terça-feira, 28 de setembro de 2010

Férias...um encontro de mim comigo.

Em 03/07 , à noite, quando as pessoas que amo ( neta e filha) foram-se embora, entrei em casa com a sensação de deserto. Não sabia bem o que fazer de mim, e do oco que se me apresentava.

O som da TV, a tela do computador, a noite inteira à minha disposição ( era sexta-feira!)nada era companhia. Tentei dormir, em vão. Como se preenche o vazio ? E com quê? Adormeci pelo cansaço.

Mas...no dia seguinte dei-me conta de uma coisa preciosa –não me lembro de tê-la vivido antes :O MEU TEMPO NÃO TINHA RELÓGIO!

Os dias eram inteirinhos meus,sem fogão, sem planejamento de aulas , sem corrigir redações, sem hora para almoçar , dormir... Podia ir para onde quisesse e quando quisesse. E surpreendentemente sem nada e ninguém pra me dizer o que fazer, quando e como. Em principio, muito esquisito, mas daí a um pouco as férias começaram a me parecer atraentes...muito atraentes.

Passaram-se 12 dias, desde então. E tirando a ausência das pessoas que me completam ( porque em circunstancia alguma se tira férias de alguém que se ama...)foram dias absolutos de encontro de mim comigo-mesma.

Em primeiro lugar, o silêncio. Delicioso silêncio Aquele inefável silêncio que fala mais alto do que qualquer som.E eu não queria falar , nem ouvir.

E depois o depois.

Comer quando -e se -tivesse fome.
Levantar-me e sentar-me –sem culpa – diante da TV às 7.30 da manhã para assistir a um cult em branco -e -preto, Crepúsculo dos Deuses ( um clássico de 1900 e nada) e gostar sem remorso;ouvir boleros pela casa e cantarolar Lucho Gatica ( bem desafinadamente...rs)sem que ninguém zombasse do que eu gosto; ler tanto e tanto a ponto de fazer calos nos olhos ( e sem interrupção programada);escrever no blog e nas agendas aos borbotões; dar-me ao luxo de não atender telefone, porque realmente não queria falar com ninguém e por nenhum motivo; sair de casa só para tomar um sorvete ; tomar intermináveis banhos quentinhos , enquanto as vidraças embaçavam;tomar as borbulhas de um vinho Lambrusco bem gelado; assistir ao memorial ao Michael Jackson e chorar de pena dele, porque viveu e morreu sozinho, apesar de sempre acompanhado; chorar durante show do Roberto, ao me dar conta de que ali também estava muito da minha vida ...

...quanta coisa mais eu fiz por mim e para mim.

Cheguei até a me cadastrar no Twitter ( ora , vejam só...sozinha!!!! sem ajuda de ninguém e entrei em textos lindíssimos de pessoas que tem muito pra dizer). Fala sério! Férias é isso.

Inclusive não arrumei nenhum armário, guarda-roupa, ou qualquer coisa que precisasse de ordem., porque eu precisava era mesmo de desordem exterior e interior para poder me reorganizar.

Amanhã isso acaba. Aliás, só foi bom porque, um dia, acabaria. São as exceções, não as regras, que nos colocam em pauta. Estou com saudades imensas das minhas baixinhas (uma bem altinha, já...) que vou ver amanhã.Elas são o meu porquê.

Ainda haverá dias semi-ociosos, mas quando todos os que conheço e com quem converso ( poucos, acreditem...) contarem sobre suas viagens maravilhosas por esse mundão de Deus, mesmo que eu fique em silêncio, estarei sabendo que fiz a grande viagem.

Viajei para fora e para dentro de mim mesma e – o melhor –fiz planos. Planos? Sim, planos...

porque ,onde , hoje, há pássaros, fatalmente , amanhã, haverá vôo!


Em 15 de Julho de 2009

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Uma reflexão ...em dó maior.



Depois de ter vivido uma vida bastante longa e atribulada, hesito em dizer quem sou, como sou, porque sou...Realmente , não sei.

Tenho uma dualidade muito peculiar,ambígua, sou acessível, porém introspectiva naquilo que me diz respeito.Não sou de palco, atuo muito bem nos bastidores e gosto de estar lá. Refletores e luzes , minha alma precisa deles, não meu corpo.

Refletir e estar sozinha fazem-me bastante bem , porque é nesses momentos que me reencontro seja lá para o que for. Se rememoro algo triste, tenho lágrimas suficientes para lavar a dor , e seguir em frente. Se é algo conflituoso e complicado que me aflige, respiro fundo, busco coragem sei lá onde e recomeço. Sou dura na queda.

Contar comigo é regra, talvez porque tenha aprendido, a duras penas, que colocar expectativas nos outros é um convite à frustração. Demorei uma vida para descobrir segredos simples que poderiam ter tornado minha travessia por esse mundo muito mais leve. Tarde, porém a tempo. Engana-se quem pensa que descobri o caminho para a felicidade, apenas aprendi a atenuar as dores e os percalços do caminho.

Algo que sempre me preocupou , desde que criei o blog, era o fato de me expor. Decidi que não o faria e fui buscar em maravilhosos textos - não meus-a cumplicidade que faltava para preencher os espaços vazios. Mas, há dois dias atrás, movida por um impulso inexplicável de trazer ao presente um ontem especial que é intrínseco na minha história, postei um texto íntimo e pessoal. Era de mim para mim, mas acabou sendo de mim para o mundo. Quando me dei conta, o particular se tornara público.

Percebo agora que essa auto-exposição não foi ontem. Nasceu com o blog em cada palavra,cada vírgula, cada pausa, cada imagem ,cada reticência, cada entrelinha, cada texto escolhido... Milimetricamente, com sutileza, como a uma colcha de retalhos fui sendo tecida ,dia após dia, diante de mil olhos atrás dessa tela e , talvez, diante de mim, por tudo o que escolhi dizer aqui. Isso não é um desabafo, não estou arrependida, não...é apenas uma constatação.

Sei, no entanto , que, desde ontem, deixei de ver meus amigos virtuais como letras, textos, nomes .Eles passaram a ser muito mais :presenças de Pessoas que vou procurar construir melhor no meu imaginário, do mesmo modo com que me vi, pelos sinais. E , pelo que já conheço de cada um, poderei iniciar uma feliz sinfonia coletiva , cheia de notas e cores:

Haverá Frutos de Mim e Mar nas Interioridades de Tons de Azul .A Flor da Vida receberá um Beijo à noite, e nos mostrará que É Tudo Igual . As Horas Rotas poderão trazer as Cartas de Tiro em uma Big bag of Dreams. Com Paz & Arroz faremos uma grande festa para a qual virão a Em@ e a Zambesiana. Tudo será iluminado por uma doce Lanterna Romântica, pontilhado por Searas de Versos e profundamente guardado nas verdes Planícies da Memória. E muito e muitos mais...

Outras notas e cores ainda virão ...e a música sempre se renovará, porque lá no âmago de cada um, todos os que estamos aqui, na blogosfera, somos e vivemos desassossegados.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

E então...soprou um vento de imensa ventura.


E então...
soprou um vento de imensa ventura.

Eu senti meu coração, dourado de sol,
transbordando de amor, transbordante de você...
Olhei seus olhos e me vi neles.

De repente, você tomou-me nos braços, afagou-me a cintura,
recolheu-me em seu peito.
Meu coração inquieto pulsava mais do que o seu...
Faminto, você me colheu como a um fruto!
Sedenta, eu o bebi como a agua!
Você marcou seus dentes em minha carne,
eu escorri minha boca em seu pescoço,
e me perdi...e nos perdemos.

Seus braços tomaram minhas formas,
minha mão desenhou a sua pele,
nossas bocas se uniram e esquecemos o começo e o fim.

depois, quando falamos,
senti que você era realidade em minha vida.

E então...soprou um vento de imensa ventura.

Gizelda



1968- Direto do " tunel do tempo", há 42 anos.
Intensamente vivido e guardado em uma agenda e no meu coração.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Não podemos perder nossa capacidade de indignação.


Não conhecemos nosso destino e nem as circunstâncias interiores e exteriores que o levarão ao sucesso ou ao malogro de nossas intenções de vida. O mal não necessita de nenhuma intrepidez de caráter: multiplica-se como sombra sem fonte de luz definida.

O bem requer um esforço de sociedade e uma disposição de vontade individual tais que sua realização é sempre um ato de coragem, como, aliás, a verdadeira alegria.
A distinção entre um e outro é objeto da ética e de seus finalismos morais.
A violência é a loucura do mal e a sua banalidade, para lembrarmos Hannah Arendt, pode ser mais danosa do que todos os maus instintos juntos.

Não podemos perder nossa capacidade de indignação.

A indigência ética - para lembrar agora uma expressão de Heidegger - de nossa época é o grande desafio de nossa sociedade. Buscar arrancá-la de um relativismo absoluto no qual tudo se compreende e tudo se perdoa, sem deixá-la resvalar pela pirambeira metafísica dos universalismos místicos e racionalistas, em que tudo se explica e nada se entende, é a tarefa maior que devemos nos propor realizar.

Estudar, sob os seus mais diferentes aspectos, os mecanismos da violência é, sem dúvida, um passo importante para o seu entendimento, mas não necessariamente para o seu perdão. Um pouco de Nietzche não fará mal a ninguém!


Violência : faces e máscaras.
In O mistério da impiedade

Carlos Vogt

"Por isso Deus lhes envia a operação do erro, para que creiam na mentira, e para que sejam julgados todos os que não creram na verdade, antes tiveram prazer na iniqüidade". (Tessalonicenses, 2: 11- 12).

Texto integral :http://www.comciencia.br/reportagens/violencia/vio01.htm

IMPERDÍVEL.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cortázar, perfeito.


Te desafio a por e falar de mim, sem dar pista nenhuma de quem eu sou, apenas falando o que represento na tua vida.

Te amo por sobrancelha, por cabelo, te debato em corredores branquíssimos onde se jogam as fontes de luz,
te discuto em cada nome, te arranco com delicadeza de cicatriz, vou pondo em teu cabelo cinzas de relâmpago e fitas que dormiam na chuva.

Não quero que tenhas uma forma, que sejas precisamente o que vem atrás da tua mão,
porque a água, considera a água, e os leões quando se dissolvem no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitetura do nada,
acendendo suas lâmpadas no meio do encontro.

Todo amanhã é o quadro onde te invento e te desenho,
disposto a te apagar, assim, não és, muito menos com esse cabelo liso, esse sorriso.

Busco tua soma, a borda da taça onde o vinho é também lua e o espelho,
busco essa linha que faz o homem tremer numa galeria de museu.

Além do mais, te amo, e faz tempo e frio.


Julio Cortázar

Esse texto dispensa adendos. É demais.

domingo, 12 de setembro de 2010

Amigos...




Nessa madrugada acordei sobressaltada com uma sensação estranha de que algo estava fora do lugar. Inquieta, sem conseguir dormir e controlar o caos de pensamentos fui levada a lembranças de pessoas com as quais convivo e convivi.E me veio a incrível solidão de sentir-me longe dos amigos, aqueles para com os quais não são necessárias palavras, um olhar é mais.

Com uma clareza contundente pude selecionar conhecidos, colegas e , poucos , raros amigos. Estes ,os que por mim passaram e passam deixando a si próprios, e por quem também me deixei,cuja ausência é a presença mais nítida de ombro, de identidade, de complemento de abraço. Amor em duas mãos, incondicional, dia e noite.

Outros, os primeiros, transitórios ,oportunistas presenças na conveniência, na deslavada altitude de usufruir sem se dar, de transitoriedade, de olhos baixos porque não há como tê-los altos, Afinal não foi através de um olhar que Bentinho se perdeu em Capitu?...

É para os amigos preciosos que escrevo, hoje, na certeza de que não preciso citar nomes : eles sabem o quê e quem são. Poucos e bons.
Minha alma ficou repleta e em paz.
Então...adormeci.




Esse post já esteve nesse blog em setembro de 2009. Mas, ao lê-lo, hoje, senti uma necessidade premente de repeti-lo. Saudades de amigos raros que escreveram minha história , foram-se , mas permanecem nela de uma maneira definitiva.
Gostaria de tê-los aqui, mesmo que só para um abraço.

PS: Depois do comentário do AC, acredito ser essencial expor aqui um vínculo afetivo, que se criou com pessoas inacreditáveis que se tornaram meus amigos virtuais. Por eles sou abraçada sempre que postam aqui, mesmo em silêncio e quero abraçá-los de volta. E dizer que isso é algo que se construiu e que desejo que se multiplique e perdure.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

...diante dos nossos olhos.




Ás vezes,há um momento excepcional para a felicidade.

O campo das possibilidades infinitas se abre para nós e, assim sendo, muitas coisas tornam-se palpáveis, principalmente aqueles desejos há muito acalentados. Este é o momento em que os sonhos podem virar realidade.

...Mas,todos possuímos uma parte que rejeita a felicidade. Somos tão viciados em nossos próprios sofrimentos, que não sabemos reconhecer quando uma boa oportunidade se escancara diante de nossos olhos.

E a perdemos...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

As roupas da minha vida.


Dentro de um caixote ou dentro de um móvel de ébano precioso vou pôr a guardar as vestes da minha vida.
As roupas azuis.
E depois as vermelhas, as mais belas de todas.
E a seguir as amarelas.
E por fim de novo as azuis, mas muito mais desbotadas estas últimas do que as primeiras.
Vou guardá-las devotamente e com muita tristeza.

Quando vestir as roupas negras e quando morar dentro de uma casa negra, dentro de um quarto escuro, abrirei de vez em quando o móvel com alegria, com desejo e com desespero.
Verei as roupas e lembrar-me-ei da grande festa - que será nesse momento de todo finda.
Os móveis espalhados desordenadamente dentro das salas.
Pratos e copos partidos no chão.
Todas as velas gastas até ao fim.
Todo o vinho bebido.
Todos os convidados idos.
Cansados alguns estarão completamente sozinhos, como eu, dentro de casas escuras - outros mais cansados terão ido dormir.



Konstandinos Kavafis, in Vestes

A nossa vida se multiplica em mil outras vidas, bem ou mal vividas, não importa.As cores que elas têm são aquelas que lhes damos pelo entusiasmo ou pela tristeza com que as preenchemos.

Quando " a festa acabar", quero que a roupa guardada da minha vida seja amarela e intensa. Não quero guardar uma roupa branca e translúcida...

Você sabe de que cor é a roupa de sua vida?

.

sábado, 4 de setembro de 2010

Apenas...escolhas.


Estou só...

Minha parceira de vida – e de vôo - viajou nesse final de semana. Cíntia,8 anos e 9 meses de uma existência mágica tornaram -na o meu “vale a pena”. Fiquei vazia de vozes, de ruídos,de sorrisos, de beijos estalados, mas repleta de lembranças que teimam em permanecer.

Pairo sobre o que fui e que sou com um poder (?) oco de observar algo que não consigo explicar, nem mudar.
Dói.
E dói muito.

A consciência de que tudo, desde a primeira vez, não passou de uma escolha, torna-me perplexa e pequena.

Tenho e tive o que escolhi.
Não mais. Não menos.

Ir por ali e não por aqui,os caminhos se abrindo (...ou se fechando?) na fluidez do tempo que não me permitiu voltar.
Ou parar.

Não há balanço.Nem julgamento.
Não sei o bem ou o mal.
Não há estrutura emocional para avaliar estragos, nem para dosar sucesso, se algum houve.
Do infinito luminoso a um escuro poço sem escada.
Ou vice-e-versa.
Apenas foi.É.

Minha escala de valores contabiliza dores e alegrias com a mesma profundidade. Irreversíveis. Quase não acredito que as vivi.

Sair de mim, ver-me assim é, paradoxalmente,um soco na boca do estômago com uma rosa entre os dentes...e dói.


Gizelda, 31/03/2007

Replay...


Se essa "viagem existencial" não tivesse sido escrita ,ontem, ela o seria , hoje, com todas as palavras, vírgulas ,pontos e entrelinhas que aqui estão.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer...



Carta a Mário de Sá Carneiro


Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental - uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a dizer-lhe. Só isto - que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim. Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro.

Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueca. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.

Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a minha consciência do meu corpo, que sou a crianca triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Marco, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.

No jardim que entrevejo pelas janela caladas do meu sequestro, atiraram com todos os baloucos para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto; e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginacão, ter baloucos para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento.

Como à veladora do "Marinheiro" ardem-me os olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descoser-se.

Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que lhe jurar que esta carta é sincera, e que as coisas de nexo histérico que aí vão saíram espontâneas do que me sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena - chia de aqui e de agora, e passando-se na minha alma como o verde nas folhas.

Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma grande vontade de chorar.
Pode ser que, se não deitar hoje esta carta no correio amanha, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no "Livro do Desassossego". Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.

As últimas notícias são estas. Há também o estado de guerra com a Alemanha, mas já antes disso a dor fazia sofrer. Do outro lado da Vida, isto deve ser a legenda duma caricatura casual.

Isto não é bem a loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao com que se sofre, um gozo astucioso dos solavancos da alma, não muito diferentes destes.
De que cor será sentir?

Milhares de abracos do seu, sempre muito seu,

FERNANDO PESSOA

P.S. - Escrevi esta carta de um jacto. Relendo-a, vejo que, decididamente, a copiarei amanha, antes de lha mandar. Poucas vezes tenho tão completamente escrito o meu psiquismo, com todas as suas atitudes sentimentais e intelectuais, com toda a sua histero-neurastenia fundamental, com todas aquelas intersecções e esquinas na consciência de si-próprio que dele são tao características...
Você acha-me razão, não é verdade?

(em 14 de Marco de 1916)
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego por Bernardo Soares



O que é esse Desassossego que me deixa sem fala? Fernando Pessoa...até onde um homem pode se dilacerar dessa maneira e nos presentear com essa obra?