sábado, 15 de janeiro de 2011

Não se deixe aprisionar por nenhuma afeição.



Aprenda a repelir a amizade, ou melhor, o sonho da amizade. Desejar a amizade é um grande erro. A amizade deve ser uma alegria gratuita como as que oferece a arte, ou a vida. É preciso recusá-la para ser digno de recebê-la: ela é da ordem da graça ("Meu Deus, afastai-vos de mim..."). É dessas coisas que são dadas por acréscimo. Todo sonho de amizade merece ser quebrado. Não é por acaso que você nunca foi amado... Desejar escapar à solidão é uma covardia. A amizade não se busca, não se sonha, não se deseja; ela se exerce (é uma virtude). Abolir toda essa margem de sentimento, impura e confusa. Acabou-se!

Ou melhor (pois não se deve podar em si mesmo com rigor excessivo), tudo o que, na amizade, não se dá como trocas efetivas deve dar-se como pensamentos refletidos. É inútil abster-se da virtude inspiradora da amizade. O que deve ser severamente impedido é sonhar com as satisfações do sentimento. Isso é corrupção. É tão estúpido quanto sonhar com a música ou a pintura. A amizade não se deixa desligar da realidade, e tampouco o belo. Ela constitui um milagre, como o belo. E o milagre consiste simplesmente no fato de que ela existe. Aos vinte e cinco anos, é mais do que tempo de acabar radicalmente com a adolescência...

Não se deixe aprisionar por nenhuma afeição. Preserve sua solidão. No dia, se proventura ele chegar, em que uma verdadeira afeição lhe for dada, não haverá oposição entre a solidão interior e a amizade, pelo contrário. É inclusive por esse sinal infalível que você a reconhecerá.


WEIL, Simone. A gravidade e a graça. São Paulo: Martins Fontes, p.72



Um "senhor" texto de uma filósofa jovem e densa que viveu o que pregou . Morreu aos 34 anos com a maturidade de 100 bem vividos. Uma obra imperdível e, obviamente, questionável, segundo os valores de quem a lê.
Minha alma precisa dessas reflexões.

10 comentários:

  1. Meu Deus... eu acordei, falando pra minha mãe sobre seu blog, entro e do de cara com um texto desse. Se você precisa dessas reflexões, precisamos de você para tomarmos ciência das mesmas. Eu não gostei do texto, ele me incomodou me entristeceu, e por isso mesmo, acredito que devo pensar sobre.
    Um grande beijo e um terno abraço.
    Bruno

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  2. Querido Bruno...

    que bom que você gosta do Desassossego. Acho que , ao ler esses textos ,você vai compreender o nome do meu blog...rs.Muito obrigada!

    Beijos. Volte sempre.

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  3. Gizelda,
    Tal como diz, é um senhor texto.
    Embora os conceitos sejam, aparentemente, subtis, há toda um delimitar das águas onde não há concessões.
    Fez-me (e faz-me) pensar, sinto-me bastante grato com a sua postagem.

    Beijo :)

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  4. Confesso que esse texto causou-me desassossego... Não consigo imaginar a vida sem afeição... mesmo sabendo que hoje em dia, em tempos de modernidade liquidas onde à inconstância e a volatilidade das relações levam cada vez mais a individualização das pessoas, prefiro ainda assim, acreditar no valor do amor e da amizade.
    Vale a reflexão!!!
    Bjusss

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  5. "A amizade deve ser uma alegria gratuita como as que oferece a arte,ou a vida".
    Também preciso destes textos para refletir. Não conhecia a autora.
    Preciso desta amizade, Gizelda. sinto que me faz bem.
    A sua neta tem uns olhos maravilhosos...Como a arte...

    Beijinho

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  6. Uma proposta daquelas!...

    Acorda a consciência, despreza "panos-quentes"

    Na verdades, somos mais sós do que o que alguma vez teremos consciência.

    Adorei!

    Um beijo

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  7. Querido AC...

    Como já disse alhures, há textos que me instigam e que me fazem ter pontos de vista diferenciados sobre algo que eu já havia visto.

    Incomodam? Claro que sim. Mas não é unanimidade.A nossa vantagem é poder discordar.

    Beijo.

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  8. Zélia...

    Que delícia tê-la aqui...entretanto , acho que o cerne da questão não deixar a amizade ou ou amor fora das nossas vidas, mas sim não se deixar aprisionar por eles.

    Todo sentimento é, na maioria das vezes, possessivo e , creio, ser esse o problema.

    Beijos. Obrigada. E ficar desassossegada aqui é regra, não exceção.(rs)

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  9. Obrigada pelo elogio à neta. Os olhos dela são cor de avelãs...lindos e doces. Avó corujíssima, pois ela mora comigo desde bebê ( tem 12 anos)e temos uma cumplicidade impar.

    Quanto ao texto, Ibel, é isso. Óbvio que é discutível, mas se presta a uma boa reflexão.

    Beijos.

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  10. Oi, Lídia...

    Não tem panos-quentes. É isso,porque nosso conceito de amor e de amigade envolve posse, "é meu", e isso é prisão.

    Qualquer sentimento deve ser gratuito,algo difícil de aceitar, porque queremos ser correspondidos a qualquer preço.

    Beijo

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