terça-feira, 23 de março de 2010

Onde está a saída?



Toda vez que me sinto muito desamparada, costumo olhar para o teto.Procuro nele manchas, rachaduras,marcas,dimensiono o espaço, enfim procuro desesperadamente fazer o tempo passar.
A primeira vez em que isso aconteceu era quase Natal em 92.Era minha primeira radioterapia.Quando a porta blindada fechou-se e eu me vi só, amarrada a uma cama, aquela imensa máquina vindo, vagarosamente, em minha direção, senti a maior solidão da minha vida.
Nada e ninguém...só podia olhar o teto e cada minuto se transformava em século.102 vezes repeti o mesmo ritual e tornei-me íntima de um teto cheio de manchas, um cinza sujo e triste que reconheceria em qualquer lugar.
Sobrevivi.
Dez anos depois, um outro tipo de câncer cruzou minha vida, muito pior, mais forte e
eu busquei no teto do quarto a companhia.A mesma solidão , mas um medo maior.E as manchas...sempre.Insidiosas, inertes, insensíveis, feias.
Só hoje pensei a respeito com mais profundidade.Acredito, agora, que nunca busquei tetos.Sempre olhei para cima em busca de céu,de infinito, de ar, de saída...
Mas o teto sempre esteve lá.E continua lá...sem saída.

Valinhos, 16 de novembro de 2003

...continuo desenterrando agendas.
Os tetos continuam sem saída, porque as saídas, estas,nunca estiveram lá.

11 comentários:

  1. Oi amiga, se vc gosta de literatura e livros gostaria de convidar vc a seguir meu blog: www.literaturasdomundo.blogspot.com
    Gostei muito do seu blog!
    Parabéns!
    Raquel

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Eu já vejo as coisas por outro ponto de vista. Há sempre uma saída, por mais difícil de ver ou de encontrar. Nesse caso, juntamente com o tecto, ela sempre esteve lá. Esteve na esperança escondida nas manchas, no amparo da cor suja. Esteve na busca da fé, do azul e da vida. E a saída revelou-se na vitória e na conquista alcançada. É preciso acreditar que ela existe, independemente de onde se procura.

    Continue procurando agendas, Gizelda e continue a partilhá-las connosco.

    Um beijinho :)

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  4. Adoro suas surpresas escondidas em formas de datas passadas...
    Traz um alivio... alivio de pensar que nao sou a unica a registrar pequenas loucuras e devaneios do dia-a-dia...
    Me veio uma sensaçao semelhante essa de olhar para o teto... acho que é uma busca por algo que traga a realidade para mais perto da gente...
    Bj no coraçao
    Vamn

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  5. Raquel...Já fui retribuir a agradável visita.Fiquei feliz com sua chegada e vou gostar muito de tê-la de volta.

    Seu blog combina comigo.
    Bj

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  6. Helga...
    Definitivamente sua alma de poeta é grandiosa.
    Vc encontra poesia até nas manchas feias do teto.Que lindo é seu modo de olhar a vida!
    parabéns!
    Bj

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  7. Vanessa...
    Vc é imensamente perspicaz.Descobre coisas em mim que eu nunca tinha visto ...rs

    Sabe o que acontece com esses registros? Depois que o tempo passa , eles deixam de ser retratos do real e transformam-se em textos com densidade poética. Uma ousadia, sem dúvida.
    beijos, linda.
    Obrigada.

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  8. Ahhh..sua história é linda..ainda preciso sentar e conversar ao vivo com você de novo...se eu não tivesse tido aula com você eu acharia bem que você é alguém que mora nos meus sonhos! hehe...sempre que venho aqui me identifico com um pedaço de você! o pedaço de hj foi de também olhar para cima quando me sinto pra beixo.. mas mesmo que tenha um teto, eu olho para a janela...e se não tiver uma janela, eu fecho os olhos e imagino o céu estrelado que tem lá em cima, TODO DIA, mesmo quando tem nuvens escondendo! e você eterna prof, é uma das estrelas mais brilhantes!! obrigada por tudo, sempre! até quando você nem sabe que ajudou..hehe

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  9. Gabi, linda...

    Vc , definitivamente, faz parte da minha história. Foi, mas ficou.

    Quanto ao texto , você demonstra que sabe muito mais do que eu : mira as janelas e o céue , claro!- encontra saídas.

    Bjs.

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  10. Não consigo acreditar que você quer outras saídas, já que a sua é a mais bela de todas as criadas. Sua saída sempre esteve aberta! É a vantagem de não temer o que sai da sua boca, da sua mente !
    Você é brilhante,algo como o feixe de luz que passa na rachadura milimétrica da porta.e essa sua outra passagem aberta, aqui, para nós, para nos mostrar o infinito que você já encontrou faz tempo , um lugar que tão bem trancamos:o coração!
    mil beijos, minha adorável mestra!

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  11. Oi, Thaís...

    Ainda acho que vc é muito condescendente comigo. Não achei a saída, nem acredito que ache, porque teria que voltar no tempo, em um determinado momento e refazer uma escolha.

    Mas, já foi. Quem sabe em outras vidas. Mas, confesso,a literatura me dá suporte para caminhar.
    beijos.

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