domingo, 10 de janeiro de 2010

Três anos.




Há pessoas que guardam coisas pela vida afora, prendendo-as a fatos, família, amigos, amores , saudades.Isso é um vício? Um hábito? Uma mania? Não sei...mas eu , estranhamente, guardo minhas agendas usadas.
Bizarro, mas fácil de explicar. Elas, as agendas, são muito mais que repositórios de meus compromissos; são fieis e caladas cúmplices do que me acontece durante os anos que transcorrem.Nelas vão sendo colocados desejos, sonhos, frustrações, sucessos,às vezes algo que só eu sinto e sei, que vivo na hora, registro,e que depois se esvai de mim,da vida, mas permanece.

Todos os anos prometo que vou me desfazer daquelas dezenas empilhadas,no entanto, quando abro uma, em página qualquer, e a leio, sinto incômodo, como se ao descartá-la apagasse algo importante . É como truncar minha história e extirpar dela o que vivi. Reponho-a em seu lugar com a reverência de quem se guarda.

Tudo isso só para explicar como nasceu esse blog...

Em 10 de janeiro de 2007, fazendo a pseudo-limpeza de agendas passadas,consegui eliminar uma :2003. Um ano difícil que eu gostaria de apagar.Simbolicamente o fiz, porque me desfiz dela,mas o que eu queria mesmo que ficasse era uma crônica nascida em um sinaleiro em Campinas,no meu trajeto para Souzas, a caminho da escola.

Era uma iluminada manhã de abril , vi-me diante de um gigantesco outdoor que apregoava as delícias do chocolate. Em alguns segundos minha memória voou para muito tempo atrás , recuperou algo precioso , bem ali no meio da avenida. E escrevi sobre isso tão logo foi possível. Incentivada pela minha filha, pelo desafio cheguei até aqui.Joguei fora a tal agenda, não sem antes sentir uma pontinha de remorso,e iniciei esse blog com um post salvo : Empadinhas quentes na madrugada.

Um blog precisa de nome, identidade. Algo que retrate quem vive nele. Assim, Desassossego... Por quê?
Em princípio, porque O Livro do Desassossego,Fernando Pessoa, desde que o descobri, vive à minha cabeceira. Isso mesmo. Vive. Tem vida tal a influência que produz em mim.Conversa comigo.Conversamos, aliás.
O motivo dois vem da minha ansiedade à espera de alguma coisa que não sei o que é.Acho que esperei a vida inteira e não posso procurá-la porque não tenho a menor ideia do que seja. A inquietude, no entanto, é recorrente.Está grudada em mim como pele.

Imaginei que a partir do blog descartaria qualquer confidência aos papéis e só recorreria ao computador. Ledo engano! Não consigo sobreviver sem papel....(rs)Outra mania...
Foi então que conclui que é imensamente prazeroso postar aqui, porém,definitivamente, não substitui a agenda.Ainda.

Às vezes, venho para falar sobre alguma coisa que me diz respeito, como agora, mas é muito raro. As agendas continuam repletas ( não consigo me desfazer delas ...uma questão para terapia , acho), as estantes idem e o blog- hoje- faz três anos.

Anos perfeitos onde conheci pessoas especiais, recuperei outras de quem me perdera, mas, sobretudo , porque vivo aqui com autores e livros que constroem dia-a-dia o alguém que sou. Encontros de mim comigo.Cada vez que posto um texto, sinto o inefável prazer de saber que ele pode ser partilhado , ouvido, sentido por muitos.

Percebi o quanto a literatura me transformou e me transforma e como eu sou grata por, um dia, tê-la escolhido para complementar minha vida.Por isso vou continuar.

8 comentários:

  1. GIzelda,
    Acho que o blog está rumo à DESAPEGO, ao invés de DESASSOSSEGO... rs
    Bom poder se desfazer simbolicamente do que não nos fez tão felizes, embora tudo faz parte do que somos...
    Vez em quando uma dorzinha ou decepção é necessária para alcançarmos quem somos hoje!!!
    Adoro quando você não reescreve e se reinventa literariamente...
    Pulsa vida, paixão!
    Bj e bom resto de domingo.
    Vanessa

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  2. Oi, Vanessa...

    VC tem razão...2010 será o ano do desapego.(rs)
    E quem sabe eu não deva começar outro blog? Talvez eu até pense em escrever, ainda que não com "toda essa paixão"
    Bjs, linda.
    e obrigada.

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  3. Gizelda

    quanto ao seu ótimo blog, fico feliz com sua frase final: "Por isso vou continuar". Espero que com o "Desassossego"; mas se for com outro, OK, claro. O que importa é que VOCÊ permaneça na "rede".

    Quanto às agendas, tive por longo tempo esse mesmo comportamento. Muito próximo das razões que você mesma expôs. Consegui, aos poucos (aos poucos mesmo!) deixá-las ir...

    Hoje me utilizo, basicamente, do "Cartas". Coloco ali praticamente tudo do meu eu. E alguma coisa no Twitter.

    Mas o papel, confesso, é algo insubstituível pra tanta coisa voltada a nós mesmos...

    Fecho com Drummond, claro:

    "PAPEL

    E tudo que pensei
    e tudo que eu falei
    e tudo que me contaram
    era papel.

    E tudo que descobri
    amei
    detestei:
    papel.

    Papel quanto havia em mim
    e nos outros, papel
    de jornal
    de parede
    de embrulho
    papel de papel
    papelão."

    Beijão pra você.

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  4. Muto , muito obrigada, mesmo, João...pela constante presença, pelos comentários brilhantes e , sobretudo , pelo carinho com que sempre nos tratou, a mim e ao blog.

    2010 se me afigura como chance de algumas mudanças importantes.Vou me esforçar muito para consegui-las.

    Bjs.

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  5. ADOREI SEU BLOG, QUE DESCOBRI POR ACASO, ENQUANTO CLICAVA À TOA PELA NET.
    SOBRE AS AGENDAS, FAÇO PARTE DESSE SEU MUNDO TAMBÉM: O MUNDO DE QUEM NÃO VIVE SEM PAPEL.
    APESAR DE EU TAMBÉM TER O MEU BLOG,MINHAS AGENDAS SÃO, COMO VOCÊ MESMA DISSE, "CÚMPLICES" DAQUILO QUE ME ACONTECE TODOS OS DIAS.
    MINHA AGENDA DE 2009 AINDA NÃO FOI PARA O LIXO...
    MAS QUEM SABE LOGO EU CONSIGA ME DESFAZER DELA...
    PARABÉNS PELO SEU BLOG! ADOREI!!!

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  6. Que surpresa boa!

    Fico feliz por vc ter chegado aqui e ter encontrado algo que seja um ponto de encontro entre a gente.

    Obrigada. Bjs . Volte sempre.

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  7. Querida Giselda!
    Você tem um lirismo muito peculiar, algo parecido com o que me recordo ter perdido e já estava tão cansada de procurar no meu vasto pote de esperança. Feliz de mim que posso lê-la sempre.
    Tua poesia vem em palavras tão doces, tua suavidade é brisa tão refrescante, terna , calmante.
    Guardo também minhas agendas! Com certeza, para guardar dias tão marcantes, rememorar pessoas e sonhar ,encontrar o que sou.
    Agora as guardarei com um sorriso tranquilo...
    Mil beijos, minha amiga . E obrigada por descortinar minhas vendas...
    Thaís Ismail

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  8. Thaís...

    Você iluminou a página com sua presença, suas palavras e seu carinho.
    Obrigada.
    beijos

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