sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um trapo.



Tinha-me levantado cedo e tardava em preparar-me para existir.

Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo.

E quanto me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamentamente.


O Livro do Desassossego -Fernando Pessoa

Impregnada de Bernardo Soares até os ossos.
Meu Deus! Como esse homem consegue escrever assim?

3 comentários:

  1. Gizelda, gosto do seu desassossego, no fundo um desassossego sossegado. Sabe que, apesar dos temas tratados, o seu estar transmite imensa calma? Pelo menos a mim transmite.

    Beijos

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  2. A maioria dos rios mostra uma superficie plácida, mas , lá no fundo, há turbilhões escuros e grandes segredos, AC.

    Não tenho grandes , nem escuros segredos, mas , muito turbilhões...

    E que bom você encontrar aqui algo de que eu preciso e nunca achei.

    Beijooooos. Obrigada por ser tão gentil.

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  3. Giselda

    Obrigada pela visita e pelo comentário tão gentil.

    O seu blog também me agradou muito pois para mim as palavras são como água para uma sede que nunca acaba. E gosto muito de Fernando Pessoa.

    Um beijo e até breve

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