sábado, 30 de janeiro de 2010

in Desassossego.


"O coração, se pudesse pensar, pararia."

"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."


Fernando Pessoa

2 comentários:

  1. Adoro Fernando Pessoa! Para mim é o poeta entre os poetas, um sábio das coisas simples e conhecedor da alma dos que apenas vivem, sem grandes almejos.

    Obrigada pela sua visita. Apareça sempre que quiser e em relação aos 'cultos', como disse por lá e respondendo à sua questão... não vale mesmo a pena, pois o vazio da alma não se preenche com a influência das palavras, mas sim com a sua essência.

    Um beijo
    Helga

    ResponderExcluir
  2. Oi, Helga...

    Sou como você.Adoro FP e o Livro do Desassossego é indescritível.

    Impressionante como um homenzinho tão franzino e cheio de problemas pessoais pudesse ser um poeta tão grandioso(ou talvez seja por isso mesmo, quem sabe?)

    Beijão para você.

    ResponderExcluir