domingo, 30 de maio de 2010

Minha alma tem pressa...


Quero Essência...

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltavam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Já não tenho tempo para conversas intermináveis para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral ou semelhante bobagem, seja ela qual for. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de Deus.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena. Basta o essencial!


Rubem Alves.

Hoje eu acordei mal. Uma sensação incrível de vazio com alguma coisa muito intensa me incomodando, mas ao abrir os emails, deparei-me com um da Ana Cláudia que ,através de R.A.,desnudou claramente o que eu sentia.
Definitivamente, prepotência , arrogância, ostentação, futilidade me fazem muito mal.
Infelizmente,às vezes, ( graças a Deus, só às vezes...) temos que conviver com isso.

Esse texto caiu em minha manhã como uma epifania.Isto posto, meu domingo mudou de tom.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cegos são os que têm olhos e não vêem.



Existe algo mais sufocante do que a cegueira moral?

Ensaio sobre a cegueira ( síntese) aborda a emergência da epidemia de uma repentina cegueira que abate os moradores de uma localidade não identificada. Tudo se inicia quando um homem cega repentinamente ao volante de seu automóvel, enquanto aguardava a mudança das cores no sinal de trânsito que o permitiria continuar a seguir seu caminho. A cegueira repentina e inexplicável inicia então, lentamente, o seu alastramento.

No entanto, diferente da cegueira usual, em que os cegos possuem apenas a percepção da escuridão, essa é uma “cegueira branca”, como a define o narrador. No lugar da ausência de luz, as pessoas infectadas enxergam apenas a completa brancura de uma superfície aparentemente leitosa.

Ao perceber a gravidade dos problemas que tal epidemia poderia ocasionar, as autoridades decidem enviar os novos cegos e aqueles com quem eles tiveram algum tipo de contato a um manicômio desativado. Essas pessoas são colocadas em quarentena em condições que chegam a se tornar desumanas. Aos poucos, todos acabam cegos e reduzidos, pela obscuridade, a meros seres lutando por seus instintos. Somente uma mulher não é acometida pelo mal da epidemia. Resta apenas a sua visão em meio à completa cegueira, moral e física, que assola os homens, tornando-se ela a única testemunha da degradação a que foi capaz de alcançar essa sociedade absolutamente cega.

Mesmo para os habituados com leituras difíceis, "Ensaio sobre a cegueira" não é um livro fácil. A certa altura, lê-lo é bem parecido a padecê-lo.Mas isso conta como mérito para Saramago, também: sua parábola sobre o vazio e o desespero que nos cercam procura ser precisa, incômoda, inquietar ao máximo. É preciso um estado de espírito especial para enfrentá-la.

Não é um livro concessivo nem flerta minimamente com o entretenimento. Em se tratando de romances que oferecem uma situação sufocante em crescendo, espera-se sempre que um final redentor clareie aquilo e nos liberte, nos alivie. Mas Saramago vai noutra direção: mostra evidente prazer em pormenorizar com crueldade uma situação cruel, implausível, uma enorme metáfora do mal-estar do mundo presente
através de sua epidemia de cegueira, que é curiosa: as pessoas não se tornam exatamente cegas, mas passam a enxergar uma claridade ofuscante, excessiva, que parece precisamente o negativo da visibilidade.


"... se antes de cada ato nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão, aliás, há quem diga que isso é que é a imortalidade de que tanto se fala" (EC: 84).


O medo, o comodismo e o fatalismo levam uma pessoa a se habituar a tudo, "...sobretudo se deixou de ser pessoa..." (EC: 218).

Para o narrador e suas personagens, a tolerância às situações de opressão são também sintomas de cegueira:

"O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos..." (EC: 131)


Saramago : polêmico e arrasador, como sempre.

domingo, 23 de maio de 2010

Only You.


De vez em quando, sem querer, tenho uma aguda consciência do passado. Ele volta em flashes que persistem em permanecer, faz-se presença sólida no ar. Vejo pessoas, ouço vozes, revejo paisagens,sinto odores ou gostos , tenho uma necessidade absurda do “ de novo” ou ainda “ de um pouco mais”, uma vontade estúpida de reter o que já não existe.

Hoje,de maneira incomum, essa sensação me veio por uma música- The Platters entoava “Only You” em algum lugar distante,o som abafado mas tão perceptível que mesmo quando a música acabou, continuei a ouvi-la.

Lembrei-me de um amigo de juventude que já se foi.E com ele, vieram lembranças de outros que também partiram cedo demais, gente que fez parte da minha vida e que perdi nas curvas do caminho.Fui assaltada pela sutil percepção de que para eles- e para os que ficamos- a vida passou.

Senti necessidade de vasculhar gavetas de armários, caixas e laçarotes onde papeis amarelados e algumas fotos vivem ainda. Por que teimosamente os guardo? Talvez, se eu me desfizer deles, tenha a impressão de que aqueles momentos não foram reais e palpáveis.São testemunhos.

Esse meu amigo (por algum tempo,mais que isso), revi-o no caótico trânsito de uma tarde , na Avenida Paulista, em São Paulo. O carro dele emparelhou-se com o meu ; primeiro, a surpresa ( depois de tanto tempo! Quase 20 anos...), um sorriso, um aceno de mão e o sinal se abriu. Nenhuma palavra.E nós nos perdemos ali para sempre .Nunca mais nos vimos e quando soube dele há pouco, a notícia era de que ele partira...Apaguei, na hora, inconscientemente a notícia, porque me incomodou e ela voltou -agora-viva e contundente

Poderia ter-lhe perguntado , pelo menos, se ele estava feliz.O que fazia. Se os seus sonhos tinham,alguns deles,se concretizado...Não o fiz. Será que ele teria gostado de ter-me dito algo também? Nunca vou saber...Ficaram apenas um aceno e um silencioso sorriso.

Na verdade, nos achamos imorredouros e deixamos sempre que passem grandes oportunidades de pequenos atos cotidianos. Uma palavra,talvez um abraço, um carinho...Que pena!

É ,foi isso ,amigo. Assim você voltou para mim, hoje.Em notas musicais.E foi bom...e foi bonito.

Quem sabe você não está por aí, ouvindo a mesma música? Quem sabe...e até um dia!


Valinhos , 19 de junho de 2003.
Não...dessa vez não estava em uma agenda, e sim em um papel cuidadosamente dobrado em uma caixa de fotos antigas, daquelas que transpiram saudades.De quantas dessas preciosidades minha vida é feita? Raízes...é isso.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A vida não é um destino, é uma aventura.





Essa vida tão improvável que nos é dada, cabe a nós não a desperdiçar. A vida não é um destino, é uma aventura. Ninguém escolheu nascer; ninguém vive sem escolher. Cada qual é inocente de si, mas responsável por seus atos. E responsável, portanto, ao menos em parte, por aquilo que se tornou. Aristóteles mais profundo que Sartre. É forjando que alguém se torna forjador. É realizando ações virtuosas que alguém se torna virtuoso. “Fazer”, dizia Lequier, “e, fazendo, fazer-se”. Isso não fará de nós outra pessoa, o que ninguém consegue. Mas impede de nos resignarmos rápido demais ao que somos, o que ninguém deve fazer.


André Comte-Sponville, A vida humana (Martins Fontes, pg. 24-26)

quinta-feira, 13 de maio de 2010

...porque nos perdemos se a cada passo te encontro.




(...) Amo-te tanto que te não sei amar , amo tanto o teu corpo e o que em ti não é o teu corpo que não compreendo porque nos perdemos se a cada passo te encontro, se sempre ao beijar-te beijei mais do que a carne de que és feita, se o nosso casamento definhou de mocidade como outros de velhice, se depois de ti a minha solidão incha do teu cheiro, do entusiasmo dos teus projectos e do redondo das tuas nádegas, se sufoco da ternura de que não consigo falar, aqui neste momento, amor, me despeço e te chamo sabendo que não virás e desejando que venhas do mesmo modo que, como diz Molero, um cego espera os olhos que encomendou pelo correio.

António Lobo Antunes - Excerto de "Memória de elefante"

Simplesmento lindo!

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Um exercício de autoconhecimento.



Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar.

(...)mas quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és...

(...) é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós.

(...)o sonho é um prestidigitador hábil, muda as proporções das coisas e as suas distâncias, separa as pessoas, e se elas estão juntas, reúne-as...

A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.


Saramago in "A Ilha Desconhecida".

http://www.releituras.com/jsaramago_conto.asp - É imprescindível ler mais.


"Buscar a si mesmo" na imagem poética de uma ilha misteriosa, assim como são misteriosos os sonhos humanos, reflete um desejo universal, desde tempos ancestrais.
É filosófico afirmar que "todo homem é uma ilha", e o personagem do conto quer descobrir a si mesmo, o sentido de sua existência.
A ilha desconhecida é a imagem metafórica da consciência, de "o mundo interior". E se somos ilhas, aí está um exercício de autoconhecimento.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Quem se alimenta de poemas fica leve e ganha asas...


Os livros que mais me falam são os diários. Diários são registros de experiências comuns acontecidas na simplicidade do cotidiano, experiências que provavelmente nunca se transformariam em livros. Não foram registradas para serem dadas ao público. Quem as registrou, as registrou para si mesmo - como se desejasse capturar um momento efêmero que, se não fosse registrado, se perderia em meio à avalanche de banalidades que nos enrola e nos leva de roldão. Esse é o caso do Cadernos da Juventude, de Camus, um dos livros que mais amo, e que leio e releio sem nunca me cansar.

Um “diário” é uma tentativa de preservar para a eternidade o que não passou de um momento. Álbuns de retratos da intimidade. Pois eu fiz um “Diário”: pensamentos breves que pensei ao correr da vida e dos quais não me esqueci. Pensamentos são como pássaros que vêm quando querem e pousam em nosso ombro. Não, eles não vêm quando os chamamos. Ele vêm quando desejam vir. E se não os registramos eles voam, para nunca mais. Isso acontece com todo mundo. Só que as pessoas, achando que a literatura se faz com pássaros grandes e extraordinários, tucanos e pavões, não ligam para as curruiras e tico-ticos... Mas é precisamente com curruiras e tico-ticos que a vida é feita.
Assim, em cada página há também um espaço em branco para que o leitor registre também os seus seus tico-ticos e curruiras... Pensando num título escolhi O Poema nosso de cada dia..., em contraponto ao “pão nosso de cada dia” da oração de Jesus. Porque não vivemos só de pão; vivemos também de poemas. Quem se alimenta só de pão engorda e fica pesado.Quem se alimenta de poemas fica leve e ganha asas...


Rubem Alves - Quarto de Badulaques

Agora ficou muito mais difícil desfazer-me das minhas agendas. Estou me achando uma curruira...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Cenas da vida.



Vasos quebrados podem ser diligentemente colados,sim.Continuam a enfeitar a sala sem que ninguém perceba.Porém, o conserto é aparente, apenas.Jamais voltarão a ser intactos.Nós sabemos que estão quebrados para sempre....

Imagem :www.nautikkon.blogspot.com /Fernando José Karl( Exposição Nautikkon 2010- Linda!)

terça-feira, 4 de maio de 2010

Tenho saudades...sei lá de quê!



O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades… sei lá de quê!”

Florbela Espanca

Há momentos em que encontramos um texto e descobrimos que ele era exatamente aquilo que gostaríamos de ter escrito,porque carrega muito de nós...