturado, aberto. Ela foi um corpo estranho introduzido na tua totalidade. Aquele que forma um laço está perdido, a ligação é minha inimiga e, por isso, eu empregava aquilo a que Casanova chamava “o remédio do estudante” – em vez dela masturbava-me. Imaginava-me sentado ao meu piano enquanto ela estava toda nua ao meu lado. Uma vez representamos esse tableau ao vivo, de modo que eu estava tanto a recordar como a imaginar. (...)

O que é o ridículo? Renunciar voluntariamente à nossa liberdade: esta é a definição do ridículo. Aquele que é livre pode ser louco, estúpido, repelente e sofrer precisamente porque é livre, mas não é ridículo (...) talvez agora que me aproximo da morte também eu anseie secretamente por não ser livre.”


Há que fazer uma distinção entre morrer e a morte. Nem tudo é morrer ininterruptamente. Se somos saudáveis e nos sentimos bem, vamos morrendo invisivelmente. O fim, que é uma certeza, não tem de ser arrojadamente anunciado. Não, não podemos compreender. A única coisa que compreendemos acerca dos velhos quando não somos velhos é que foram marcados pelo seu tempo. Mas compreender isso imobiliza-os no seu tempo, o que equivale a não compreender nada. Para aqueles que não são ainda velhos significa que já fomos.


Philip Roth , in O animal moribundo,  Ed. Dom Quixote

Não importa o lugar ou a época, o drama humano é sempre o mesmo, e dele não podemos escapar. Roth, um grande contador de histórias, tem o talento para deixar isso sempre muito claro.


“Todos acabam fazendo parte da história, mesmo que não gostem, mesmo que não saibam” – Philip Roth

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Para viver a dois...

"Enquanto não superarmos
a ânsia do amor sem limites,
não podemos crescer
emocionalmente.

Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos
a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes,
é necessário ser um."

Fernando Pessoa

...porque ele é essencial.