quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A maturidade do amor...uma forma de liberdade.

Fonte:Nova Semente
Outono.
Segundo o dicionário, outono não é apenas a estação dourada do ano, mas a idade em que se deixa de ser jovem. Willie estava quase com 60 e eu percorria com passo ainda firme a década dos 50, mas minha juventude acabou junto com você, Paula, no corredor dos passos perdidos daquele hospital madrileno. Senti a maturidade como uma viagem para dentro e o começo de uma nova forma de liberdade: podia usar sapatos confortáveis e já não tinha que fazer dieta nem agradar a meio mundo, só àqueles que realmente me importam. Antes tinha as antenas sempre prontas para captar a energia masculina no ar; depois dos 50 as antenas enferrujaram e agora só Willie me atrai. Bem, Antonio Banderas também, mas isso é puramente teórico. Willie e eu tivemos o corpo e a mente mudados. A memória prodigiosa dele começou a dar uns tropeços, já não conseguia lembrar os números de telefone de todos os seus amigos e conhecidos. Suas costas e joelhos enrijeceram, suas alergias pioraram, e me acostumei a ouvi-lo pigarrear a todo instante como uma locomotiva velha. Por sua vez, ele se resignou às minhas peculiaridades: os problemas emocionais me provocam cólicas e dor de cabeça, não posso ver filmes sanguinários, não gosto de reuniões sociais, devoro chocolate às escondidas, me irrito com facilidade e torro dinheiro como se crescesse em árvores.

Neste outono da vida, por fim, nos conhecemos e nos aceitamos inteiramente; nossa relação enriqueceu. Estarmos juntos nos parece tão natural como respirar, e a paixão sexual cedeu lugar a encontros mais tranquilos e ternos. Nada de castidade. Nós nos apegamos, já não queremos nos separar, mas isso não significa que não tenhamos algumas brigas; nunca largo minha espada, por via das dúvidas.

Isabel Allende  in A Soma dos Dias

Não sei se o amor amadurece e se enquadra no que somos ou...nós amadurecemos e nos enquadramos no que se chama  amor.Quem lê Isabel e conhece sua consciência política  admira-se da placidez e da leveza com que ela criou A Soma dos Dias. Em verdade, depois de ler "Paula", no qual, em um exercício de estoicismo, ela entregou aos poucos a filha jovem a uma doença implacável , tornei-me sua admiradora inconteste pela superação , pelo menos , aparente.

8 comentários:

  1. Lindo excerto!
    Talvez o próprio amor mesmo se torne outono... Lindo poder ter uma expectatica de um amor maduro, tranquilo e briguento vez ou outra!!! rss
    Bjs e bom dia!

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  2. Gizelda,
    Talvez devido a ideias feitas, habituámo-nos a ver o amor numa perspectiva de eternos jovens. O cinema pouco fala da subtileza das coisas do amor, almejadas com o passar dos dias, pois isso não faz bilheteiras. Os próprios livros, mais libertos duma pressão imediata, não são imunes à lei da oferta e da procura. Mas há todo um percurso na descoberta da cumplicidade, percurso esse que tem a ver com o acesso à sabedoria. E esse é um campo restrito. Que vende pouco, obviamente.
    Chegado a este ponto, apetece discorrer sobre a efemeridade das relações que se vive actualmente, sem tempo para a constante (re)descoberta do outro. Mas há-de haver nova oportunidade, que o Desassossego prima por mexer em todas as feridas abertas.

    Beijo :)

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  3. Querida Van...

    Acho que são poucos os que conseguem, mas...se chegam lá , esse apego é segurança emocional( se é que isso existe).

    Uma coisa é certa, o amor na juventude é arroubo, aventura,extase, paixão e muita ansiedade, inquietação, desconfiança, dor...

    Aff...quem sou eu para tentar descrever o amor? Mas, concordo com você, o amor descrito no texto é lindo.

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  4. Sem dúvida, AC...

    O amor cantado pela mídia , em geral, é jovem e fogoso.Seria preciso que as pessoas lessem " O amor no tempo do cólera" de Garcia Marquez, para ter noção do que é Amor ( com maiúscula)construído durante uma vida inteira.

    Beijo.

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  5. querida Gizelda,
    eu sou uma admiradora da Isabel Allende desde que publicou "A casa dos espíritos". o seu realismo mágico sempre me atraíu.Claro que a doença e a morte de Paula exerceram sobre ela um efeito apaziguador na forma como passou a encarar o quotidiano.daí o viver este amor maduro com o seu Willie.

    beijo

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  6. Em@ ...

    eu também sou admiradora dela por muitas obras, a começar pela Casa dos Espíritos.

    Acho que a morte da Paula tirou-lhe o encantamento de viver em sociedade e carregou-a definitivamente para a ficção entremeada de mágoa.

    Nesse texto aí acima, ainda que pese a beleza dele, há um tom conformista muito triste.

    Beijo, querida.

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  7. Olá Gizelda!

    Gosto de Isabel Allende. Li uma boa parte da sua obra, mas "A Soma dos Dias" ainda não. Obrigada por ter trazido este excerto que me vai obrigar a procurar o livro mais depressa.

    Obrigada também pela generosidade das suas palavras nas minhas "searas".

    Um beijo

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  8. Oi, Lídia...

    Bom dia! Eu é que preciso agradecer os belos poemas com que vc iluminou a blogosfera em 2010.

    E também pela sua presença no Desassossego.

    beijos

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