sábado, 16 de outubro de 2010

Ostra feliz não faz pérola.

“Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que são as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos – seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem.

Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário.
Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão...” Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de suas aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda.

Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para a sua casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras de repente seus dentes bateram numa objeto duro que estava dentro da ostra. Ele tomou-o em suas mãos e deu uma gargalhada de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola.

Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou a pérola e deu-a de presente para a sua esposa. Ela ficou muito feliz...”

Ostra feliz não faz pérolas. Isso vale para as ostras e vale para nós, seres humanos. As pessoas que se imaginam felizes simplesmente se dedicam a gozar a vida. E fazem bem. Mas as pessoas que sofrem, elas têm de produzir pérolas para poder viver.


Assim é a vida dos artistas, dos educadores, dos profetas. Sofrimento que faz pérola não precisa ser sofrimento físico. Raramente é sofrimento físico. Na maioria das vezes são dores na alma.




Rubem Alves in Quarto de Badulaques.
 
...para reflexão.

14 comentários:

  1. Gizelda,

    Este texto é uma verdadeira pérola... para reflexão.
    "Sofrimento que faz pérola não precisa ser sofrimento físico...Na maioria das vezes são dores na alma."
    E há quem se dedica a "apanhar" essas pérolas...
    E há quem ainda não entenda o encantamento da sua essência, olhando apenas para a sua forma...
    Mas também há quem saiba que é no seu brilho que, aparentemente, (se) esconde (d)esse canto triste...

    Simplesmente um encanto de texto!

    Um grande beijinho!

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  2. JB...

    Rubem Alves encanta os leitores porque diz coisas profundas com uma simplicidade desconcertante.

    Ele sempre vê a v ida por um prisma fora do senso comum e quando o expõe, parece-nos que era assim mesmo que deveria ser.

    Quando a usamos, jamais pensamos que a pérola nasceu do sofrimento da ostra!

    beijos. Obrigada por mais uma vez estar aqui.

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  3. Gizelda,
    muito obrigada por me ter dado a conhecer este texto do RA.Gosto muito de o ler.
    ____________e gosto muito, mas mesmo muito de pérolas.tenho alguns fios das de cultura, por ex. acho mesmo que todas as mulheres deviam ter um colar de pérolas!
    beijo

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  4. Um conto que na verdade traz uma mensagem verdadeira, magistral, iluminada e muito reflexiva! Aplausos!!! Amiga querida, carinhos meus a ti... Bjsss

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  5. Quantas vezes se tem perolas...e não se é feliz...
    vale mais ser se feliz sem perolas...
    Beijo d'anjo

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  6. Pérolas são lindas, Em@...delicadas, brilhantes e , sem dúvida, qualquer mulher deveria ter um colar de pérolas.

    Quanto a Rubem Alves,é sempre um praze postá-lo.

    Beijo. Obrigada pela sua presença.

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  7. Oi, Flor...

    uma história simples e bonita criada por Rubem Alves para nos colocar em reflexãoe, quem sabe, aprender um pouquinho da arte de viver.

    Beijos, querida.

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  8. Sonho...

    acredito que as verdadeiras pérolas devem estar em nosso coração, mesmo não estando em nosso pescoço.

    Beijo.

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  9. A grandeza das ostras está para além da superfície.Quando o pedaço de alguma coisa cai na sua concha e a agride, provoca-lhe irritação.Não gosta. Em silêncio, tenta livrar-se dele.Não conseguindo, usa a própria dor e mal estar para fazer a coisa mais bela que pode fazer: uma pérola! O coração das coisas mora fundo!
    Quanto mal não nos trás, ás vezes, uma felicidade
    desconhecida??? Linda esta história com tantas lições para nós...
    Beijos
    Graça

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  10. Gizelda, penso que está tudo dito e o seu coração é enorme e arejado.Que delícia de texto!
    Adoro textos metafóricos.
    Abraço, amiga!

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  11. Esqueci-me de dizer que este texto veio mesmo no momento certo. Entenderá, se lá for...

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  12. Ibel...

    Fui o "Frutos..." e deixei um recado para você , com absoluta certeza de que o entenderá.
    Imagine quantas pérolas você fará dessa situação...Claro que dói, mas acredite, vc é maior e melhor do que o que está a acontecer.

    beijo.

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  13. Obrigada pelo comentário e pela presença aqui , Graça.

    E tem razão: o que temos de mais precioso está encoberto e nasce, na maioria das vezes, de dores e melancolia.

    beijos.

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  14. Rubem Alvez sempre nos toca com sua forma de escrever, de forma poética e direta. Escritor a ser sempre contemplado. Enxergar as pérolas de nossa vida sempre é dispendioso, mas extramente recompensável.
    Beijos

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